domingo, 7 de novembro de 2021

AQUI ESTOU DE NOVO …

 


(Regresso às lides com um Grande Abraço e votos de rápida e sustentada recuperação ao meu colega de blogue do problema de saúde que o atingiu, pois este espaço faz-se a quatro mãos, livres e independentes entre si, mas solidárias no espírito a preservar deste espaço. Por isso, depois deste abanão, regresso com uma curiosidade de história comparativa, centrada nesta nossa Europa que tanto amamos e para a qual tardam soluções, foco e desígnios capazes de salvaguardar o seu papel e dos seus valores, pelo menos os que nela os reconhecemos, no mundo de hoje. O tema é-me sugerido por uma curiosa nota de estudo do Banco de França e compara o que foi o Plano Marshall com o que pretende ser o Generation EU, afinal a iniciativa que nos trouxe para dentro de portas o Plano de Recuperação e Resiliência, agora submerso nas inconstâncias da nossa vida política.)

Há uma curiosidade histórica que muito indiretamente liga o Plano Marshall a este blogue. O veículo que transporta essa ligação indireta é um dos patronos das ideias deste blogue, Alfred O. Hirschman, que está ligado à conceção e aplicação do Plano Marshall. Na monumental obra, Wordly Philosopher – The Odyssey of Albert O. Hirschman (Princeton University Press, 2013), Jeremy Adelman conta detalhadamente no seu capítulo 8, como o pensamento e a experiência de Hirschman passaram pela génese e posterior implementação do Plano Marshall na Europa. Hirschman, estudante na Universidade de Berlin e militante anti-nazi fugira para França na sequência da detenção de alguns dos seus colegas na Universidade, com 17 anos, precisamente no dia em que se enterrava o seu pai Carl Hirschman, com a promessa de um dia regressar depois de eliminado o pesadelo que atravessou praticamente todo o continente. Curiosamente, nessa mesma obra, Adelman conta a maneira como Fernando Henrique Cardoso, outro patrono deste blogue, e seu amigo pessoal, se referia a Hirschman: “Ele era como um pintor Holandês, revelando-o nas pequenas novas maneiras de ver o todo. Sem deixar de ser um economista, ele estava permanentemente a conjugar géneros, estilos e especialidades das ciências humanas. À medida que o curso da sua própria vida se cruzou lentamente com o século, ele fez do seu estilo um tipo de rampa para a partir dela nos avisar, sem desistir do humor, dos perigos da sobreespecialização, de estreitar uma visão e de tentação para se apaixonar com a imagem da sua própria destreza técnica e vocabulário e perder de vista a vitalidade de se mover para a frente e para trás entre a prova e o discurso. Ter isto em conta é fundamental para compreender a sua posição relativamente á evidência e á argumentação, razão pela qual para ele a retórica era importante. Ele exemplifica de uma vez só uma disposição que é muito mais latya do que o estuário das nossas ciências sociais; talvez por esta razão ele representa o humanismo das ciências sociais que provavelmente pode estar lentamente a desaparecer”.

Depois de relembrar ideias veiculadas pelas inspirações deste blogue, é então tempo de anotar comparações entre a importância que o Plano Marshall revestiu para a Europa e o agora Regeneration EU, que em boa hora a resposta à pandemia conduziu as lideranças europeias. De facto, o Plano de Recuperação e Resiliência no âmbito do qual o nosso tão discutido e controverso PRR se integra e com o qual deve ser coerente, representa o mais importante estímulo fiscal e económico desde o Plano Marshall e, por isso, é natural que os economistas e os historiadores económicos se concentrem em possíveis lições do passado para o presente, ressalvadas como é óbvio as diferenças de contexto, a saída de uma Grande e devastadora Guerra e a recuperação de uma pandemia.

O gráfico que abre este post é uma peça central da nota do Banco de França assinada por Jean-Baptiste Gossé, Aymeric Schneider and Roger Vicquéry https://blocnotesdeleco.banque-france.fr/en/blog-entry/lessons-marshall-plan-european-recovery-plan) e datada do passado mês de outubro. É muito curiosa a similaridade dos pesos que ambos os planos representam em relação ao PIB americano de 1948 e Europeu de 2020, com algumas diferenças de natureza, ditadas sobretudo pelo diferente peso de subvenções (claramente mais importantes no Plano Marshall) e dos empréstimos (também claramente mais relevantes no Regeneration). Em termos de investimento, medido pela percentagem do PIB, ela é também similar em torno dos 4%. Como os economistas do Banco de França o assinalam, “ambos os planos apresentam, todavia, um objetivo comum que é dual e que consiste em proporcionar estabilização macroeconómica e garantir a renovação do stock de capital através do investimento público”. O Plano Marshall, porém, para além dos méritos generalizadamente apontados de se basear numa condicionalidade bem-adaptada a cada país no contexto do pós-Segunda Guerra Mundial, de ter viabilizado níveis meia elevados de capital humano e melhoria de qualidade de instituições, ter sido temporário e não ter induzido comportamentos de dependência de ajuda, é no meu entender relevante sobretudo na perspetiva de ter representado um passo crucial na direção da integração europeia. Sem a sua ajuda, os heróis e visionários da Europa integrada não teriam tido condições para avançar no seu trabalho inspirador.

Quando nos projetamos no Regeneration EU, o otimismo dos autores da nota quando sublinham que o Plano representará um novo passo na integração europeia parece-me excessivo. É verdade que a ida ao mercado da Comissão Europeia para financiar o Plano e a mudança observação na gestão macroeconómica da pandemia face às opções assumidas na crise das dívidas soberanas quebraram tabus que pareciam insuperáveis. Mas o Regeneration acontece num contexto de grandes interrogações no processo de construção europeia, com as estratégicas económica e política desavindas e a não se potenciarem reciprocamente. Em termos de condicionalidade, são as respostas à transformação digital e à transição energético-climática que serão dominantes e cada país terá de dar corda aos sapatos para não ficar mal na fotografia. Na discussão do PRR nacional esta condicionalidade foi pouco discutida, como se de uma ida ao pote dos fundos simplesmente se tratasse, mas ela não pode ser esquecida. E em matéria de transição energético-climática outros países foram bem mais longe na utilização dos seus PRR, com talvez a Itália de Draghi á cabeça com uma generosa família de apoios para que as famílias entrem decisivamente nessa onda.

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