quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

JEAN DANIEL



(Todos temos as nossas personalidades de referência, marcando as influências de estádios e períodos da nossa vida. Morreu hoje uma dessas personalidades no que me diz respeito em matéria de referências. Com a morte de JEAN DANIEL não desaparece apenas a personalidade, mas também um tempo, o farol do semanário Le Nouvel Observateur e uma época em que o pensamento de língua francesa contava para a esquerda não comunista.)

É uma semana estranha, tal a concentração de desaparecimentos, por cá (Pedro Baptista com a circunstância estranha de morte quando se inaugurava uma exposição em que tinha investido o seu poder de organização, investigação e estudo, Joaquim Pina Moura) e Jean Daniel.

99 anos é uma vida longa, tanto mais longa quanto mais não foi vazia ou não se perdeu em minudências. O socialismo democrático e a segunda metade do século XX tiveram em Jean Daniel e no Nouvel Observateur uma referência permanente. Alguém a ele associou a ideia do intelectual na redação e graças ao jornal imensas reportagens, artigos, crónicas e entrevistas marcaram o meu pensamento com raízes na língua francesa. É verdade que, já não sei datar com exatidão, houve um momento em que o mergulho nas influências de língua inglesa, muito por influência da economia, passei a ser muito mais seletivo com a intelectualidade francesa. Mas nesse recanto que permaneceu e pelo menos até se ter afastado das rédeas do Nouvel Observateur Jean Daniel sempre foi uma referência para a apreensão das relações entre o social e o político. Pelas suas reportagens e editoriais começamos a compreender com antecipação suficiente as alterações que a sociedade francesa começa a evidenciar, direi mesmo tempo suficiente para a esquerda em França compreender a necessidade imperiosa de rever o seu pensamento. Claro que a essa capacidade de ler a França social e em profunda mutação não é indiferente o estatuto de judeu argelino que sempre integrou as raízes do jornalista francês. Sempre atento à realidade portuguesa, sobretudo às transformações políticas geradas pela Revolução dos Cravos, Jean Daniel representa praticamente uma figura em extinção, a de simultaneamente protagonista da história e intelectual profundo.

Quase que por reação pavloviana ainda compro por vezes (frequentes, diga-se) o Nouvel Observateur talvez inconscientemente à procura dos seus editoriais ou grandes entrevistas.


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