sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

DUAS MORTES GERACIONAIS


Aqui para os meus lados, relacionais e de memória, este foi um dia terrível em desaparecimentos. De manhã, soube da morte súbita do Pedro Baptista; à noite, soube da morte esperada do Joaquim Pina Moura. Enche-se-me a cabeça de pequenas e grandes histórias, algumas deliciosas, que conheci de ambos e até que vivi com ambos. Não que possa dizer que lhes era muito próximo em termos pessoais, mas  posso afirmar que o era em cruzamentos e proximidades de ocasiões e tipos diversos. Assim de repente, recordo o “verdadeiro revolucionário” a afrontar o “social fascista”, os Núcleos Sindicais e a UEC, a OCMLP e o PCP, um improvável (des)encontro no Partido Socialista, o vertiginoso militante de causas e a emergência do misterioso “cardeal”, a busca permanente e algo inconsequente de um caminho cívico-político e a desistência da política com uma exagerada opção pelas maravilhas do “capital”.

Pessoalmente, e em relação a momentos com o Pedro, vêm-me as recordações de convívios noturnos com amigos comuns, de uma violenta discussão pública sobre a política dos tempos cavaquistas, das corajosas diatribes que testemunhei dele em relação ao inenarrável aparelho do PS na Cidade ou dos seus apoios incondicionais à Elisa seguidos de amuos inexplicáveis. Quanto ao Joaquim, surgem-me aquela sua imagem rígida e dirigista nas assembleias estudantis de 1974/75, uma deslocação para o Dragão em veículo motorizado de duas rodas por ele conduzido em termos pouco ortodoxos, as suas interrogações nada inocentes sobre o que em 1997 se passava na Economia com o Augusto Mateus ou o modo quase estalinista como entrou pela Horta-Sêca adentro. Tudo irrelevâncias, afinal, coisas de pouca utilidade que retenho sem ordem nem especial saudade que não seja as de cada época e dos seus particulares contornos.

O Pedro e o Joaquim eram diferentes em quase tudo. Apenas terão partilhado sinceramente um portismo assumido, embora o primeiro de forma completamente apaixonada e o segundo de um modo bem mais racional. Mas haverá um outro ponto comum, mais substantivo, a aproximá-los: porque talvez que o que mais os fique a marcar para quem com eles partilhou locais, percursos e causas, o que mais os possa unir na posteridade, seja mesmo o facto de os dois terem sido eminentes lutadores antifascistas convictamente presentes no Porto dos anos 60/70, nessa juventude onde tudo é mais puro, afinal. É que, sendo a vida um fogacho e os homens inapelavelmente falíveis, o relevante será sobretudo que de cada um fique a imagem do seu melhor.

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