(A convite da AEP estive
hoje de manhã na sala do Conselho daquela associação em Leça da Palmeira num workshop
destinado a recolher material de discussão e de testemunho para uma conferência
pública a realizar com o objetivo de marcar o tema da requalificação profissional
na agenda política. Sob o comando do estimável Engº José António Barros e do
ex-Reitor da UP Professor Sebastião Feyo de Azevedo esgrimi ideias com a
Professora Isabel Braga da Cruz responsável pelo Centro Regional do Porto da
Universidade Católica, Professora Ana Côrte-Real Diretora da Business School da
Católica, Isabel Meireles da EGOR, o Dr. António Pego da AEP e o Professor Hélder
Vasconcelos da Faculdade de Economia do Porto e atualmente Diretor da UPTEC)
A ambição do debate era enorme, o que pode ser ilustrado
pelos cinco temas propostos à discussão e sobre os quais os convidados tinham
liberdade de optar por uma abordagem mais seletiva ou mais extensiva cobrindo a
sua generalidade na perspetiva das organizações:
- O Sistema de Educação e Formação consegue responder às necessidades das empresas / organizações (em qualidade e em quantidade)? Quais as principais lacunas encontradas?
- Qual o impacto do desenvolvimento tecnológico (automação / indústria 4.0 / …) na evolução das profissões (emergentes e em declínio) e respetivas competências?
- Como adaptar os modelos de negócio face às novas gerações (Y, Z, …)?
- Quais os novos desafios no relacionamento das empresas / organizações com a Academia?
- Como devem as empresas conciliar a entrada das novas gerações com os trabalhadores mais velhos (devido ao prolongamento da idade de reforma)?
O posicionamento que a AEP pretende assumir nesta matéria
parte da evidência/avaliação de que os problemas de qualificação da população
ativa portuguesa continuam a penalizar o produto potencial da economia portuguesa
e a traduzir-se em gaps de produtividade e, consequentemente, de
competitividade. Nas palavras iniciais de José António Barros que introduziram
o debate e foram antecâmara das nossas intervenções senti o regresso de algum
pessimismo, inclusivamente sobre o que de novo terá acontecido nestes últimos
anos em termos de capacitação empresarial. Com referências a alguns problemas conjunturais
nas indústrias têxtil e do calçado e à concentração do potencial de exportação
nacional num conjunto relativamente reduzido de empresas, o pessimismo de JAB
surpreendeu-me em parte, sobretudo do ponto de vista de alguém que tem uma
presença relevante na própria AEP e no movimento associativo em geral.
Fiel às minhas convicções sobre estas matérias das qualificações
e competência, comecei por introduzir a minha preocupação sobre a necessidade
de ser concretizado um maior equilíbrio entre os desígnios nacionais de valorizar
a formação inicial de jovens e de requalificar ativos empregados, segundo a
minha reiterada metáfora de equilíbrio entre stocks (combatendo a inércia das baixas qualificações) e fluxos (valorizando
as capacidades dos jovens para a empregabilidade). Neste último período de
programação que corre ainda, as políticas enviesaram-se para a formação inicial
e desvalorizaram excessivamente a formação de ativos. A mensagem passou, até
porque tenho um aliado neste tipo de ideias no Dr. António Pego da AEP, que
sente essa desvalorização a um nível de maior proximidade da formação.
Após esta introdução-recado, discuti sobretudo o primeiro
tema. Por mais afinação que consigamos imprimir entre a oferta de qualificações
pelos sistemas educativo e de formação e a procura de competências e profissionais
pelas empresas, o matching nunca será
perfeito. As empresas procuram competências para as trabalhar em contextos
reais de trabalho gerando profissionais competentes e os sistemas educativo e
de formação, por mais que se aproxime da simulação de contextos de trabalho
formam qualificações e até podem formar para as competências. Mas como diz
brilhantemente o meu amigo Guy Le Boterf, ter e adquirir competências não
significa necessariamente que sejamos competentes em práticas profissionais
reais.
Hoje, grassa por aí uma deriva analítica de decompor as
competências em famílias de competências cada vez mais declinadas, multiplicando
o que Le Boterf chama de listas de competências. Ora, enquanto os sistemas
educativo e de formação e os analistas declinam e seccionam famílias de competências,
procurando por essa via enriquecer os processos educativos e de formação, os
gestores de proximidade e empresários falam cada vez mais que necessitam de
profissionais que saibam trabalhar. O saber trabalhar, o ser um profissional
competente, não resulta de facto de uma adição de competências, ou seja, quanto
mais adquirirmos melhor. Brilhantemente. Le Boterf fala de competência como
combinatória de recursos, os saberes ou conhecimentos, os saberes-fazer e os
saber-estar ou agir. É necessário saber combinar esses ingredientes e os
franceses têm uma expressão que diz tudo – SAVOIR Y FAIRE. Há instituições dos
sistemas educativos que se concentram nos saberes-conhecimentos e outras especializam-se
nos saberes-fazer. Hoje em dia, atravessamos a moda dos saberes-estar ou agir,
que se espraia pelas competências comportamentais, soft skills para alguns e competências transversais para outros.
Defendo já há algum tempo que as instituições de educação
e formação privilegiam tempos letivos (de formação) excessivos, reduzindo os
tempos, oportunidades e condições de trabalho para a auto-formação a mínimos
incomportáveis com os tempos de hoje e com a capacidade essencial de aprender a
aprender e a motivar-se para aprender. Aliás, sempre defendi que uma instituição
universitária ou politécnica, uma escola secundária ou profissional ou um
centro de formação não é pelo curriculum de estudos ou de matérias de formação
que formarão para as competências transversais. É pelo seu funcionamento como
organizações, abertas à sociedade e às empresas ou fechadas em si próprias,
pelos espaços de iniciativa e de criatividade que abrem e suscitam junto de alunos
e formandos, que uma instituição desse tipo socializa esse tipo de competências.
Como dizia hoje o Professor Hélder Vasconcelos há uma deriva moderna para a história
do jovem escuteiro que queria ajudar uma velhinha a atravessa uma rua que ela não
queria atravessar. É a deriva dos programas de liderança como se todo aluno ou
formando tivesse nascido para liderar. Santa ingenuidade, a maioria tem de aprender
a ser liderado. Os sistemas têm uma capacidade infinita de geração de vulgatas
a partir de ideias relevantes. É esse o mundo das soft skills. Não esquecer que antes dessas competências transversais
há traços de personalidade. Ou seja, há traços que a formação não consegue influenciar.
E por hoje é tudo.
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