quarta-feira, 27 de novembro de 2019

MAIS UM OLHAR SOBRE A GALIZA

(Acidente do Blue Star)
(O narco-submarino)


(Com perspetivas de mais um exercício de colaboração com colegas galegos no âmbito de planeamento conjunto para a Euro-região, é tempo de olhar de novo para a região vizinha, não com os olhares do dia-a-dia do meu terraço sobre o Minho e Santa Tecla, mas antes com a perspetiva de quem cresceu profissionalmente com a própria Euro-região. O cruzamento destes olhares, deles sobre nós e o recíproco estou a assumi-lo como uma inventiva metodológica para ir compreendendo as margens de progresso do que pomposamente se chama a Euro-região.)

Nos últimos dias, dois simples acontecimentos, amplamente referenciados na imprensa galega e mais residualmente na portuguesa, reavivaram-me traços estruturais da Galiza, algo que poderia designar de “fado estrutural galego”, tamanhas são as marcas deixadas pelos acontecimentos ou realidades agora sugeridos de novo por outros factos.

O acidente com a embarcação Blue Star e as dificuldades por motivos climáticos de extração do fuel que a mesma transportava trazem de novo à memória a tragédia ambiental do PRESTIGE, cujas indemnizações começaram recente e finalmente a ser pagas. O El País de há dias referia o seguinte: “ O processo judicial para saldar as contas de uma das maiores catástrofes ambientais vividas na Europa deu outro pequeno passo dezassete anos depois. A Audiência Provincial da Corunha decidiu o pagamento da primeira parte das indemnizações devidas pela maré negra do Prestige, uma mínima parte dos mais de 2.500 milhões de euros quantificados para o dano. Trata-se de um total de 51,7 milhões, segundo informou esta terça-feira o Tribunal Superior de Justiça da Galiza, uma quantidade que estava já depositada no órgão judicial e que será distribuída entre os 265 lesados pelo material que contaminou em novembro de 2002 mais de 2.000 quilómetros da costa espanhola e francesa”. É natural que, após experiência tão traumática, um acidente de muito menores proporções e facilmente controlado, tenda a reavivar uma espécie de destino trágico costeiro e atractor de riscos de territórios tão belos e agrestes como são os da costa galega.

Noutro plano e confirmando que não era apenas ficção e criatividade imaginativa, a Galiza foi esta semana surpreendida com a apreensão, mais por avaria do que por intersecção, de um submarino de proporções relativamente elevadas (20 metros de comprido) que transportava cerca de 3.000 kgs de cocaína numa viagem que se pensa ter cruzado o Atlântico, com três encaminhadores (que termo será usado para descrever os tripulantes de narco-submarinos?). O que transportou a Região para a evidência de que o narcotráfico terá entrado já há algum tempo na era do “high-tech”. Pelas notícias publicadas, sabe-se que inequivocamente o “bicho” se destinava ao narco da famigerada Villa de Arousa e, por esta via, mergulhamos numa das marcas estruturais das cidades costeiras galegas, sem embargo dos enormes progressos realizados nos últimos tempos para neutralizar alguns dos expoentes máximos do tráfico e suas disseminações. Sabemos que o Minho transfronteiriço passou também pelas margens deste fenómeno. Algumas moradias eram referenciadas como paradeiro-refúgio de alguns protagonistas em momentos de maior aperto. Uma vez, já lá vai muito tempo, um antigo Presidente da Câmara Municipal de Valença, ex-major da GNR que ainda antes da sua eleição como Presidente alguém que não especificou quis pregar-lhe uma partida convidando-o para um almoço no restaurante-residencial situado no cimo do Monte Faro num dia em que o pequeno hotel estava literalmente preenchido com o staff de um dos grupos mais conhecidos do narco arousano. Quem quiser recordar as profundas incidências e raízes do fenómeno basta ler “Fariña” de Nacho Carretero.


Um outro traço estrutural que nos tempos mais recentes se tem acentuado é o da visão introspetiva que os Galegos alimentam sobre si próprios pelas lentes da comparação com a evolução do Norte de Portugal. É curioso que simultaneamente no Norte se reflete presentemente como explicar que a dinâmica recente da Região, o Norte exportador, não consiga anular o estatuto de região NUTS II mais pobre e com mais baixa produtividade do trabalho do país. O que é significativo é que tal comparação um pouco “maníaco-depressiva” já não resulta apenas do fenómeno da atratividade das inúmeras zonas de acolhimento empresarial no Norte transfronteiriço que vão atraindo empresas galegas, que criam subsidiárias mantendo a sede na Galiza e piscam o olho ao capital galego.


Há dias, na VOZ DE GALICIA, a jornalista Cristina Porteiro não hesita em inscrever o continuado declínio competitivo da economia galega, medido pelo índice de competitividade da Comissão Europeia num processo que tem, segundo a jornalista, o declínio demográfico e a crise industrial como fatores aceleradores, mas que ela compara com os ganhos de competitividade do Norte depois de 2016. O Norte tem-se transformado, penso que por uma reação muito pouco alinhada com as implicações da economia global e do mercado único europeu, numa lente aferidora da introspeção galega, veiculando uma perspetiva do Norte que é bem lisonjeira e que ignora as vulnerabilidades estruturais que a economia nortenha ainda apresenta. Creio que esta perspetiva não reúne ainda um protagonismo generalizado entre a inteligência galega e as estruturas políticas regionais, mas ela não é em si muito promissora do ponto de vista da geração de perspetivas comuns, capazes de contrariar a força das macrorregiões que penalizam como é óbvio os territórios periféricos.

Uma excelente matéria para charlas com os meus amigos galegos.

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