(Branko Milanovic tem razão quando sublinha que estão de
novo criadas as condições para reabrir o debate da renovação ou superação do
capitalismo. Em meu entender, embora com algum diferimento de tempo,
as incidências desse debate vão acabar por chegar à cena política e como a
social-democracia disso precisa)
Na sua coluna regular
e ainda na sequência da sua mais recente obra aqui anunciada (CAPITALISM
ALONE), Branko Milanovic chama a atenção para o debate que está reaberto sobre
as vias possíveis para a renovação ou superação do capitalismo (link aqui).
A desagregação do
bloco socialista de leste e a emergência do liberalismo (neo) económico como
uma espécie de trajetória de sentido único sem grandes variantes liquidou a
discussão em torno dos modos de produção e até contribuiu para obscurecer a relevância
da literatura em torno das chamadas variedades do capitalismo.
Porém, o rescaldo da
Grande Recessão de 2007-2008 foi bem mais amplo do que foi antecipado,
sobretudo porque o capitalismo em marcha, mesmo que heterogéneo nas suas
variedades, começou a revelar traços de evolução recente que começaram a
preocupar os grandes racionalizadores. Já aqui referi esses traços que são os
do aumento da desigualdade, a enorme concentração da procura de trabalho
combinada com o esvaziamento de funções de regulação e controlo da concentração
(políticas anti trust) e as anomalias dos padrões de investimento.
Milanovic traz para a
reflexão um texto recente de John Roemer (não o Paul, último Nobel com Nordhaus),
segundo o qual a discussão ganha luz se organizarmos a discussão em torno do
que se passa nos três pilares que organizam todos os sistemas económicos: (i) a
dimensão do comportamento económico (o ethos), (ii) a ética da justiça
distributiva e (iii) as relações de propriedade. A desagregação dos modelos de
apropriação coletiva dos meios de produção tendeu a desacreditar alternativas
de superação organizadas em torno das relações de propriedade.
Milanovic considera
que, atualmente, há essencialmente três vias para animar o debate sobre as
formas de superação/renovação do capitalismo.
A proposta de John
Roemer (ver link aqui) incide na busca de alternativas para o primeiro pilar, o
do racional de comportamento económico. A sua ideia central é a de rejeitar o
modelo do interesse individual levado ao extremo pela ganância instalada no
sistema e substitui-lo por modelos mais cooperativos, com inspiração no
pensamento de Kant – atuemos em relação aos outros como , desejaríamos que eles
atuassem em relação a nós, ou seja internalizando o comportamento dos outros.
Segundo esta inspiração, é nas questões ambientais que se assiste à progressão
mais significativa deste tipo de comportamentos.
A segunda via e
mexendo com o tema central da fiscalidade equivale à via iniciada por Thomas
Piketty, que evolui a partir do terceiro pilar mas que não exige a desacreditada
perspetiva de supressão da propriedade privada. A alternativa de Piketty aponta
para formas de limitação drástica da concentração do capital, obrigando as
empresas a partir de uma certa dimensão são obrigadas a partilhar com os
trabalhadores a propriedade do capital. A obra mais recente de Piketty (CAPITAL
ET IDÉOLOGIE) aponta nesse sentido, mas tem-me faltado fôlego para me abalançar
a tal projeto e por isso a avaliação dessa alternativa de discussão fica para
uma outra oportunidade.
A terceira via
proposta por Milanovic está também claramente eivada de alguma utopia como
aliás convém a este tipo de debates. O argumento de Milanovic tem a curiosidade
de ir buscar a definição de capitalismo a uma combinação de Marx e Weber,
distinguindo três traços: (i) o do modelo de produção baseado na propriedade
privada dos meios de produção; (ii) o exercício da função empresarial assegurado
pelos proprietários de meios de produção que recrutam o trabalho (que é livre e
não compulsivo) e (iii) a descentralização da coordenação das decisões económicas.
A visão algo utópica de Milanovic é que nas condições antecipáveis de evolução
das quantidades relativas de capital e de trabalho (estas claramente
influenciadas pelo declínio demográfico) pode admitir-se que o capital poderá
considerar-se tão abundante que o modelo de start-up’s pode atingir escalas
inimagináveis. O ambiente utópico de uma economia de mercado sem propriedade e
em que o conceito de salário perde o significado gerando o que Milanovic
designa de evolução orgânica, sem alterar a propriedade privada de meios de
produção e o racional de comportamento económico individualista.
Em meu entender,
parece-me a que a via do controlo por via da fiscalidade da concentração do
capital e da riqueza é mais suscetível de passar para o debate político e trazer
sobretudo à social-democracia uma completa revisão dos seus princípios.
Mas reconheço que o
debate está aberto e certamente outras vias de abordagem virão a terreiro. A
recuperação do controlo sobre a reforma da globalização e a formação de uma alternativa
de integração dos perdedores da globalização assim o exigem.
Sem comentários:
Enviar um comentário