(Acidente do Blue Star)
(O narco-submarino)
(Com perspetivas de mais um exercício de colaboração com colegas galegos no
âmbito de planeamento conjunto para a Euro-região, é tempo de olhar de novo
para a região vizinha, não com os olhares do dia-a-dia do meu terraço sobre o
Minho e Santa Tecla, mas antes com a perspetiva de quem cresceu
profissionalmente com a própria Euro-região. O cruzamento destes olhares, deles sobre nós e o
recíproco estou a assumi-lo como uma inventiva metodológica para ir
compreendendo as margens de progresso do que pomposamente se chama a
Euro-região.)
Nos últimos dias, dois simples
acontecimentos, amplamente referenciados na imprensa galega e mais
residualmente na portuguesa, reavivaram-me traços estruturais da Galiza, algo
que poderia designar de “fado estrutural galego”, tamanhas são as marcas
deixadas pelos acontecimentos ou realidades agora sugeridos de novo por outros
factos.
O acidente com a embarcação Blue Star e as
dificuldades por motivos climáticos de extração do fuel que a mesma transportava trazem de novo à memória a tragédia
ambiental do PRESTIGE, cujas indemnizações começaram recente e finalmente a ser
pagas. O El País de há dias referia o seguinte: “ O processo judicial para saldar as contas de uma das maiores catástrofes ambientais
vividas na Europa deu outro pequeno passo dezassete anos depois. A Audiência
Provincial da Corunha decidiu o pagamento da primeira parte das indemnizações
devidas pela maré negra do Prestige, uma mínima parte dos mais de 2.500 milhões
de euros quantificados para o dano. Trata-se de um total de 51,7 milhões,
segundo informou esta terça-feira o Tribunal Superior de Justiça da Galiza, uma
quantidade que estava já depositada no órgão judicial e que será distribuída
entre os 265 lesados pelo material que contaminou em novembro de 2002 mais de
2.000 quilómetros da costa espanhola e francesa”. É natural
que, após experiência tão traumática, um acidente de muito menores proporções e
facilmente controlado, tenda a reavivar uma espécie de destino trágico costeiro
e atractor de riscos de territórios tão belos e agrestes como são os da costa
galega.
Noutro plano e confirmando que não era apenas
ficção e criatividade imaginativa, a Galiza foi esta semana surpreendida com a
apreensão, mais por avaria do que por intersecção, de um submarino de proporções
relativamente elevadas (20 metros de comprido) que transportava cerca de 3.000
kgs de cocaína numa viagem que se pensa ter cruzado o Atlântico, com três encaminhadores
(que termo será usado para descrever os tripulantes de narco-submarinos?). O
que transportou a Região para a evidência de que o narcotráfico terá entrado já
há algum tempo na era do “high-tech”.
Pelas notícias publicadas, sabe-se que inequivocamente o “bicho” se destinava ao
narco da famigerada Villa de Arousa e, por esta via, mergulhamos numa das
marcas estruturais das cidades costeiras galegas, sem embargo dos enormes
progressos realizados nos últimos tempos para neutralizar alguns dos expoentes
máximos do tráfico e suas disseminações. Sabemos que o Minho transfronteiriço
passou também pelas margens deste fenómeno. Algumas moradias eram referenciadas
como paradeiro-refúgio de alguns protagonistas em momentos de maior aperto. Uma
vez, já lá vai muito tempo, um antigo Presidente da Câmara Municipal de Valença,
ex-major da GNR que ainda antes da sua eleição como Presidente alguém que não
especificou quis pregar-lhe uma partida convidando-o para um almoço no restaurante-residencial
situado no cimo do Monte Faro num dia em que o pequeno hotel estava literalmente
preenchido com o staff de um dos
grupos mais conhecidos do narco arousano. Quem quiser recordar as profundas incidências
e raízes do fenómeno basta ler “Fariña” de Nacho Carretero.
Um outro traço estrutural que nos tempos mais
recentes se tem acentuado é o da visão introspetiva que os Galegos alimentam
sobre si próprios pelas lentes da comparação com a evolução do Norte de
Portugal. É curioso que simultaneamente no Norte se reflete presentemente como explicar
que a dinâmica recente da Região, o Norte exportador, não consiga anular o
estatuto de região NUTS II mais pobre e com mais baixa produtividade do trabalho
do país. O que é significativo é que tal comparação um pouco “maníaco-depressiva”
já não resulta apenas do fenómeno da atratividade das inúmeras zonas de
acolhimento empresarial no Norte transfronteiriço que vão atraindo empresas
galegas, que criam subsidiárias mantendo a sede na Galiza e piscam o olho ao
capital galego.
Há dias, na VOZ DE GALICIA, a jornalista
Cristina Porteiro não hesita em inscrever o continuado declínio competitivo da
economia galega, medido pelo índice de competitividade da Comissão Europeia num
processo que tem, segundo a jornalista, o declínio demográfico e a crise
industrial como fatores aceleradores, mas que ela compara com os ganhos de
competitividade do Norte depois de 2016. O Norte tem-se transformado, penso que
por uma reação muito pouco alinhada com as implicações da economia global e do
mercado único europeu, numa lente aferidora da introspeção galega, veiculando uma
perspetiva do Norte que é bem lisonjeira e que ignora as vulnerabilidades
estruturais que a economia nortenha ainda apresenta. Creio que esta perspetiva
não reúne ainda um protagonismo generalizado entre a inteligência galega e as estruturas
políticas regionais, mas ela não é em si muito promissora do ponto de vista da
geração de perspetivas comuns, capazes de contrariar a força das macrorregiões que
penalizam como é óbvio os territórios periféricos.
Uma excelente matéria para charlas com os
meus amigos galegos.
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