segunda-feira, 8 de novembro de 2021

SOBRE O MOMENTO POLÍTICO

 

(O momento político convida a miscelâneas, tamanha é a diversidade de temas e peripécias com que ele se apresenta, como se a chamada “silly season” se tivesse atrasado no tempo e queira manifestar-se antes do Natal começar a enternecer as mentes dos mais novos aos mais velhos. A recomposição da direita, ou pelo menos a sua tentativa, desde a clarificação que todos pedem no PSD à automutilação do CDS perpetrada por um Pupilo do Colégio Militar, Chicão de seu nome e poderíamos ficar por aqui, passando pela evidência de que a situação política no PS Porto terá ficado mal colada, não sabemos com que material, sugerem uma multiplicidade de comentários. Bem lá no fundo, imagino que os Portugueses e eu não estarei longe desse pensamento, pretenderão que esta malta resolva o mais rapidamente possível os conflitos, querela e outras questiúnculas, para nos deixarem saborear a caminhada para o Natal e seus apelos.)

Começo por interrogar-me se as Diretas de Novembro e o Congresso de Dezembro no PSD representarão a clarificação interna definitiva que muitos desejam. A razão para esta minha dúvida é simples. Se Rio conseguir ganhar apesar da dinâmica de derrota que o Conselho Nacional lhe tem proporcionado nas duas últimas reuniões daquele orgão, isso significará que aqueles que sempre pretenderam assaltar a casa social-democrata movendo-a para terrenos mais à direita, economicamente liberal e rejeitando a perspetiva mais abrangente do que significa a democracia liberal, continuarão insatisfeitos. A sua insatisfação traduzir-se-á por algum desespero entre o decoro de não tomarem de assalto o Chega e esperarem pelo engordamento da Iniciativa Liberal. E se ganhar Paulo Rangel isso não significará uma clarificação? Não totalmente, porque em meu entender essa direita candidata ao assalto da casa social-democrata pode ter escolhido Rangel como mal menor entre o que havia para escolher. Por conseguinte, se ele ganhar e, pese embora os sinais contraditórios entre a dinâmica do Conselho Nacional e a sondagem publicada pelo Diário de Notícias neste fim-de-semana, isso pode perfeitamente acontecer, estimo que as coisas não estejam resolvidas para um horizonte razoavelmente longo. Em meu entender, à luz dessa direita, Rangel navega num ideário em que as preocupações sociais e de alguma sensibilidade para com os problemas da desigualdade não são lá muito compatíveis para quem pretende investir no referido assalto.

Mas, podem perguntar, que avaliação faço da contenda no PSD?

Em meu entender, tudo irá depender se o eleitorado das Diretas vai estar mais próximo ou mais longe do espírito do velho aparelho do PSD. Certamente que com a evolução etária dos Portugueses, esse aparelho terá hoje novas características e o meu último post dava conta dessa realidade, destacando-o a partir da sagacidade de Sebastião Bugalho em torno da história de vida partidária do barcelense Carlos Eduardo Reis. Embora desajeitado, entregue à bicharada da imprensa da capital, com má imprensa generalizada e alergia incontornável das elites do partido (incluindo o próprio Marcelo) e com uma propensão quase doentia para se pôr a jeito em situações desfavoráveis, Rio é ainda assim aquele que talvez esteja mais próximo dos valores do PSD que Pacheco Pereira tanto enobrece e apregoa e que justificam a sua própria permanência no partido. Serão esses valores e postura de gente que se afirma como Rio de não depender da política, honesto até demonstração em contrário? O meu último encontro com Rui Rio é muito curioso e aconteceu para uma entrevista no âmbito de um estudo que realizei há tempos para a Associação Comercial do Porto sobre as eleições diretas nas Áreas Metropolitanas. Para a marcação dessa entrevista, Rui Rio indicou-me o endereço de uma empresa de consultadoria de gestão de recursos humanos, situada no Edifício Península no Porto. À hora marcada lá estava eu a tocar à campainha do escritório, uma vez e segunda insistência e ao terceiro toque aparece-me o próprio Rio, pedindo-me desculpa por não estar ninguém nas instalações, já que o corpo de funcionários tinha ido a uma reunião em Lisboa. Assim foi, despreocupado e uma excelente entrevista seguiu-se a este momento insólito de dessacralização de um político, como aliás eu gosto.

Paulo Rangel não tem, nem por sombras, essa postura e essa tendência para a dessacralização da função política. É gongórico, pode ser letal na retórica da argumentação, mas no terreno do debate político-eleitoral tanto pode ser brilhante e com resultados (como aconteceu na sua primeira passagem pelas eleições europeias), como pode soçobrar como aconteceu nas últimas europeias. Entre esses dois momentos, houve oscilação de posicionamento, de postura e de agressividade e a viragem para o tom mais mediático em detrimento da letalidade da retórica argumentativa não lhe foi favorável. Inconstância, trajetória de adaptação, em busca de uma nova identidade de personagem político, não sei o que estará a acontecer. O que me parece é que quando Rangel veste o fato mais populista há qualquer que coisa que soa a falso nessa nova personagem, essa postura não vai bem com a própria personagem, para além da necessidade de demonstrar aos militantes que pode governar e lhes pode devolver ao fim destes anos o poder. Essa demonstração de estaleca junto dos dois eleitorados é bem mais importante do que a quase patética demonstração feita por Rangel numa entrevista televisiva de que conhece de ginjeira personalidades importantes da cena europeia. Quando o ouvia na televisão, lembrei-me de alguns colegas de juventude que se vangloriavam de namorar com muitas miúdas, mas elas não sabiam …

Não sou adivinho para fazer grandes prognósticos. Estou simplesmente curioso, muito curioso, isso estou, para interpretar os resultados.

Quanto ao CDS, a situação tem tanto de grotesco como de inenarrável. A melhor síntese que encontrei para descrever a situação é esta: as artimanhas de Francisco Rodrigues dos Santos e da sua entourage, cada vez mais curta, conseguiram fazer de Nuno Melo alguém com porte e pose de homem de Estado, o que é simplesmente obra. Dá dó ver personalidades como António Lobo Xavier, entre os que decidiram ficar para ver até onde chega o isolamento e como Adolfo Mesquita Nunes, Pires de Lima e Cecília Meireles entre os que bateram com a porta ou estão em vias disso, envolvidas neste processo e por isso de fora de uma recomposição da direita que é tão vital para a democracia portuguesa. Tudo isto sob a “maestria” de um Pupilo do Exército, Deus meu, poupa-me a derivas desta natureza.

Finalmente, pelas bandas do PS Porto, já que o PS “central” se prepara para outras batalhas, alguém da lista do PS candidata à Câmara Municipal do Porto, uma tal Catarina Santos Cunha à qual peço imensa desculpa mas que não faço ideia de quem seja e do que faz na vida, resolveu desvincular-se e assumir o seu mandato como independente em colisão com o líder do PS local, o sacrificado Tiago de seu nome. Este veio a terreiro, anunciando que estarão em causa aproximações da dita Catarina à gestão de Rui Moreira e ao seu acordo (perfeitamente legítimo) de governação com o PSD e não questões de conflito de ideias na própria lista do PS. O que mal começa regra geral nunca acaba bem e uma vez mais parece confirmar-se. Mas o que isto significa é que do PS Porto continuam a sair jogos florais e de manjerona e para quando um posicionamento compatível com a dimensão do partido?

Nota final:

Ainda no registo de miscelânea, não sei se já repararam que, bem ao contrário do que se observava no tratamento da crise das dívidas soberanas, uma designação eufemística da nossa “bancarrota” e programa penoso de ajustamento, por estes dias de gestão macroeconómica da pandemia bem mais à frente, temos sido visitados por economistas prestigiados e com pensamento alternativo ao mainstream. É o caso do historiador e economista da Universidade de Colúmbia em Nova Iorque, Adam Tooze. O ar está mais respirável.

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