segunda-feira, 25 de novembro de 2019

A VELHA ESQUERDA DE CORBYN

(Mainly Macro, link aqui)


(De partida para Lisboa para apresentar um penoso (não pelo tema, mas pelas dificuldades de informação encontradas) trabalho de dois anos, a avaliação da implementação das estratégias nacional e regionais de especialização inteligente, pouco tempo para grandes desenvolvimentos de pensamento enquanto não me liberto de tal peso. Tempo por isso apenas para um breve comentário sobre o programa eleitoral de Corbyn .)

Jeremy Corbyn não é propriamente a figura mais empática deste mundo. Apesar disso e não obstante algum entusiasmo que suscitou quando se perfilou como novo líder dos trabalhistas em contraponto ao estado lastimoso a que as experiências de Blair e seus seguidores conduziram o Labour, Corbyn pertence a um tempo da política que só os mais entrincheirados sindicalistas hoje reconhecem existir. A sua posição titubeante sobre o BREXIT (estou convencido que ele prefere a saída a permanecer na União) e, nos tempos mais recentes, o modo infantil como se deixou envolver no antisemitismo do Labour nunca totalmente desmentido colocam-no longe da esperança que alguma esquerda europeia já viu na esquerda britânica.

Por isso, é bem natural que a sua falta de empatia com um eleitorado de mudança se confunda com interpretações viciadas e até falsas do programa que propõe para governar o Reino Unido, acaso a corrente para expulsar Boris Johnson do palco político fosse mais forte, que efetivamente não é.

Um exemplo dessa ausência de rigor nessa interpretação é a ardilosa comparação que a imprensa britânica (neste caso a Sky News) do programa de despesa pública proposto pelos Conservadores de Johnson com o que é proposto pelos Trabalhistas de Corbyn. Essa comparação situa-se no rácio de 1 para 28 Libras, ou seja, para cada libra de despesa pública requerido pelo programa de Johnson correspondem 28 libras de despesa proposta por Corbyn.

No Mainly Macro, Simon Wren-Lewis procura desmontar essa interpretação, não com a preocupação de escamotear que o programa de Corbyn é mais “despesista”, mas para situar tal confronto em termos bem mais rigorosos e por isso conduzindo a rácios bem mais baixos.

A figura que abre este post é bem ilustrativa do tipo de argumentação que Wren-Lewis nos propõe. O peso do Estado no Reino Unido foi nos tempos de Cameron-Osborne colocado em níveis inaceitavelmente baixos para as responsabilidades públicas do Governo britânico que tem raciocinado, por exemplo, como se não existisse um sistema público de saúde para ser respeitado e financiado (lá no fundo os conservadores desejariam um sistema similar ao americano sem Medicare). Ou como se a política pública de habitação não existisse. Ou como se as infraestruturas públicas não necessitassem de manutenção ou de reforço em função dos riscos que devem cobrir (vejam as calamitosas repercussões de cheias no Reino Unido em parte resultantes do desleixo a que o investimento público foi votado). Tudo isto por força de políticas de austeridade meramente ideológicas e de classe e nem por sombras por problemas de financiamento que o Reino Unido nunca enfrentou (estou convencido que o novo filme de Ken Loach, que ainda não vi, representará uma parte dessa tragédia).

O que Wren-Lewis nos diz é que o programa de Corbyn pode ter seguramente incongruências, mas se o Reino Unido estivesse em termos de peso do Estado próximo da OCDE, já não se justificaria o espanto do rácio 1 libra para 28 libras. Como é que isso se financia é outra conversa e o velho Corbyn obviamente deposita essa função na punção fiscal das empresas e dos mais ricos, não ignorando o poderoso aumento de procura global que poderá assegurar recitas adicionais.

Toda esta matéria é passível de debate eleitoral e não é certo que as ideias de Corbyn captem a atenção do eleitorado garantindo-lhe a vitória. Mas para um debate sério não podemos ignorar o contexto em que a desproporção das propostas de despesa pública necessita de ser interpretado. Se a renovação da esquerda está para além do tempo de Corbyn isso é outra conversa para outros posts, embora disso esteja convencido.

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