quarta-feira, 20 de novembro de 2019

LATIN’AMERICA

(Bernardo Erlich, http://www.clarin.com)

(Bernardo Erlich, http://www.clarin.com)

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, assim adaptou a palavra de Camões e nos cantou, em 1971 e a partir de Paris, o grande José Mário Branco – uma voz que se calou ontem em mais uma demonstração cabal de que os melhores desaparecem, em regra, mais cedo. Uma lástima a que não quero deixar de aqui aludir ao jeito de sentida homenagem a alguém que marcou pela importância da obra que construiu e pela coerência dos princípios que nunca largou!

Viro a página para ilustrar quanto a mudança dos tempos e até de algumas vontades pode não determinar qualquer mudança ou, se quisermos, pode apenas provocar mudanças precárias porque cíclicas e estruturalmente desgovernadas. Refiro-me ao caso da América Latina, um continente que a letra da velha canção dos “Jáfumega” (Carlos Tê, 1982) focava numa perspetiva de denúncia das ditaduras (“do Paraguai a Porto Rico / Salvador às Honduras / da Bolívia à Guatemala / Argentina ao Chile”) mas que se nos revela, tantos anos depois, identicamente paralisado em democracia (mais ou menos musculada, diga-se).

De facto, a América Latina é um continente tão diverso e cheio de particularidades quanto ostentador de décadas, apenas intervaladas a espaços (destaque para o saudoso modelo de substituição de importações que tanto estudei e lecionei na FEP sob a batuta do António Figueiredo), de tendencial indefinição, estagnação ou retrocesso – sublinhe-se que o Chile, agora a braços com uma revolta social grave, surge como um dos países mais exemplares disso mesmo: de Allende a Pinochet, do socialismo democrático ao liberalismo selvagem, do milagre económico mundialmente elogiado à perda de eficácia e velocidade referencial no quadro de uma oscilação inconsequente entre Michelle Bachelet e Sebastián Piñera.

Vejam-se ainda os gráficos abaixo, bem ilustrativos da persistência genérica de indicadores frágeis de desenvolvimento naquelas paragens (PIB per capita e níveis de pobreza, nomeadamente). Não é de estranhar, neste quadro, que já se fale, com inteira propriedade, de uma “segunda década perdida” à vista...


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