quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

SEONG-JIN CHO



(Foi uma sala Guilhermina Suggia com imensas clareiras que acolheu ontem o pianista sul-coreano Seong-Jin Cho, de 26 anos, laureado em 2015 com o 1º prémio do célebre Concurso Internacional Chopin. As amplas clareiras não impediram o entusiasmo final, mas acontece que saí da Casa da Música maravilhado mas também intrigado e explicarei porquê.)

Esperaria, confesso, uma Suggia claramente mais preenchida para acolher um dos prodígios da geração mais recente de asiáticos que mergulham na cultura pianística ocidental. Afinal trata-se de um laureado do Concurso Chopin e sabemos como GRANDES como Martha Argerich, Maurizio Pollini e Krystian Zimmerman se lançaram naquele disputadíssimo concurso, alvo de frequentes controvérsias tamanha é a competitividade e qualidade que por lá se cruzam.

Depois, era também uma oportunidade para compreendermos uma vez mais esta estranha capacidade dos asiáticos para mergulharem na cultura musical e pianística ocidental e nela revelarem toda a sensibilidade, que aliás nos deveria orgulhar a nós ocidentais, por vezes descontentes com os rumos que a nossa dita civilização anda a trilhar.

No meu caso pessoal, havia ainda a particularidade do programa me proporcionar não propriamente revisitações, mas descobertas, aliás comuns em formação de base tão insuficiente. O programa envolvia uma primeira parte com as Seis peças para Piano op. 18 de Johannes Brahms (que não me eram totalmente estranhas) e o Prelúdio, Coral e Fuga de César Franck, esta sim completamente desconhecida. E na apressada preparação que consegui fazer para a sessão, a segunda parte prometia pois envolvia duas peças que praticamente desconhecia (tragédia minha), a Sonata op. 1 de Alban Berg e a arrebatadora Sonata em Si menor de Franz Liszt. Acho que até tinha percebido o racional da escolha de Seong-Jin Cho para esta escolha dupla. Descobri uma tese de mestrado na Escola Superior de Música do Politécnico de Lisboa (Marta Maria Capaz Assunção da Cunha Menezes) que abria com esta inspiração: “A Sonata em Si menor de Franz Liszt e a Sonata para Piano op. 1de Alban Berg sãoobras únicas no repertório pianístico. Embora compostas em contextos e períodos diferentes, ambas abrem caminho para a modernidade em termos harmónicos e composicionais, partindo da forma sonata.”

E depois havia o facto do trabalho de juventude de Alban Berg representar um exemplo perfeito de um romantismo muito tardio, já a preparar os caminhos da não tonalidade. Nestas coisas, as preparações de espetáculos nunca são perfeitas, o tempo escasseia e os discos de referência em casa nunca se encontram nestas ocasiões. Tinha uma vaga reminiscência de ter ouvido a minha deusa Arguerich a interpretar a Sonata de Lizt numa gravação que é lendária (link aqui) e sabia que tinha um disco da Mitsuko Ushida com a Sonata de Berg. Da primeira sabia por isso que era algo de arrebatador, mas não houve tempo para ouvir. Por conseguinte, era uma sessão com riscos (para a minha pobre formação, claro).

A primeira parte do concerto prepara-nos para a vertigem da segunda. Imperturbável, concentradíssimo, Seong-Jin Sho confirmava o que é costume dizer dos prodígios asiáticos, uma combinação de virtuosismo e sensibilidade.

Mas a minha ignorância teria de mostrar-se em todo o seu esplendor. Sabia que a sonata de Berg é bastante mais curta e estava preparado para a arrebatadora criatividade de Liszt. Mas creio que Seong-Jin Cho não terá tocado a primeira. Pelo menos não separou as duas intervenções (se as houve) e não estabeleceu o espaço de concentração para uma nova interpretação. Terá juntado deliberadamente as duas sonatas? E depois, como previa, o caráter virtuoso, atormentado e arrebatado da sonata de Liszt sobrepôs-se a todo o resto e creio que toda a sala se deixou levar por aquela torrente de criatividade e de virtuosismo.

Haverá alguém conhecido e conhecedor que tenha estado na sessão que me possa resolver esta dúvida que irá atormentar-me por muito tempo. Seong-Jin Cho terá mesmo tocado a Sonata op. 1 de Berg (link aqui)?

E para tragédia maior não há uma crítica musical que seja pelos nossos jornais. Porca miséria!

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