(A replicação do novo coronavírus, denominado 2019-nCoV, Universidade de Hong-Kong, com a devida vénia ao Expresso)
(O mundo está mergulhado numa grande contradição. A
globalização já viveu melhores dias e, tal como repetidamente tenho alertado
neste blogue, o populismo capturou a crítica à globalização e o recuo acontece
pelos piores motivos. Mas o risco de uma
pandemia em torno do Corona vírus veio mostrar que afinal a componente menos
influente do avanço da globalização nos anos 80 e 90, a globalização das
pessoas, conta e que os sistemas preventivos de saúde devem trabalhar a questão
com mais eficácia.)
Muito antes do populismo
colocar as suas garras na crítica da globalização, economistas como Dani Rodrik
alertaram atempadamente que as mudanças observadas no processo de globalização
na segunda metade dos anos 90, mais do que um aprofundamento natural do
processo, representavam uma mudança de modelo.
Rodrik recordou
recentemente o significado desse alerta numa série de testemunhos sobre os
rumos atuais da globalização reunidos pela Bloomberg:
“A
globalização assumiu após os anos 90 uma tónica distinta, com acordos
comerciais mais intrusivos e fluxos financeiros menos controlados. Isso não
representava apenas mais globalização; era um modelo diferente que colocava as
empresas – companhias multinacionais, a grande farmacêutica e os bancos internacionais
– na condução do processo. Deu prioridade à integração dos mercados em detrimento
de objetivos mais fundamentais tais como como uma prosperidade mais amplamente
partilhada e segurança económica.
Quer a teoria económica quer a
história mostraram que isso representava um tipo insustentável de globalização
e isso ficou provado. A integração económica internacional aconteceu às custas
de desintegração interna, aprofundamento de assimetrias económicas, espaciais e
culturais entre vencedores e perdedores. Foi também antecipada a irrealista e
não fundamentada expectativa de que as abordagens regulatórias da globalização
abram uma margem de manobra às nações para reconstruir os contratos sociais
internos.”
A captura populista
da crítica ao processo de globalização tem conduzido ao seu recuo interrompendo
a manifestação dos aspetos mais positivos da globalização.
Mas, contradição das
contradições, o mundo está irremediavelmente globalizado e conectado e pelas
piores razões, questões epidemiológicas de saúde, lançam o caos. Talvez o mundo
tenha precipitadamente antecipado o fim de muitas doenças e, por exemplo, a
perturbadora gripe das aves perturbou mais o regime chinês do que qualquer
outro movimento no período após o abalo de Tiananmen. O mesmo parece estar a
acontecer com a explosão do Corona vírus, sempre com o contraponto de que um
regime autoritário como o chinês exerce um poder de bloqueio e de imposição de
cordões sanitários e quarentenas inconcebíveis noutros contextos. Mas apesar
disso e por questões organizacionais que o poder de comando e imposição não
consegue disfarçar compreende-se rapidamente a dimensão do problema.
A influência das
viagens e viajantes na propagação de doenças e epidemias é quase tão velha como
o mundo e os historiadores referenciam já no século XIV na República de Veneza
os primeiros processos de quarentena em torno da chamada Peste Negra.
Mas a contradição
resulta do facto da chamada globalização humana, os fluxos de pessoas, terem
sido até há bem pouco tempo a dimensão menos avançada da globalização. O
desenvolvimento das incidências do corona-vírus mostra uma outra coisa: a relevância
crucial dos processos cooperativos entre as organizações mundiais de saúde,
mostrando que uma globalização mais cooperativa será sempre preferível à que se
desenvolve através de processos “beggar-my-neighbour”, ou seja tentando
resolver o nosso problema à custa do vizinho ou do parceiro.
E também não deixa de
ser irónico que o foco iniciador de um problema de saúde desta natureza resulte
no fundo de questões culturais enraizadas, combinadas com a trágica incidência
da pobreza, mais propriamente a proximidade entre humanos e animais. Talvez
fosse útil pensar nestes ensinamentos básicos de um processo com estas proporções.
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