(Todos temos as nossas personalidades de referência,
marcando as influências de estádios e períodos da nossa vida. Morreu hoje uma dessas
personalidades no que me diz respeito em matéria de referências. Com a morte de JEAN DANIEL não desaparece apenas a personalidade, mas
também um tempo, o farol do semanário Le Nouvel Observateur e uma época em que
o pensamento de língua francesa contava para a esquerda não comunista.)
É uma semana
estranha, tal a concentração de desaparecimentos, por cá (Pedro Baptista com a
circunstância estranha de morte quando se inaugurava uma exposição em que tinha
investido o seu poder de organização, investigação e estudo, Joaquim Pina
Moura) e Jean Daniel.
99 anos é uma vida
longa, tanto mais longa quanto mais não foi vazia ou não se perdeu em minudências.
O socialismo democrático e a segunda metade do século XX tiveram em Jean Daniel
e no Nouvel Observateur uma referência permanente. Alguém a ele associou a
ideia do intelectual na redação e graças ao jornal imensas reportagens, artigos,
crónicas e entrevistas marcaram o meu pensamento com raízes na língua francesa.
É verdade que, já não sei datar com exatidão, houve um momento em que o
mergulho nas influências de língua inglesa, muito por influência da economia,
passei a ser muito mais seletivo com a intelectualidade francesa. Mas nesse
recanto que permaneceu e pelo menos até se ter afastado das rédeas do Nouvel
Observateur Jean Daniel sempre foi uma referência para a apreensão das relações
entre o social e o político. Pelas suas reportagens e editoriais começamos a
compreender com antecipação suficiente as alterações que a sociedade francesa
começa a evidenciar, direi mesmo tempo suficiente para a esquerda em França compreender
a necessidade imperiosa de rever o seu pensamento. Claro que a essa capacidade
de ler a França social e em profunda mutação não é indiferente o estatuto de
judeu argelino que sempre integrou as raízes do jornalista francês. Sempre
atento à realidade portuguesa, sobretudo às transformações políticas geradas
pela Revolução dos Cravos, Jean Daniel representa praticamente uma figura em
extinção, a de simultaneamente protagonista da história e intelectual profundo.
Quase que por reação
pavloviana ainda compro por vezes (frequentes, diga-se) o Nouvel Observateur
talvez inconscientemente à procura dos seus editoriais ou grandes entrevistas.
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