terça-feira, 30 de novembro de 2021

ATASCO GLOBAL

A crise internacional dos abastecimentos e fornecimentos (supply chain) está a causar dificuldades de monta ao conjunto da economia mundial e a alguns países mais em especial. Sobre ela já quase tudo foi dito, mas os dois gráficos abaixo que retirei do “El País” (onde um artigo de investigação analisava o atasco global) são acrescidamente elucidativos sobre a dimensão-preço que a carateriza. Sem mais, aqui fica este novo e muito sugestivo registo factual.


ESTAVA-SE MESMO A VER...

Duas notícias destes dias, escolhidas de entre várias possíveis, mostram à evidência o que foi a confusão e o atropelamento de governantes neste último governo de António Costa. Os exemplos são múltiplos e em quase todas as áreas, com as inexperiências e as sobreposições a terem primado de modo abissal e aflitivo.
 
Só porque tive a oportunidade de ver mais de perto as suas limitações e inconsequências (ou inexistências?), acho que ainda alguém um dia há de lembrar-se de fazer um balanço da ação (quilómetros e algumas anedotas à parte) do chamado Ministério da Coesão Territorial com que o primeiro-ministro premiou as deferentes inexcedências de Ana Abrunhosa, a dedicação partidária de Carlos Miguel e o desempenho investigativo de Isabel Ferreira ― uma avaliação que não deve desconsiderar a utilérrima aprendizagem ministerial de que “o país visto de Lisboa é muito diferente do que vemos no território”...


HAVIA MESMO NECESSIDADE, SENHOR PRESIDENTE?

(Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt)

O novo veto da lei da eutanásia pelo Presidente da República, assim remetendo na prática a decisão para a próxima legislatura, é uma manifestação grave do modo como aquela figura primeira do Estado entende os seus poderes e os exerce até onde lhe é visceralmente possível fazê-lo. Já todos sabíamos que o posicionamento de Marcelo é irritantemente egocêntrico e disfarçadamente autoritário; temo-lo sentido em praticamente todas as áreas da nossa vida pública, acerca do que deve e do que não deve, falando sem restrições do muito que sabe e do pouco que não sabe ou de que se lhe exigia que guardasse algum recato. Obviamente que “o homem” já não vai mudar, aquilo está-lhe na massa do sangue, mas sempre convirá deixar dito que em matérias societais altamente complexas, como a da eutanásia, as convicções pessoais e religiosas acabam por valer quase nada quando um sofrimento irreversível põe a nu a chocante fragilidade da condição humana.

segunda-feira, 29 de novembro de 2021

FOI BONITO!

 


(Intuí pelos poucos livros de Almudena Grandes que já li, outros vêm a caminho, e sobretudo pelas suas crónicas no El País que a escritora sempre foi um símbolo marcante de uma maneira incomparável de estar na vida, na literatura, na política, na cultura do quotidiano. Tudo isso esteve hoje presente no Cemitério Civil de Madrid para a despedida derradeira de Almudena e para levar o seu corpo à terra. Mas que bonito e comovente foi ver gente anónima com os seus livros na mão, assistir ao respeito de Pedro Sánchez pela escritora, identificar camisolas anónimas do Atlético de Madrid, ver o seu marido o poeta Luís García Montero depositar na urna um livro seu de poemas, pressentir gente anónima presente e imaginar a voz de Joaquím Sabina em duo com Chabela Vargas a cantarem Noche de Bodas e a voz inconfundível de Ana Belén a ler um poema.)

Para mim a literatura é isto e também uma certa imagem e cultura da esquerda espanhola passou por ali, com a qual muito me identifico. Rezam os relatos do El País (link aqui) que também a Grândola Vila Morena foi cantada e também a Internacional não faltou. Por vezes, é preciso fazer algumas romagens para que algumas ideias se sintam vivas. Os deserdados e os perdedores da história viram partir com Almudena uma das melhores intérpretes das suas histórias de vida, da bravura das suas derrotas.

Imagino o silêncio absoluto que paira sobre o Cemitério de Madrid.

Encontrar-nos-emos seguramente com os seus livros que é a melhor forma de a manter viva e longe do esquecimento.

TRAGÉDIA NO CANAL

(Chris Riddell, http://www.guardian.co.uk) 

A ocorrência que levou à morte de 27 migrantes que procuravam atravessar o Canal da Mancha a partir de Calais é apenas mais uma de entre as brutais e aviltantes enormidades político-humanitárias que têm caraterizado, na tão miticamente procurada Europa, as inconcebíveis gestões nacionais e comunitária de uma questão que só terá arremedos de solução quando enfrentada de modo coordenado e minimamente solidário. 

Podendo afirmar-se que o problema já vem de longe, o certo é que recorrentemente surgem novos e horrendos requintes de malvadez, como foi o do caso em presença ― um caso que também ajuda a evidenciar a dimensão de “custe o que custar” associada ao taking back control que serviu de pretexto “brexitiano” a um político tão desqualificado, insensível e egocêntrico quanto é Boris Johnson.


(Morten Morland, http://www.thetimes.co.uk)

domingo, 28 de novembro de 2021

O SEMPRE EM PÉ?

 


(As imagens da noite de ontem, contrastadas entre dois hotéis, o de Lisboa e o do Porto, constituíram uma representação simbólica do que estava em jogo nas eleições primárias do PSD, sobretudo pelo que de oposto as atravessava, não só em termos de personalidades mas também em termos de estratégia política. A imagem do desalento de Rangel e o assomo de firmeza de Rio assumiram ontem um alcance bastante mais vasto do que o habitual confronto entre o derrotado e o vencedor, sobretudo porque traziam consigo os dois contextos que conduziram às primárias e ao desejo que vingou de clarificação).

Para quem viu as imagens de ontem com atenção, foi claro perceber que, no hotel de Lisboa, os ideólogos da campanha de Rangel estavam escondidos que nem ratos aguardando pela passagem do dilúvio, de Poiares Maduro e Fernando Alexandre nem se lhe viu o rasto (Alexandre continua a não acertar onde depositar as suas cartas desperdiçando qualidade e talento que até doi) e dos que viram na candidatura de Rangel a oportunidade para finalmente reorganizar e relançar a direita também não se lhes viu sequer a sombra ou um sorriso mesmo que amarelo. O ar amargurado de José Manuel Fernandes (Observador) no seu comentário político na RTP 3 condoía o mais insensível e dos que viram na vitória de Moedas um bom sinal também estavam recolhidos até à próxima. No hotel do Porto, lá apareceram pilares tais como António Tavares (Santa Casa da Misericórdia do Porto) e Arlindo Cunha e, em tea-shirt preta digna de um unicórnio das TIC, Salvador Malheiro, líder da campanha de Rio, exultava com o feito, feliz como um passarinho libertado de uma gaiola restritiva. E claro que, à sua boa maneira, Rio atirava-se nas suas primeiras palavras aos pretensos donos do partido e das distritais (a votação em Braga foi surpreendente em contramão com a orientação da estrela emergente Ricardo Rio, Presidente da Câmara Municipal de Braga, e obviamente os seus inimigos de estimação, os comentadores políticos.

De facto, embora as suas limitações sejam pesadas, Rio não engana ninguém e tem sido essa postura que muitos apelidam de suicida que lhe tem garantido o estatuto de “sempre em pé”.

Tem-se especulado sobre o que é que no íntimo da primeira “entourage” de Costa se desejaria quanto aos resultados das eleições de ontem no PSD. O linearismo de Ventura não engana, afirmando com segurança que o PS desejaria a vitória de Rio. Outros, pelo contrário, alertam que nesse grupo próximo de Costa se pensava que seria mais fácil derrotar Rangel do que Rio (e as últimas sondagens sugerem que seria assim por alguma margem), sobretudo pelos papões eleitorais que a candidatura de Rangel permitiria construir. E não se trata de considerar o élan que a vitória nas primárias representaria, já que esse élan existiria sempre qualquer que fosse o vencedor. Pacheco Pereira deve ter exultado com o resultado (existindo neste momento a suspeita de saber se a CNN Portugal enterra ou não o Circulatura do Quadrado ou como venha a chamar-se). Na minha modesta avaliação, Rio é um adversário duro de roer, não pela elaboração do seu pensamento político, mas sobretudo pela sua intuição das questões a que eleitor mediano em Portugal é sensível no momento de escolher. Em meu entender, Rio é alguém que roça frequentemente o populismo sem disso tomar devida conta, simplesmente porque pensando à sua maneira anda pelas bordas desse populismo, sobretudo pela sua intuição para o contacto mais direto com o eleitor conceptualmente não elaborado.

Neste plano, a importância de homens não particularmente brilhantes no plano político das ideias, como Salvador Malheiro ou José Silvano, foi crucial para a vitória de ontem e certamente sê-lo-á também para a batalha de janeiro, ainda interrogada pelo possível impacto da pandemia na contenda. A comunicação com os militantes de base é uma arte e a questão estará em saber se essa arte é a mesma da relação direta com o eleitor. Tudo indica que Malheiro terá sido o artífice da utilização dos meios digitais para o contacto de última hora com os militantes de base, vencendo orientações de muitas das distritais.

A direita do PSD e daquela que desejava capturar o partido sai derrotada do confronto de ontem não apenas porque perdeu, ponto, por pouco mas perdeu, mas sobretudo porque se apercebe que mesmo que Rio seja derrotado nas legislativas de 30 de janeiro não é seguro que isso signifique o seu afastamento do PSD e daí que a estratégia de recompor a direita não a partir do centro mas a partir de uma radicalização de direita fique de novo na prateleira aguardando melhores dias e outros personagens para recompor a cena, já que a peça é a mesma.

Neste contexto, o PS de António Costa enfrentará no confronto de janeiro de 2022 um enorme desafio de clarificação, não podendo a meu ver afirmar-se pela denúncia do papão da direita ou de regressos ao passado, mas antes pela defesa fundamental do seu papel de charneira na sociedade portuguesa, dados os desafios que ela própria enfrenta. Já aqui defendi que não é tempo de apagar o que significou a geringonça. A política faz-se em função das condições concretas e não em função de princípios abstratos. Pode ter-se dinamizado uma “geringonça política” e simultaneamente continuar a ser um partido de charneira na sociedade portuguesa. O que será necessário é mostrar com clareza quais são as opções centrais que materializam essa posição de charneira no contexto atual da sociedade portuguesa. Depois, os resultados dirão qual a formulação política parlamentar que melhor as pode materializar. Ser um partido de charneira não significa esquecer a sua dimensão progressista e de sensibilidade aos problemas que só essa dimensão poderá resolver ou mitigar: a desigualdade, a transição energética e digital sem penalizar a redução dessa desigualdade, os fatores multidimensionais da pobreza, a sustentabilidade da segurança social, o lugar que tem de ser concedido à dinâmica de afirmação dos jovens mais qualificados e sobretudo uma melhor compreensão do mundo empresarial.

Não se trata de baralhar e tornar a dar na mesma direção. Alguma dimensão de mudança tem de ser introduzida no programa eleitoral.

Aguardemos.

NÃO APENAS A DERROTA DO APARELHO...

(Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt)
 
Não direi que tudo mudou com as eleições internas do PSD ontem realizadas e respetivo resultado. Mas, indiscutivelmente, o panorama político nacional arrisca-se a ganhar um frisson que até agora parecia imprevisível.
 
Pessoalmente, gostei da vitória de Rio porque ela pôs no devido lugar a arrogância de Paulo Rangel, da multidão de “baronetes” que decidiram segui-lo por razões de cálculo pessoal e da maioria dos comentadores que há um mês vinham afiando os dentes contra o “parolo” do Norte que tinham venerado enquanto Presidente da Câmara do Porto. Também acho que ele tem uma melhor perceção (ou intuição?) do que o País necessita nesta fase, em termos políticos, económicos e sociais e que só ele e o seu programa poderão minimamente ser capazes de tocar (e acordar) um Costa tático e já inclinado a repetir “mais do mesmo” (veja-se abaixo, e exemplificativamente, o seu projeto de cartazes ontem divulgado no “Expresso”!).
 
Outro aspeto que resultou evidente destas eleições internas foi a falta de ligação efetiva (em termos de capacidade de influência e comando) das estruturas distritais e concelhias, sobretudo daquelas (como Porto e Braga) que apoiaram Rangel e perderam largamente para Rio ― dá que pensar e é matéria que deveria ser tratada seriamente, e com consequências, dentro do partido. Identicamente, os presidentes de câmara que se deixaram seduzir pelo canto de sereia de Rangel ou pelo cheiro a poder que emanava também não se podem considerar como tendo ficado minimamente bem na fotografia ― do que consegui reunir, estes foram 22 a Norte e alguns deles sabiam o suficiente (ou tinha-os por suficientemente dignos e personalizados) para poderem ter feito melhor do que caírem na doce ilusão de “elitistas, sulistas e liberais”, casos dos nove que lideram a Póvoa de Varzim, Esposende, Boticas, Amarante, Régua, Terras do Bouro, Murça, Braga e a Trofa.
 
Numa avaliação global, e necessariamente muito pessoalizada, julgo que resulta de ontem que Marcelo também sofreu um revés (por muito que o disfarce sob a capa do institucionalismo que gosta de proclamar), que Rangel já não volta lá (o que é uma boa notícia para o País), que qualquer maioria absoluta ficou fora dos possíveis de 30 de janeiro de 2022 (sobretudo porque Rio adquiriu um elã que terá efeitos corrosivos sobre a votação de Costa, ao mesmo tempo que a dimensão desse arrebatamento e os ganhos derivados não parecem capazes de o levar a esse objetivo) e que o tal governo de “maioria presidencial” que previ como o mais provável outcome das legislativas tanto poderá ser do PS como do PSD (probabilisticamente em partes quase iguais, digam as sondagens o que disserem) ― daí que a imagem de abertura deste post possa ser vista como algo enganosa, na medida em que a plausível partilha do leito entre Costa e Rio ainda vai ter de passar por vários episódios de emoção e agressividade até acabar por acontecer em função dos momentos de forma de cada um dos dois protagonistas e do engenho que consigam reunir (e talvez que, a este nível, o desafio de Costa até seja maior...) e tornar convincentemente explícito junto dos seus concidadãos.