sábado, 30 de novembro de 2019

LIVRE OU LIVRA?


(Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt)

Não conheço pessoalmente Rui Tavares (RT), embora conheça bastante gente que o conhece. De entre esta, uns apreciam-no (como o meu colega de blogue, que aqui até se confessou seu votante numa determinada ocasião) e outros desvalorizam-no. Esta nunca foi matéria que minimamente me ocupasse o espírito até ter surgido este lamentável episódio da deputada Joacine, com os pontos máximos de mau gosto a provirem do despropositado exibicionismo do assessor e do pedido de escolta policial no Parlamento. Não obstante, começo a tender a considerar RT como o principal culpado de tudo o que está a ocorrer (até pesando a sua experiência e responsabilidade política), em claro desfavor da imagem da esquerda e da ideia de abertura e modernidade que diz pretender promover em relação a causas fraturantes e similares que compõem o seu manifesto programático.

(Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt)

sexta-feira, 29 de novembro de 2019

PARA O FIM-DE-SEMANA (II)



(Será que começo a ficar mergulhado no saudosismo? Duas breves referências para o fim-de-semana carenciados de guelras para nos acomodarmos a tamanha percentagem de humidade, ambas trabalhando ilusoriamente a não erosão do tempo. Imaginem as pontes que pretendo estabelecer: Leonard Cohen, Spielberg e o incrível E.T.)

Comecemos por Cohen. Thanks for the dance é um disco póstumo, estou convencido que marcado por um gigantesco e aturado trabalho de engenharia e de laboratório, produzido pelo seu filho Adam Cohen sobre materiais que Leonard deixara e que são agora retrabalhados com minúcia e profissionalismo.

Já o ouvi repetidas vezes e há uma ambiência que se liberta daquelas notas e palavras enunciadas pelo vozeirão de Cohen que nos reconstrói uma atmosfera de passado que queremos, em vão, reviver como um regresso ao nosso próprio passado de uma época de sonhos, esperanças, em que tudo parecia fácil, à qual a musicalidade e as harmonias de Leonard proporcionavam a identificação ideal. Dá para pensar como é que um trabalho de engenharia de reconstituição e de devolução do passado nos consegue manter num nível de perceções afetivas que estão muito para além da perfeição da tecnologia. O disco é naturalmente um complemento do também recente documentário Marianne e Leonard.

A segunda referência é um produto do marketing televisivo criado pelo canal Xfinity da NBC americana. Trata-se de um pequeno filme publicitário (link aqui) que reúne 37 anos depois o E.T. de Spielberg e o jovem Elliot (Drew Barrymore). Todos recordamos a mítica cena de despedida do E.T. e de Elliot, cena em torno da qual se criou a ideia de que Spielberg poderia regressar com o retomar dessa cena e que o cineasta americano resistiu sempre a concretizar. Essa recusa de Spielberg ajudou a prolongar no tempo a magia daquela cena, que em muitos de nós provocou a pequena lágrima da despedida.

Agora, 37 anos depois, com Elliot adulto e dois filhos que surgem obviamente muito parecidos com o Elliot de então e sua irmã, temos o regresso e o reencontro, revelando em meu entender como foi sábia a decisão de Spielberg de rejeitar segundas edições da magia daquele filme.

Bom fim de semana.

A LIGA EUROPA PARA VIEIRA


Acompanhei daqui de longe as duas últimas noites europeias das equipas portuguesas. Que não terminaram mal de todo, sobretudo após a redescoberta de Aboubakar por Sérgio Conceição (uma tardia inspiração divina?), a confirmação da incomparável dimensão de Bruno Fernandes no seio da equipa sportinguista e sem prejuízo daquela que parece ter sido uma segunda parte de grande nível do Sporting de Braga. Já na véspera, o Benfica empenhou a sua presença na Liga dos Campeões, o que lhe valeu a perda potencial de 19 milhões – não obstante, o vendedor de promessas que é o seu presidente não para e aí está ele a dizer-se focado em “ir longe na Liga Europa”, sendo esta uma matéria que ainda depende de concretizarem uma vitória sobre o Zenit; se esta não vier a acontecer, o homem sempre dirá que esta época só quer mesmo é vencer o campeonato nacional; e assim sucessivamente...

quinta-feira, 28 de novembro de 2019

LIVRARIAS

(Óbidos)

(Todos os amantes adictos de livros, como eu, têm as suas atmosferas livreiras preferidas e tendem a lamentar a morte de mais uma qualquer livraria, sobretudo quando a “falecida” fazia parte dessas nossas atmosferas. Essas lamentações tendem a ser regra geral muito impressivas, já que não temos acesso em Portugal a um registo sistemático de óbitos e nascimentos de livrarias. O  El País de hoje traz-me a surpresa, que já confirmei, de que em Espanha existe um Observatorio de Libreria . Surpreendente.)

Ainda hoje, em Vigo, busquei em vão as memórias de duas livrarias que visitava religiosamente, regra geral em busca de alguns livros de economia, de distribuição mexicana que tinha uma grande tradição de tradução de algumas obras de referência. Já não existem e, regra geral, tendo a cair na Casa del Libro, uma grande livraria ao estilo de algumas grandes unidades inglesas e americanas, embora sem aquela ambiência das cafeterias inseridas na atmosfera livreira. Buscava uma obra recente do historiador galego Ramón Villares, Una Nación entre dos Mundos (Pasado&Presente) e uma coletânea póstuma do meu ídolo Manuel Vásquez Montalbán, La Mirada Inconformista – 40 años de periodismo, plácer, revuelta y humor (Random House). Encontrei. Nem sempre as grandes unidades são funestas.

Entretanto, o El País de hoje alerta-me para uma curiosidade. Em Espanha, elabora-se e publica-se um relatório periódico sobre o estado das livrarias, a cargo de uma iniciativa conjunta da CEGAL (Confederação Espanhola de Grémios e Associações de Livreiros), do Ministério da Cultura Espanhol e da Faculdade de Economia y Empresa da Universidade de Zaragoza, designada de Observatorio de Libreria.

Uma boa iniciativa, com um informe periódico. A onda dos observatórios também terá passado por Espanha mas pelo menos neste caso há resultados. E assim fiquei a saber que, apesar de em Espanha, ser cada vez mais frequente a transformação de muitas livrarias em locais de reunião e de centros de difusão cultural, prossegue o desaparecimento das livrarias mais pequenas e a queda substancial de receitas. O informe relativo a 2019 (link aqui) conclui que cerca de metade das 3. 556 livrarias independentes (foi analisada uma amostra de 1.204) aufere receitas anuais inferiores a 90.000 , valor que os economistas da Universidade de Zaragoza consideram uma espécie de limiar de sobrevivência. Curiosamente, o informe regista que cerca de 11% das vendas de tais livrarias são concretizadas através de serviços internet, numa tentativa de aguentar a pressão Amazon e dos serviços digitais das grandes Casa del Libro, FNAC ou El Corte Inglés.

Os amantes adictos de livros são gente contraditória, preferindo muitas vezes o objeto à atmosfera da pequena dimensão, como hoje o fiz na Casa del Libro, com o fito em dois livros específicos. Mas animo sempre que possível a “minha” livraria de bairro, Velhotes, a 200 metros de minha casa, deixando-me surpreender e valorando o esforço dos responsáveis por se especializar por exemplo em livros infantis (recomendo regra geral o stock muito diversificado), muitas vezes animado por um trabalho regular de mostra expositiva de ilustrações de livros infantis, que são uma excelente maneira de decorar quartos de crianças.

Não é preciso ter o patine de uma Lello no Porto ou de uma Bertrand em Lisboa para se gerar uma atmosfera livreira que convença o amante adicto.

Tenho sempre sobre estas coisas uma perspetiva aberta e pronta a ser surpreendida. Alguém imaginaria que o Vynil resistiria quando já para os meus filhos comprar um CD é assim uma aberração desnecessária?

Para já vou fazendo o que posso para que a Velhotes se aguente, nem que seja com os vouchers dos manuais escolares gratuitos e no início das aulas seja praticamente impossível comprar um livro sobrepondo-se à fila dos encarregados de educação.

BOA SORTE, EM TONS DE VERDE


Foi relativamente rassurante a votação de ontem do novo colégio de comissários europeus no plenário do Parlamento Europeu em Estrasburgo. Sobretudo porque conseguiu juntar uma larguíssima maioria das forças políticas pró-europeias (PPE, S&D e liberais) nos 461 votos contados a favor (bem mais do que tinha conseguido Ursula von der Leyen (UvdL) para a sua designação de julho e também mais do que obtivera Jean-Claude Juncker há cinco anos), dando assim a ideia de um cerrar de fileiras europeísta e democrático que é especialmente de saudar nestes tempos conturbados, desligados e populistas. Mas também porque foi conseguida a não oposição construtiva dos Verdes (sob o pretexto razoável quanto à duvidosa credibilidade de uma estratégia climática sem mudança da política comercial europeia), a principal fatia das 89 abstenções registadas. No tocante aos votos contra, eles vieram, dominantemente e como era previsto, da extrema-direita e da extrema-esquerda (ainda me falta entender o posicionamento europeu do nosso Bloco, mas isso são contas de outro rosário), tendo ascendido a 157.

Em suma: quase dois terços de apoio (65,2% dos votos expressos, que serão 61,4% em relação ao total de 751 eurodeputados ainda regulamentarmente existentes) e mais de três quartos de não rejeição (77,8% dos votos expressos, que serão 73,2% em relação ao total de 751 eurodeputados ainda regulamentarmente existentes) foi um resultado bastante confortável para UvdL e os seus 26 outros comissários que Domingo iniciam funções num quadro tão mais responsabilizante quanto os seus descritores são reconhecidamente muito difíceis e altamente complexos à escala internacional e europeia – ao contrário do relativo otimismo do cartunista (ver abaixo Merkel e Macron como a escolta da presidente UvdL), a evolução próxima futura da União é uma incógnita enorme, agravada pelo abandono de Merkel (que sempre era um esteio) e pela desaustinada vontade de Macron no sentido de deixar uma qualquer impressão digital sua no curso da história (veja-se abaixo o modo como uma recente capa do “El País” o sinaliza), assim como pelas suas crescentes desigualdades internas (frequentemente amplificadas por desorientações e loucuras sem nome e por um coletivo político impreparado e em desagregação). Boa sorte!


(Emilio Giannelli, http://www.corriere.it)

A ATUALIDADE AQUI MAIS PRÓXIMA

(cartoons de Scott Clissold, https://politicalcartoons.com, Peter Schrankhttp://www.economist.com José Manuel Puebla, http://www.abc.es)

Razões de geografia, mas também de relacionamento, levam-nos a atentar com especial interesse no que vai ocorrendo aqui nos nossos vizinhos do lado, nos vizinhos destes e nossos mais tradicionais influencers (culturais e não só) e nos nossos velhos aliados britânicos. Nada de particularmente contestável, pese embora o facto de assim irmos ficando cada vez mais distanciados dos espaços e lugares que contam porque onde o principal acontece – na Europa, a Alemanha em especial, sempre acompanhada dos seus acólitos holandeses, austríacos e escandinavos e dos seus dependentes e nem sempre humildes seguidores a Leste. Pois é neste quadro que, numa fugida visando compromissos mais pessoais – gostosos, sublinhe-se! – e traduzidos numas curtas férias alsacianas, aqui vos deixo as capas e imagens provenientes daquelas paragens que me saltaram mais à vista em leitura aérea: Boris mentiroso e a feira eleitoral em curso, Macron em baixa interna por insensibilidade social mas sempre a esforçar-se por marcar jogo na Europa e Sánchez em apuros para tentar formar um governo que só poderá servir para alimentar a sua teimosa ambição de poder. E Portugal nisto tudo? Talvez possamos ler-nos conduzidos para algures entre uma ligada expectativa quanto ao que virá e o encosto possível em relação a um presumível papel acrescido da França no xadrez europeu – mas esta é uma matéria de que só António Costa está em condições de percecionar os devidos contornos e margens de liberdade.

quarta-feira, 27 de novembro de 2019

MAIS UM OLHAR SOBRE A GALIZA

(Acidente do Blue Star)
(O narco-submarino)


(Com perspetivas de mais um exercício de colaboração com colegas galegos no âmbito de planeamento conjunto para a Euro-região, é tempo de olhar de novo para a região vizinha, não com os olhares do dia-a-dia do meu terraço sobre o Minho e Santa Tecla, mas antes com a perspetiva de quem cresceu profissionalmente com a própria Euro-região. O cruzamento destes olhares, deles sobre nós e o recíproco estou a assumi-lo como uma inventiva metodológica para ir compreendendo as margens de progresso do que pomposamente se chama a Euro-região.)

Nos últimos dias, dois simples acontecimentos, amplamente referenciados na imprensa galega e mais residualmente na portuguesa, reavivaram-me traços estruturais da Galiza, algo que poderia designar de “fado estrutural galego”, tamanhas são as marcas deixadas pelos acontecimentos ou realidades agora sugeridos de novo por outros factos.

O acidente com a embarcação Blue Star e as dificuldades por motivos climáticos de extração do fuel que a mesma transportava trazem de novo à memória a tragédia ambiental do PRESTIGE, cujas indemnizações começaram recente e finalmente a ser pagas. O El País de há dias referia o seguinte: “ O processo judicial para saldar as contas de uma das maiores catástrofes ambientais vividas na Europa deu outro pequeno passo dezassete anos depois. A Audiência Provincial da Corunha decidiu o pagamento da primeira parte das indemnizações devidas pela maré negra do Prestige, uma mínima parte dos mais de 2.500 milhões de euros quantificados para o dano. Trata-se de um total de 51,7 milhões, segundo informou esta terça-feira o Tribunal Superior de Justiça da Galiza, uma quantidade que estava já depositada no órgão judicial e que será distribuída entre os 265 lesados pelo material que contaminou em novembro de 2002 mais de 2.000 quilómetros da costa espanhola e francesa”. É natural que, após experiência tão traumática, um acidente de muito menores proporções e facilmente controlado, tenda a reavivar uma espécie de destino trágico costeiro e atractor de riscos de territórios tão belos e agrestes como são os da costa galega.

Noutro plano e confirmando que não era apenas ficção e criatividade imaginativa, a Galiza foi esta semana surpreendida com a apreensão, mais por avaria do que por intersecção, de um submarino de proporções relativamente elevadas (20 metros de comprido) que transportava cerca de 3.000 kgs de cocaína numa viagem que se pensa ter cruzado o Atlântico, com três encaminhadores (que termo será usado para descrever os tripulantes de narco-submarinos?). O que transportou a Região para a evidência de que o narcotráfico terá entrado já há algum tempo na era do “high-tech”. Pelas notícias publicadas, sabe-se que inequivocamente o “bicho” se destinava ao narco da famigerada Villa de Arousa e, por esta via, mergulhamos numa das marcas estruturais das cidades costeiras galegas, sem embargo dos enormes progressos realizados nos últimos tempos para neutralizar alguns dos expoentes máximos do tráfico e suas disseminações. Sabemos que o Minho transfronteiriço passou também pelas margens deste fenómeno. Algumas moradias eram referenciadas como paradeiro-refúgio de alguns protagonistas em momentos de maior aperto. Uma vez, já lá vai muito tempo, um antigo Presidente da Câmara Municipal de Valença, ex-major da GNR que ainda antes da sua eleição como Presidente alguém que não especificou quis pregar-lhe uma partida convidando-o para um almoço no restaurante-residencial situado no cimo do Monte Faro num dia em que o pequeno hotel estava literalmente preenchido com o staff de um dos grupos mais conhecidos do narco arousano. Quem quiser recordar as profundas incidências e raízes do fenómeno basta ler “Fariña” de Nacho Carretero.


Um outro traço estrutural que nos tempos mais recentes se tem acentuado é o da visão introspetiva que os Galegos alimentam sobre si próprios pelas lentes da comparação com a evolução do Norte de Portugal. É curioso que simultaneamente no Norte se reflete presentemente como explicar que a dinâmica recente da Região, o Norte exportador, não consiga anular o estatuto de região NUTS II mais pobre e com mais baixa produtividade do trabalho do país. O que é significativo é que tal comparação um pouco “maníaco-depressiva” já não resulta apenas do fenómeno da atratividade das inúmeras zonas de acolhimento empresarial no Norte transfronteiriço que vão atraindo empresas galegas, que criam subsidiárias mantendo a sede na Galiza e piscam o olho ao capital galego.


Há dias, na VOZ DE GALICIA, a jornalista Cristina Porteiro não hesita em inscrever o continuado declínio competitivo da economia galega, medido pelo índice de competitividade da Comissão Europeia num processo que tem, segundo a jornalista, o declínio demográfico e a crise industrial como fatores aceleradores, mas que ela compara com os ganhos de competitividade do Norte depois de 2016. O Norte tem-se transformado, penso que por uma reação muito pouco alinhada com as implicações da economia global e do mercado único europeu, numa lente aferidora da introspeção galega, veiculando uma perspetiva do Norte que é bem lisonjeira e que ignora as vulnerabilidades estruturais que a economia nortenha ainda apresenta. Creio que esta perspetiva não reúne ainda um protagonismo generalizado entre a inteligência galega e as estruturas políticas regionais, mas ela não é em si muito promissora do ponto de vista da geração de perspetivas comuns, capazes de contrariar a força das macrorregiões que penalizam como é óbvio os territórios periféricos.

Uma excelente matéria para charlas com os meus amigos galegos.