(Depois de um pequeno
interregno determinado por lazer por terras do Ribatejo, regresso à vaca fria
da situação política espanhola, cada vez mais convencido que o impasse
coletivo, democrático sem deixar de ser impasse, vai acabar por dar para o
torto. E sobretudo a convicção de que não existem em Espanha
lideranças políticas à altura do lio em que a Espanha política se encontra)
Mais por deferência com amigos de sempre do que por
preferências pessoais arreigadas, lá me aventurei por terras do Ribatejo para
vivenciar a festa do Cavalo na Golegã a partir de Santarém. Confesso que tenho
congenitamente uma grande dificuldade em me identificar com estas manifestações
culturais de grande genuinidade e muito identificadas com territórios que não
são inequivocamente a minha praia. Compreendo-as, imagino que representem para
o seu universo de influência uma marca fortemente identitária, mas tenho algum
pudor em partilhar entusiasmo e admiração por algo que não pertence aos meus
referentes territoriais.
A irritante chuva que nos tem acompanhado nos últimos
dias já longos complicou ainda mais a questão, pois manifestamente o evento da
Golegã está preparado infraestruturalmente para dias mais aprazíveis
climaticamente e não para gerir uma multidão de guarda-chuvas. As abertas da
manhã de sábado deram ainda para contemplar alguns animais de uma beleza e
altivez verdadeiramente notáveis, seguir com os olhos algumas amazonas mais
exuberantes, registar ainda algumas famílias alargadas que conservam o prazer
de montar e de exibir nos diferentes picadeiros a beleza imponente dos seus
animais e marcas de família e topar algumas ilustrações de personagens
adulteradas que já não são tradição e não são ainda coisa nenhuma. A chuva
pegou forte e Santarém foi o refúgio, o que salvou o fim-de-semana, pois a sua
marca patrimonial gótica começa finalmente a ter alguma expressão de visitação
urbana, orientada, organizada, a que a gastronomia da Taberna do Quinzena e da
Taberna do Ó Balcão do chefe Rodrigo Castelo (bem mais sofisticada e cara)
oferecem a pitada complementar necessária.
Quem não ganhou o fim-de-semana foi Pedro Sánchez que viu
o seu taticismo dar com os burros na água e esboroar-se numa ingovernabilidade
ainda maior. Os admiradores do multipartidarismo extremo bem podem bater
palmas, pois dificilmente o Congresso dos Deputados em Madrid poderá no futuro
apresentar matizes tão diversificados. Está lá praticamente tudo, com as
entradas de um deputado do Bloco Nacionalista Galego (BNG), de dois deputados
da revolucionária e alucinada catalã CUP e até a sempre mítica TERUEL pelo seu
isolamento em Terras de Aragão tem o seu representante no Congresso com a
sugestiva marca de “Teruel existe” (existe sim senhor e até já lá tive uma
missão de trabalho europeia que deu entre outras coisas para ver as oficinas de
Goya). Ou seja, dificilmente teríamos um Congresso tão representativo das
identidades (e narcisismos) regionalistas, o que não significa que tenha gerado
uma situação de governabilidade.
Sánchez tem agora historicamente o fardo político de ter
feito duplicar a força parlamentar do VOX que duplica a sua representação,
tendo além disso enfraquecido a sua própria posição com perda de 3 mandatos
relativamente a abril de 2019 e perda de maioria absoluta no Senado. Há que
convir que ficar ligado à entrada de rompante da extrema-direita espanhola não
será nunca um cartão-de-visita apresentável. Impressiona constatar que o VOX
ganha deputados praticamente em toda a Espanha. A favor de Nuñez Feijoo na
Galiza fica a evidência de que esta região é uma das poucas que evitou a
conquista de deputados pela extrema-direita espanhola.
A volatilidade das mudanças eleitorais teve na derrocada
do CIUDADANOS (perda de 47 mandatos e descida para uma posição no Congresso
abaixo da Esquerra Republicana da Catalunha) a sua maior expressão. Se
pensarmos que o CIUDADANOS ganhou com Inés Arrimadas as últimas eleições
regionais na Catalunha dá perceber quão volátil é o comportamento do eleitorado
espanhol em busca de novos referentes.
Imagino que a partir de toda esta trapalhada só o VOX
possa pensar em novas eleições como a solução. Mas os passes de mágica que
serão necessários para garantir uma investidura (já não coloco a questão de
saber quem poderá ser investido para governar) estão para além da fantasia de
Houdini. Alianças com independentistas são lepra para quem as promover.
Alianças com nacionalistas não independentistas serão viáveis mas a massa
crítica para as enquadrar não é de fácil gestação, pois não chega a relação
PSOE – UNIDAS PODEMOS para as impulsionar. Mesmo nesse cenário sinuoso e
instável (e favorecedoras de reivindicações regionalistas e locais do arco da
velha) será necessário assegurar apoio ou abstenção diligente de PP e
CIUDADANOS (embora esta formação com apenas 10 deputados) tenha perdido força
de apoio e vá atravessar uma complicada transição com a demissão de Rivera,
hoje concretizada. Por isso, há quem peça ao centro um acordo controlador de
danos maiores no seio do bipartidarismo PSOE-PP (posição, por exemplo, do El
Mundo pedindo uma grande coligação), que não imagino como possa ser possível,
dada a cor das águas que passou entretanto por baixo das pontes hoje
inexistentes entre os dois partidos. A verdade é que também há direita não
parece fácil a formação de uma maioria. O PP resiste e melhora a sua posição,
com regresso ao estatuto de partido mais votado na Galiza e eleição de dois
deputados pela Catalunha, o que não foi pera doce.
Concluindo, brincar ao multipartidarismo pode queimar. O
taticismo nem sempre compensa (sobretudo com guinadas de última hora e viragens
ao centro de Sánchez já em plena campanha eleitoral), para além de ser perigoso
orientar esse taticismo em função de sondagens cuja clareza de intenções e
processos seja problemática. Para além disso, a tentação de fazer representar a
diversidade regional no Congresso com formações políticas próprias não parece
ser uma solução para a “territorialização da política”. Continuo a pensar que
devem ser formações políticas nacionais a assegurar essa representação e que
essas formações políticas regionais quando muito devem expressar-se em eleições
regionais.
Mas o meu pessimismo vem sobretudo de outras perceções. O
bloqueio em que a Espanha está mergulhado é democrático, não o esqueçamos e a
taxa de participação até foi elevada para umas segundas eleições após as de
abril último. O problema é que superar bloqueios coletivos democráticos exige
lideranças de qualidade e projeção máximas. O que, temos de convir, não existem
no espectro político espanhol atual. Tudo aponta para uma solução de quinta ou
sexta ordem, a não ser que o medo do lobo VOX produza os seus efeitos.
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