quinta-feira, 4 de novembro de 2021

MANUAL DE INICIAÇÃO À POLÍTICA

 


(Devo confessar que não seguia com regularidade o colunista Sebastião Bugalho no Diário de Notícias e nem sabia que também era comentador político num programa creio que da TVI 24, mas depois da leitura da sua coluna no DN de 31 de outubro (link aqui), publicada também na edição em papel destes últimos dias, estou disponível para o seguir com mais atenção. A leitura da referida crónica, “O homem no corredor – quem é o novo barão do PSD?” passa a constituir para mim uma referência obrigatória em qualquer manual de iniciação à política, sobretudo na perspetiva de perceber de fora como ela funciona por dentro, ou seja como ela se movimenta nos corredores partidários e do poder. Imperdível.)

Não abundam os registos com pés e cabeça da política por dentro, sobretudo dos mecanismos de funcionamento partidário e de como o poder se constrói, se abate ou se reproduz sob novas formas. Pacheco Pereira tem, por vezes, algumas intervenções que sugerem que o seu manancial de informação e reflexão é imenso. Em algumas biografias de políticos vivos mas hoje em segundo plano na política há material interessante (a obra de Francisco Pinto Balsemão aguarda melhores dias para ser lida como merece, sobretudo depois da referência que o Amigo Almiro Oliveira me fez em cavaqueira de sexta-feira em Espinho). Aqui e ali percebem-se indícios de que se trata de material inesgotável e sempre renovado. E eu próprio, nos tempos, já há longo tempo, em que estive próximo por razões profissionais do Presidente Fernando Gomes na Câmara Municipal do Porto, sobretudo nos andamentos das derrotas, me apercebi que se trata de um mundo incontornável para contextualizarmos e compreendermos decisões e outros factos que por vezes nos transcendem.

A crónica de Sebastião Bugalho lança-nos com subtileza nesse mundo. É uma espécie de história de vida em torno da construção de um “barão”, não daqueles com título comprado, mas antes de alguém que persistente, inteligente e habilmente constrói relações de poder, através de um conjunto coerente de decisões facilitadoras da vida de um líder. O personagem é praticamente desconhecido das pessoas comuns. É de Barcelos, do PSD, filho de Fernando Reis, antigo Presidente da Câmara Municipal durante longos anos, alguém proeminente nos tempos de Durão Barroso com liderança da apetecível distrital de Braga. Não sem importância e um grande pormenor, Carlos Eduardo Reis está na origem do regresso ao poder em Barcelos do PSD (em coligação com uma ex-fação do PS, desavinda com a desatinada passagem pela Presidência do empresário Costa Gomes). Mas a sua ascensão está muito para além da geografia local. O artigo de Bugalho, construído em torno de uma entrevista-almoço lá para as bandas do Guincho, documenta com rigor um conjunto muito diversificado de decisões possibilitadoras de ganhos de influência. O mote do artigo é claro: “Volvidos dois anos, Carlos Eduardo Reis não é arguido ou acusado no processo que investiga adjudicações diretas de juntas de freguesia a dirigentes do PSD e do PS. Vendeu todas as empresas e desinteressou-se do setor privado. Tornou-se, entretanto, uma das figuras mais poderosas do maior partido da oposição. Quem tiver ambições no PSD está obrigado a sentar-se à mesa com ele. A questão é: como? Como é que um empresário de 37 anos, ex-JSD, que nunca havia exercido cargos públicos, foi de alegado membro de uma rede de tráfico de influências a deputado, vereador e novo barão do Partido Social Democrata?”

O artigo é precioso e considero que qualquer manual de iniciação à política cá no burgo deveria incluir a sua leitura e estudo como bibliografia essencial.

Mas fico com uma curiosidade. O artigo de Bugalho documenta com pormenor a aproximação a Rui Rio e um conjunto de decisões e opções que resolveram problemas a Rio e que lhe (a ele Carlos Eduardo Reis) fizeram ganhar a influência partidária que neste momento alcançou. Neste contexto, tendo em conta que Rui Rio está em posição difícil interna e que a imprensa, forças vivas do partido e até o próprio timing do Presidente Marcelo não estarem de feição ao que pretende, apetece perguntar o que poderá estar o novo barão a congeminar para oferecer bons ventos à navegação de Rio? Ou nestes processos consistentes de construção de influência e poder haverá também disrupções e mudanças de agulha para se reconstruir essa influência? Ou seja, o entrevistado de Bugalho não poderá antecipar já uma liderança de Rangel?

Inclino-me mais para a primeira hipótese, mas quem sou eu para avaliar o que pensam “barões” do PSD ou de qualquer outro partido.

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