(Pois dizem os astros que quem joga para empatar sempre ou quase sempre perde. Um conjunto de guerreiros sérvios que disputam a bola como se fosse a última das suas vidas foram demasiado incómodos para uma equipa demasiado macia, refém da proteção divina, que lentamente se tornou a imagem do seu selecionador. E o golo que nos caiu do céu aos dois minutos mais acentuou este panorama, os sérvios tornaram-se ainda mais guerreiros e ameaçadores e os lusos ainda acreditaram mais que na pior das hipóteses seria um empate a fornecer os bilhetes para o Quatar.
Fernando Santos é seguramente um bom homem e chefe de família, um homem devoto e os seus santinhos de estimação, Nossa Senhora dos Aflitos e outros protetores nunca lhe negaram a proteção nos momentos mais difíceis. Para além disso, Fernando Santos encasquetou na sua cabeça que o seu modelo de futebol é o mais adequado para combinar com a mentalidade e dimensão de um país pequeno, que já foi grande mas se calhar mais na imaginação dos Portugueses do que realmente na sua real capacidade de ter presa sobre vastos territórios e assumir o Poder nesses contextos. É um futebol construído sobre o equilíbrio defensivo, ter bola o mais possível mais para entreter do que para avançar no terreno e esperando que um erro do adversário nos coloque no coração dessa fragilidade momentânea. Foi esse modelo mais o gigantesco impulso anímico de jogar em França e ser diariamente pressionado pela comovente adesão dos portugueses aí emigrados e já residentes há longo tempo, mais a proteção divina chegada à terra sob a forma do Éder, que lhe concedeu o título europeu de 2016.
O problema neste momento é que uma grande parte dos jogadores portugueses que vestem a camisola da seleção estão hoje inseridos em equipas e em organizações cuja cultura é incompatível com essa cultura da habilidade da pequenez. Passaram eles próprios uma longa fase de adaptação a essas culturas mais agressivas de querer ganhar e por isso devem-se sentir algo enjaulados e presos num regresso ao passado que os tortura quando artistas do modelo de Fernando Santos.
Para cúmulo sabemos que os Sérvios resolvem problemas “à
cabeçada”, que não são treinados para ter respeito a seleções de craques e fizeram-no
sentir sobretudo na maneira como vieram jogar a um Estádio da Luz cheio e
animado que bastava para dar ânimo à equipa, a pensar no que verdadeira e unicamente
lhes interessava a vitória. E comecei a ficar aparvalhado quando via uma
seleção sérvia que tinha no corredor defensivo direito um avançado, ZivKovic,
habituado ao andamento da Luz e que nunca foi verdadeiramente importunado nas
suas funções, não necessitando sequer de revelar qualquer adaptação à função de
ala/defesa. Aliás, o mistério do desaparecimento de Nuno Mendes depois da sua ida para o PSG mostra que a chegada precoce de atletas muito jovens ao mundo dos milhões normalmente dá para o torto durante largo tempo e hoje pobre do Nuno que foi trucidado em quase todas as incursões sérvias pelo lado esquerdo da nossa defesa. Mas também do lado oposto Cancelo não esteve melhor.
Começo a duvidar, passando por cima de qualquer ideia de injustiça que é palavra vã no futebol, se Fernando Santos é hoje o homem certo no lugar certo para conceber e gerir um modelo de jogo à altura da internacionalização dos nossos principais jogadores. E receio mesmo que o play-off se transforme para a seleção portuguesa numa via sacra de grande penosidade.
Perdemos e perdemos bem. Aliás perderíamos sempre hoje com qualquer equipa que disputasse as jogas como se fosse a última da sua vida de futebolistas, aliás como o jogo de Dublin já nos tinha anunciado que seria assim. Os sérvios são tanto ou mais obstinados do que os irlandeses, o problema é que são muito melhores e tudo indica que Fernando Santos internalizou esse perigo e entregou-se ao seu modelo de jogo preferido, jogar com o tempo e com o erro do adversário. E os santinhos desta vez não vieram em auxílio do Santos, ofereceram-lhe uma prenda aos dois minutos mas depois disseram, “joguem porra”, porque os santos também por vezes deixam cair as suas pragas.
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