quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

UM DEBATE QUE DE NOVO SE ABRE



(Branko Milanovic tem razão quando sublinha que estão de novo criadas as condições para reabrir o debate da renovação ou superação do capitalismo. Em meu entender, embora com algum diferimento de tempo, as incidências desse debate vão acabar por chegar à cena política e como a social-democracia disso precisa)

Na sua coluna regular e ainda na sequência da sua mais recente obra aqui anunciada (CAPITALISM ALONE), Branko Milanovic chama a atenção para o debate que está reaberto sobre as vias possíveis para a renovação ou superação do capitalismo (link aqui).

A desagregação do bloco socialista de leste e a emergência do liberalismo (neo) económico como uma espécie de trajetória de sentido único sem grandes variantes liquidou a discussão em torno dos modos de produção e até contribuiu para obscurecer a relevância da literatura em torno das chamadas variedades do capitalismo.

Porém, o rescaldo da Grande Recessão de 2007-2008 foi bem mais amplo do que foi antecipado, sobretudo porque o capitalismo em marcha, mesmo que heterogéneo nas suas variedades, começou a revelar traços de evolução recente que começaram a preocupar os grandes racionalizadores. Já aqui referi esses traços que são os do aumento da desigualdade, a enorme concentração da procura de trabalho combinada com o esvaziamento de funções de regulação e controlo da concentração (políticas anti trust) e as anomalias dos padrões de investimento.

Milanovic traz para a reflexão um texto recente de John Roemer (não o Paul, último Nobel com Nordhaus), segundo o qual a discussão ganha luz se organizarmos a discussão em torno do que se passa nos três pilares que organizam todos os sistemas económicos: (i) a dimensão do comportamento económico (o ethos), (ii) a ética da justiça distributiva e (iii) as relações de propriedade. A desagregação dos modelos de apropriação coletiva dos meios de produção tendeu a desacreditar alternativas de superação organizadas em torno das relações de propriedade.

Milanovic considera que, atualmente, há essencialmente três vias para animar o debate sobre as formas de superação/renovação do capitalismo.

A proposta de John Roemer (ver link aqui) incide na busca de alternativas para o primeiro pilar, o do racional de comportamento económico. A sua ideia central é a de rejeitar o modelo do interesse individual levado ao extremo pela ganância instalada no sistema e substitui-lo por modelos mais cooperativos, com inspiração no pensamento de Kant – atuemos em relação aos outros como , desejaríamos que eles atuassem em relação a nós, ou seja internalizando o comportamento dos outros. Segundo esta inspiração, é nas questões ambientais que se assiste à progressão mais significativa deste tipo de comportamentos.

A segunda via e mexendo com o tema central da fiscalidade equivale à via iniciada por Thomas Piketty, que evolui a partir do terceiro pilar mas que não exige a desacreditada perspetiva de supressão da propriedade privada. A alternativa de Piketty aponta para formas de limitação drástica da concentração do capital, obrigando as empresas a partir de uma certa dimensão são obrigadas a partilhar com os trabalhadores a propriedade do capital. A obra mais recente de Piketty (CAPITAL ET IDÉOLOGIE) aponta nesse sentido, mas tem-me faltado fôlego para me abalançar a tal projeto e por isso a avaliação dessa alternativa de discussão fica para uma outra oportunidade.

A terceira via proposta por Milanovic está também claramente eivada de alguma utopia como aliás convém a este tipo de debates. O argumento de Milanovic tem a curiosidade de ir buscar a definição de capitalismo a uma combinação de Marx e Weber, distinguindo três traços: (i) o do modelo de produção baseado na propriedade privada dos meios de produção; (ii) o exercício da função empresarial assegurado pelos proprietários de meios de produção que recrutam o trabalho (que é livre e não compulsivo) e (iii) a descentralização da coordenação das decisões económicas. A visão algo utópica de Milanovic é que nas condições antecipáveis de evolução das quantidades relativas de capital e de trabalho (estas claramente influenciadas pelo declínio demográfico) pode admitir-se que o capital poderá considerar-se tão abundante que o modelo de start-up’s pode atingir escalas inimagináveis. O ambiente utópico de uma economia de mercado sem propriedade e em que o conceito de salário perde o significado gerando o que Milanovic designa de evolução orgânica, sem alterar a propriedade privada de meios de produção e o racional de comportamento económico individualista.

Em meu entender, parece-me a que a via do controlo por via da fiscalidade da concentração do capital e da riqueza é mais suscetível de passar para o debate político e trazer sobretudo à social-democracia uma completa revisão dos seus princípios.

Mas reconheço que o debate está aberto e certamente outras vias de abordagem virão a terreiro. A recuperação do controlo sobre a reforma da globalização e a formação de uma alternativa de integração dos perdedores da globalização assim o exigem.

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