terça-feira, 9 de novembro de 2021

QUANDO A HISTÓRIA SE TORNA PATÉTICA

 

(Ortega e Rosario Murillo são expressões patéticas de uma história desbotada, adulterando irreversivelmente os valores da Revolução e do combate à tirania, condenando a Nicarágua e o seu povo à mais profunda escuridão. O filão do papão do imperialismo e do colonialismo esgotou-se há muito e deu origem a figuras sinistras que conservam o poder liquidando adversários antes de sufrágios eleitorais, encapsuladas em fortificações bem defendidas. O que pensariam hoje desta gente intelectuais como André Gunder Frank que colocaram a sua obra e a sua vida de intelectuais ao serviço da teorização dos movimentos revolucionários latino-americanos?)

Já não há pachorra para aturar as bolas fora em que se transformaram os argumentos de alguma direita portuguesa que para atacar a esquerda em Portugal se socorrem dos já estafados exemplos dos Ortegas, dos Maduros e outros que tais deste mundo deprimente da política latino-americana. Porque, verdadeiramente, quem se ainda se revê à esquerda nestes personagens e nos seus modelos de combate ao subdesenvolvimento crónico dos seus povos já não está bem da sua cabeça e perdeu completamente o sentido da história e da realidade. Os resquícios de combate ao imperialismo e dependência foram totalmente submergidos por processos estritos de preservação do poder e não há quaisquer sinais que a situação de pobreza e de marginalização de franjas imensas das populações locais esteja a ser minorada. Antes pelo contrário, a pobreza e a dependência mergulharam numa espiral de caráter estrutural, afundando os povos num subdesenvolvimento profundo e apagando quaisquer benefícios que o radicalismo tenha trazido no momento da sua implantação inicial.

O que mais me choca nesta decrépita deriva ideológica de personagens tão patéticos é o profundo desrespeito por valores que estiveram na origem dos movimentos revolucionários que os conduziram ao poder, juntamente com outros personagens históricos de luta comum que, pelo menos no que respeita à Nicarágua, estão hoje presos às ordens do casal Ortega e Murillo. Por mais que o meu amigo Diomar (com quem não falo há tanto tempo) se esforce por estudar o bolivarismo (para quando o resultado final?), mais me apercebo como estes avatares degenerados de revolucionários atraiçoam esses princípios de libertação e de luta contra a dependência e contra a asfixia americana.

E, nestas coisas, há um indicador que a história nos oferece todos os dias. Quanto mais irado, violento e agressivo se torna o discurso mais evidente se torna que estes personagens perderam o pé e estão eles próprios presos na mais pura sobrevivência política e de usufruição do poder. Expressões como “hijos de perra de los imperialistas yanquis” não são mais do que expressões de ódio defensivo, como se gente de bem pudesse aceitar o enquadramento eleitoral que conduziu a nova entronização do casal Ortega e Murillo.

Certamente que André Gunder Frank, falecido em 2005, se sentiria frustrado pela degenerescência de processos que tão bem ajudou a compreender.

E depois de ter descarregado a bílis, o melhor é acabar com um poema de uma Grande Poeta nicaraguense, Ana Ilce Gómez, desaparecida em 2017, que descobri através da espantosa Ana Luísa Amaral no seu “O Som que os Versos Fazem ao Abrir”com Luís Caetano, às quartas-feiras, na Antena 2, antes do almoço e ao fim da tarde:

ARIA

No soy ángel

que preside la vida

ni sabia

ni agorera.

Únicamente

soy una mujer

cálida

intensa 

que en su más apartada

intimidad

cree tener voz

y canta.

Sem comentários:

Enviar um comentário