quarta-feira, 6 de novembro de 2019

(RE) QUALIFICAR PARA COMPETIR



(A convite da AEP estive hoje de manhã na sala do Conselho daquela associação em Leça da Palmeira num workshop destinado a recolher material de discussão e de testemunho para uma conferência pública a realizar com o objetivo de marcar o tema da requalificação profissional na agenda política. Sob o comando do estimável Engº José António Barros e do ex-Reitor da UP Professor Sebastião Feyo de Azevedo esgrimi ideias com a Professora Isabel Braga da Cruz responsável pelo Centro Regional do Porto da Universidade Católica, Professora Ana Côrte-Real Diretora da Business School da Católica, Isabel Meireles da EGOR, o Dr. António Pego da AEP e o Professor Hélder Vasconcelos da Faculdade de Economia do Porto e atualmente Diretor da UPTEC)

A ambição do debate era enorme, o que pode ser ilustrado pelos cinco temas propostos à discussão e sobre os quais os convidados tinham liberdade de optar por uma abordagem mais seletiva ou mais extensiva cobrindo a sua generalidade na perspetiva das organizações:

  • O Sistema de Educação e Formação consegue responder às necessidades das empresas / organizações (em qualidade e em quantidade)? Quais as principais lacunas encontradas?

  • Qual o impacto do desenvolvimento tecnológico (automação / indústria 4.0 / …) na evolução das profissões (emergentes e em declínio) e respetivas competências?

  • Como adaptar os modelos de negócio face às novas gerações (Y, Z, …)?

  • Quais os novos desafios no relacionamento das empresas / organizações com a Academia?

  • Como devem as empresas conciliar a entrada das novas gerações com os trabalhadores mais velhos (devido ao prolongamento da idade de reforma)? 

O posicionamento que a AEP pretende assumir nesta matéria parte da evidência/avaliação de que os problemas de qualificação da população ativa portuguesa continuam a penalizar o produto potencial da economia portuguesa e a traduzir-se em gaps de produtividade e, consequentemente, de competitividade. Nas palavras iniciais de José António Barros que introduziram o debate e foram antecâmara das nossas intervenções senti o regresso de algum pessimismo, inclusivamente sobre o que de novo terá acontecido nestes últimos anos em termos de capacitação empresarial. Com referências a alguns problemas conjunturais nas indústrias têxtil e do calçado e à concentração do potencial de exportação nacional num conjunto relativamente reduzido de empresas, o pessimismo de JAB surpreendeu-me em parte, sobretudo do ponto de vista de alguém que tem uma presença relevante na própria AEP e no movimento associativo em geral.

Fiel às minhas convicções sobre estas matérias das qualificações e competência, comecei por introduzir a minha preocupação sobre a necessidade de ser concretizado um maior equilíbrio entre os desígnios nacionais de valorizar a formação inicial de jovens e de requalificar ativos empregados, segundo a minha reiterada metáfora de equilíbrio entre stocks (combatendo a inércia das baixas qualificações) e fluxos (valorizando as capacidades dos jovens para a empregabilidade). Neste último período de programação que corre ainda, as políticas enviesaram-se para a formação inicial e desvalorizaram excessivamente a formação de ativos. A mensagem passou, até porque tenho um aliado neste tipo de ideias no Dr. António Pego da AEP, que sente essa desvalorização a um nível de maior proximidade da formação.

Após esta introdução-recado, discuti sobretudo o primeiro tema. Por mais afinação que consigamos imprimir entre a oferta de qualificações pelos sistemas educativo e de formação e a procura de competências e profissionais pelas empresas, o matching nunca será perfeito. As empresas procuram competências para as trabalhar em contextos reais de trabalho gerando profissionais competentes e os sistemas educativo e de formação, por mais que se aproxime da simulação de contextos de trabalho formam qualificações e até podem formar para as competências. Mas como diz brilhantemente o meu amigo Guy Le Boterf, ter e adquirir competências não significa necessariamente que sejamos competentes em práticas profissionais reais.

Hoje, grassa por aí uma deriva analítica de decompor as competências em famílias de competências cada vez mais declinadas, multiplicando o que Le Boterf chama de listas de competências. Ora, enquanto os sistemas educativo e de formação e os analistas declinam e seccionam famílias de competências, procurando por essa via enriquecer os processos educativos e de formação, os gestores de proximidade e empresários falam cada vez mais que necessitam de profissionais que saibam trabalhar. O saber trabalhar, o ser um profissional competente, não resulta de facto de uma adição de competências, ou seja, quanto mais adquirirmos melhor. Brilhantemente. Le Boterf fala de competência como combinatória de recursos, os saberes ou conhecimentos, os saberes-fazer e os saber-estar ou agir. É necessário saber combinar esses ingredientes e os franceses têm uma expressão que diz tudo – SAVOIR Y FAIRE. Há instituições dos sistemas educativos que se concentram nos saberes-conhecimentos e outras especializam-se nos saberes-fazer. Hoje em dia, atravessamos a moda dos saberes-estar ou agir, que se espraia pelas competências comportamentais, soft skills para alguns e competências transversais para outros.

Defendo já há algum tempo que as instituições de educação e formação privilegiam tempos letivos (de formação) excessivos, reduzindo os tempos, oportunidades e condições de trabalho para a auto-formação a mínimos incomportáveis com os tempos de hoje e com a capacidade essencial de aprender a aprender e a motivar-se para aprender. Aliás, sempre defendi que uma instituição universitária ou politécnica, uma escola secundária ou profissional ou um centro de formação não é pelo curriculum de estudos ou de matérias de formação que formarão para as competências transversais. É pelo seu funcionamento como organizações, abertas à sociedade e às empresas ou fechadas em si próprias, pelos espaços de iniciativa e de criatividade que abrem e suscitam junto de alunos e formandos, que uma instituição desse tipo socializa esse tipo de competências. Como dizia hoje o Professor Hélder Vasconcelos há uma deriva moderna para a história do jovem escuteiro que queria ajudar uma velhinha a atravessa uma rua que ela não queria atravessar. É a deriva dos programas de liderança como se todo aluno ou formando tivesse nascido para liderar. Santa ingenuidade, a maioria tem de aprender a ser liderado. Os sistemas têm uma capacidade infinita de geração de vulgatas a partir de ideias relevantes. É esse o mundo das soft skills. Não esquecer que antes dessas competências transversais há traços de personalidade. Ou seja, há traços que a formação não consegue influenciar.

E por hoje é tudo.

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