terça-feira, 5 de novembro de 2019

VOTO TÁTICO



(O caldeirão do BREXIT continua em desregrada ebulição, só não sendo ainda claro quem será o João Ratão que nele cairá. As eleições gerais que se aproximam trazem-nos uma realidade que para nós é uma fantasia, mas que na situação atual em que os britânicos se encontram será decisiva, merecendo por isso acompanhamento atento neste blogue.)

As piruetas sofisticadas a que o “jongleur” Boris nos tem habituado conseguiram algo de espantoso, que há poucas semanas acharíamos, e com razão, inverosímil. O primeiro-Ministro não eleito Johnson conseguiu um acordo que equivale na prática ao que Theresa May considerou inaceitável para qualquer primeiro-Ministro no Reino Unido. Na prática, corresponde à primeira proposta da União Europeia. No fim de contas, o tão discutido “back stop” acabou por se transformar no acordo aceite por Johnson, com a Irlanda do Norte a manter-se na união aduaneira e no mercado único. Tudo isto não parece rocambolesco, é efetivamente rocambolesco. Podemos interpretar esta guinada de Boris Johnson como o resultado da perceção de que em ambiente de eleições gerais, a questão Irlanda do Norte pouco contará e que não interferirá no seu objetivo último de tentar ganhar as eleições gerais e ganhar com isso fôlego e poder negocial para os arranjos finais com a União Europeia. Os representantes desta última não esconderam obviamente a sua satisfação pela recetividade de última hora de Boris Johnson ao prescrito para a Irlanda do Norte.

Confusos? Eu também e tenho lido muita coisa sobre o assunto.

A realização de eleições gerais em pleno processo de prolongamento do pedido de saída da União Europeia vem baralhar e de que maneira a antecipação de resultados. A razão está muito para além dos resultados da sondagem de 23 de outubro que abre este post. Olhando para esses resultados, aparentemente os Conservadores teriam a vitória assegurada, na sequência de ganhos eleitorais recentes e das perdas que o Labour vem apresentando para os LIB DEM. Mas o problema é que as eleições gerais vão ser atravessadas pela clivagem entre o REMAIN e o LEAVE e não é só a existência de um partido dos BREXITERS mais duro que irá complicar a situação. Por exemplo, entre as hostes do Labour, há entre as populações mais jovens, mais urbanas e qualificadas um predomínio dos REMAINERS. Em contrapartida, entre o Labour mais velho e da “pesada” o LEAVE predomina. O mesmo poderá dizer-se dos Conservadores que são também atravessados por essa clivagem. O LIB DEM parece ser o menos impactado por esse conflito. No sistema eleitoral britânico, em que o lugar no Parlamento é conquistado em cada circunscrição pela vitória do candidato mais votado nem que seja por mais um voto apenas, compreende-se que o voto tático pode baralhar totalmente resultados. Se o pensamento dominante for não o de promover uma dada formação política mas votar em função do confronto entre o LEAVE e o REMAIN poderemos assistir a resultados surpreendentes. Isso pode favorecer o LIB DEM mas não é seguro.

Mas há uma moral em torno de toda esta bagunça que uns iluminados saudosos do poder imperial britânico têm vindo a provocar num posicionamento de negação que ficará para a história democrática do Reino Unido como uma estupidez monstruosa. A moral é simples: não se pode remediar o resultado de um referendo precipitado com eleições gerais.

Aqueles que pensavam que o exemplo britânico do BREXIT era o que a crítica às instituições e diretórios europeus necessitava como exemplo de prática correta ainda pensarão dessa maneira? Em caso afirmativo, também eles estarão em puro estado de negação. Que fiquem bem.

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