(A procissão ainda vai no adro no que respeita ao
significado da remodelação anunciada para a Direção Geral do Património
Cultural e do que foi possível saber pelo pedido de audiência parlamentar da
Ministra da Cultura realizado pelo PCP. Mas, ou muito me engano, ou vamos ter aqui um exemplo verdadeiramente
ilustrativo dos tiques de governação a que o PS nos tem habituado em segundas
legislaturas.)
Se analisarmos o
percurso que o Portugal democrático tem apresentado em matéria de património
histórico e cultural não é difícil confirmar que, sem o contributo dos Fundos
Estruturais, a situação teria evoluído do desastre para a tragédia. E também
não custa admitir que os municípios têm feito mais pela matéria do que o poder
central.
O panorama global tem
assim sido caracterizado pela míngua de recursos, e sem metal todas as
insuficiências vêm regra geral à luz do dia. Uma situação desta natureza é
pantanosa, pois a míngua de recursos desculpa muita coisa e muito provavelmente
acaba por confundir-se com a incúria de muita gente, materializada em inércia,
vícios e desmotivação que abunda pela administração central com menor
escrutínio e presa no seu quotidiano repetitivo.
Como seria
compreensível, se todo este cenário se aplicava até ao período da TROIKA, o
choque orçamental abrupto que o ajustamento da economia portuguesa implicou
multiplicou as evidências de que o património histórico e cultural estava em
risco.
A história das obras
de arte desaparecidas, talvez uma forma engenhosa e bondosa de designar uma
prática de roubo dos recursos públicos, constitui uma espécie de metáfora de
toda a incúria reinante em matéria de preservação, gestão e valorização do
património histórico e cultural. Só uma investigação profunda e desinibida nos
permitiria compreender as condições concretas em que os desvios de localização
(e provavelmente o locupletamento) das peças ocorreram. Mas seguramente que
encontraríamos exemplos da nossa costumeira desvalorização do que é público,
capturando acessos e usufrutos que deveriam constituir um instrumento de
valorização cultural de toda a população, incluindo a justiça territorial do
acesso a esses bens.
Para além da
reprodução interna da incúria, esta míngua de recursos gera um outro efeito
perverso e por aí começamos a aproximar-nos das razões do pedido de audiência
parlamentar do PCP à Ministra Graça Fonseca.
O outro efeito
perverso é a tentação para que a míngua de recursos leve o Estado a procurar
nos privados a solução. Certamente que há gradações neste recurso à parceria. O
exemplo do mecenato para algumas reabilitações ou mesmo para patrocinar uma
grande exposição não interferem com o acesso ao bem público e certamente que haverá
outros exemplos em que o acesso ao bem público é viabilizado sem mácula.
Do que se sabe do
pedido de audiência parlamentar do PCP à ministra da Cultura é que o património
público (neste caso obras de arte) terá sido utilizado como contrapartida de uma
intervenção realizada por um grupo turístico privado que utilizará o referido
património como elemento ou adereço valorizador do seu empreendimento. Ora
aqui, cara Ministra, o acesso ao bem público é violado ou cerceado e isso é
razão suficiente para dizer que o assunto cheira a esturro.
Na interpretação que
Luís Raposo em artigo no Público lhe dá (link aqui), o incidente adquire um outro
significado, anunciando tendências, pois a remodelação observada na
Direção-Geral parece sugerir uma lógica de valorização turístico-imobiliária,
anunciando-se competências nessa área. É matéria para seguir com atenção. Até
posso admitir que a Direção-Geral precisa de arejamento para combater a tal
inércia a que anteriormente me referia. Mas se Luís Raposo tiver razão, então
estaremos perante um daqueles tiques irritantes com que o PS por vezes nos
brinda, ressuscitando abordagens à Blair do relacionamento público-privado para
os novos contextos de míngua declarada de recursos públicos.
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