segunda-feira, 14 de julho de 2025

QUANDO CONHECEMOS APENAS A POSTERIORI A IMPORTÂNCIA DOS PROFESSORES

 


O meu colega do lado já assinalou e bem o desaparecimento de uma personalidade ímpar da cultura portuguesa, sempre ligado ao Porto e ao então liceu D. Manuel II, hoje Rodrigues de Freitas, o poeta e ensaísta Fernando Oliveira Guimarães. Também eu tive a sorte de o ter como professor, neste caso de História. As aulas do Oliveira Guimarães eram o que eu poderia designar como o verdadeiro manual de História que nos apoiava a preparação. Sempre a divagar pelo espaço físico da aula, o discurso expositivo do OGUI era tão estruturado e organizado que, ouvindo-o com atenção, era como que se estivéssemos a ler online esse manual do qual não precisávamos, pois tinha-mo ali ao alcance da nossa atenção. O que significa que, como Professor e tantos gigantes do ensino tive a oportunidade de conhecer naquele Liceu, aquelas aulas eram suficientes para percebermos a sua capacidade interpretativa dos acontecimentos desde a Idade Média até à história mais contemporânea. Mas, naquela idade, não tínhamos estofo nem cobertura de informação para compreender que tínhamos ali à nossa frente um intelectual de mão cheia, um dos mais inventivos autores da poesia portuguesa, mas também um ensaísta de grande profundidade. Só bastante mais tarde quando por razões editoriais e de amizade me aproximei da Afrontamento, em cujas instalações mantive durante alguns anos, em sala alugada, uma tertúlia, a associação RESULTANTE, em que privei com gente como o Professor Nuno Grande, o Engº Rui Oliveira, o Arquiteto Nuno Guedes de Oliveira, o Engº Manuel Miranda, me apercebi da obra do outro Fernando Oliveira Guimarães, o poeta e ensaísta. E lembro-me de ter então refletido sobre essa questão, que se prende com o facto de, por vezes, só conhecermos a real dimensão dos Professores que tivemos algum tempo depois, quando adquirimos envergadura e consistência intelectual para situar toda a sua obra, além do inestimável contributo pedagógico que nos proporcionaram. Uma vida digna, serena, sem nunca precisar de se pôr em bicos de pés para se afirmar.

 

domingo, 13 de julho de 2025

NA MORTE DE OGUI, COM AFETO

Não sei se o nome e/ou a pessoa dizem alguma coisa ao meu colega de blogue quando reportado aos seus tempos liceais no D. Manuel II do Porto que não em relação ao poeta e ensaísta consagrado que o talento de Fernando Oliveira Guimarães (FOG) construiu. No meu caso, a figura do professor “OGui”, como era então conhecido nos corredores daquela escola onde ensinava Filosofia (e talvez também História), é-me muito familiar desde 1968 quando iniciei o meu então 6º ano complementar (ou mesmo antes disso, já que julgo que ele foi docente da turma do meu irmão Jorge, mais versada para as Ciências duras mas onde ganhavam lastro o Augusto Santos Silva, o Luís Miguel Duarte ou o Joaquim von Hafe Pérez, entre outros). Não tendo sido professor da minha turma, foi chamado algumas vezes a dar-nos aulas de substituição e/ou de colaboração disciplinar, apresentando-se sempre como alguém que fazia da discrição e do rigor a sua marca essencial – confiava-se cegamente em tudo o que transmitia, carregado de uma finíssima densidade. Ao longo das seis décadas subsequentes, procurei acompanhar a bem-sucedida carreira literária de FOG, lendo os seus livros de poesia e os seus ensaios (dominantemente entregues aos louváveis cuidados editoriais da Afrontamento de José Sousa Ribeiro) e aplaudindo silenciosamente o reconhecimento que foi tendo através de inúmeros prémios e distinções. Faleceu há dias, aos 97 anos, na sua cidade do Porto, que nunca deixou, paz à sua alma!

A DEGERENESCÊNCIA DA ESPÉCIE HUMANA

 

(Este fim de semana trouxe-nos boa literatura para reflexão. É o caso do ensaio do Professor José Tavares no Expresso e da crónica de António Barreto no Público. Ambos exigem uma reflexão mais longa do que é para mim possível neste início de férias dos netos do Porto em Seixas, que obriga ao aproveitamento do momento. Quedo-me, por isso, com a corajosa crónica de José Pacheco Pereira (JPP) no Público de sábado simbolicamente intitulada de A Cloaca. É sobre esta que vou debruçar-me, pois ela vem ao encontro do que tenho vindo a refletir sobre esta onda de agressividade que, interrogo-me, não sei ainda se alimenta o fenómeno do Chega ou quejandos ou se é, pelo contrário, alimentada por ele. A questão interessa-me, pois ao contrário do que muitos pensam hoje, não estou totalmente convencido que o fenómeno do ressurgimento da direita radical e agressiva tenha que ver apenas com questões de ressentimento, de marginalização por parte das forças políticas que têm governado ou que trabalham na oposição e de incapacidade política de compreender esses contextos. Esses fatores pesam, por certo, e há investigação empírica que o sugere, designadamente em termos de interpretação da geografia eleitoral, mas em meu entender são potenciados por um outro fenómeno, o da degenerescência da espécie humana, questão com a qual a democracia tem convivido mal, principalmente porque abre passadeiras de tolerância a que essa degenerescência se manifeste sem pudor.)

JPP foi corajosamente buscar à cloaca das redes sociais um conjunto de insultos, obscenidades, ataques pessoais, violência verbal descontrolada e outras alarvidades que lhe foram pessoalmente dirigidas na sequência de uma das suas últimas intervenções no Princípio da Incerteza, programa no qual JPP atacou forte e feito a hipocrisia do Chega após a maléfica divulgação de nomes de alunos que aquela força política considera incompatíveis com a sua noção de portuguesismo.

Quem lê aqueles atropelos sérios à tolerância e à convivência democrática compreende que, protegidos pela cloaca das redes sociais que os acolhem e aplaudem, é gente que pode ir consequentemente das palavras a atos mais violentos. Independentemente das condições de ressentimento que podem estar a alimentar ao longo de tempos acumulados, das condições concretas de frustração que as suas vidas desinteressantes e amarguradas podem estar a gerar e da marginalização de que se sentem vítimas, numa sociedade cada vez mais polarizada e desigual, aquele tipo de ódio que é manifestado naquelas palavras é ele próprio produto de uma degradação humana que tende a reproduzir-se à medida que se expressa e manifesta.

Usando a linguagem que é cara ao meu colega de blogue, peço imensa desculpa, mas o estado de degenerescência de comportamento anti-tolerância que este tipo de cloaca acolhe só se realiza respondendo ao apelo das forças políticas preparadas para sugar aquele tipo de comportamento até ao tutano. Assim como temos o dever moral de combater qualquer tipo de terrorismo que invoca uma situação de injustiça ou de opressão para se manifestar pela violência, também neste caso o ressentimento ou a marginalização não podem ocultar a degradação de comportamento humano que esses terroristas da linguagem estão a veicular.

E, para espanto de todos, o problema é que os seus representantes mais próximos na Assembleia da República têm no pouco vertebrado Aguiar Branco a passadeira vermelha mais propícia para viabilizar a sua presença. É apenas um sinal dos tempos e dos rumos que a condescendência tende a introduzir na democracia portuguesa, numa tendência que começou noutros lugares e que uma interpretação, inteligente e não mecanicista da História, nos deveria ter ensinado a precaver-nos com o tempo adequado.

 

sábado, 12 de julho de 2025

EMERGÊNCIA CLIMÁTICA: ADAPTAÇÃO VERSUS RESPOSTA ESTRUTURAL

 


(Há dias, no seu substack agora regular que substituiu a crónica no New York Times, Paul Krugman clamava que a devastação das inundações e cheias no Texas deviam ser também analisadas numa perspetiva política. Essa advertência tem todo o sentido, pois já vimos essa realidade noutras situações e noutros países. Assim aconteceu no Reino Unido, quando a fúria ideológica de redução da despesa pública do governo de Cameron-Osborne, prolongada com os governos seguintes, reduziu o investimento em infraestruturas nesse caso de proteção de cheias e inundações e reduziu efetivos de entidades com o dever de conceber alertas e atuar em conformidade nestas situações. As inundações no norte do Reino Unido foram então brutais e tiveram efeitos devastadores, encontrando nos “diques ideológicos” da redução de despesa pública as condições ideais para uma tempestade perfeita. O mesmo sucedeu no Estado do Texas, onde apesar da já costumeira acusação de Trump de que a administração Biden desguarneceu essa proteção, se percebe que a fúria da administração Trump contra a agenda climática é neste momento a grande responsável pelo facto do Governo Federal não ter atuado preventiva e posteriormente como se impunha. Obviamente que a Fox News se encarregará de distorcer a informação sobre o que se passou no Texas, ocultando que a desconstrução de toda a agenda climática americana deveria ser convocada para explicar aos Texanos que o pior poderia ter sido evitado, sobretudo as mortes, incluindo de crianças, registadas. Ignorando, por agora, os efeitos devastadores que a desconstrução da agenda climática tenderá a provocar nos estados mais vulneráveis, em que o Governo Federal deixou de ser um parceiro fiável e com quem se pode contar nas ocasiões mais difíceis, é importante que reflitamos sobre a necessidade de construir uma agenda climática que resulte da sábia combinação entre medidas de adaptação e medidas mais estruturais, identificadas, como sabemos, com a necessidade de reduzirmos acentuadamente as emissões de gases com efeitos de estufa e atacarmos de frente a questão do aquecimento global do universo. É um debate à margem do combate aos exercícios meramente ideológicos e negacionistas dos efeitos devastadores que a emergência climática está já a provocar. E o Texas nem era, à partida um dos Estados mais vulneráveis.)

Invoco para esse efeito um esclarecedor artigo publicado na Foreign Affairs por Alice C. Hill que nos alerta para o facto dos progressos inequívocos já alcançados com o avanço nas energias renováveis, que integra o campo das respostas estruturais à emergência climática. De facto, a multiplicidade e diversidade de manifestações já correntes da crise climática não podem ser escamoteadas: secas mais severas, ondas de calor cada vez mais frequentes (o exemplo do recente junho em Portugal é esclarecedor), níveis extremos de precipitação, fogos cada vez mais selvagens e descontrolados, subida evidente do nível do mar são exemplos de eventos, já hoje correntes, que podemos associar ao aumento das temperaturas. Isto significa que, sem abrandar a cruzada contra as energias fósseis, e nessa dimensão a atitude da administração Trump é criminosa, é necessário construir uma resposta consequente a um melhor tratamento destas manifestações extremas já correntes. A principal nota do artigo de Alice C. Hill é a de projetar a persistência de investigação científica e tecnológica e de inovação em geral na abordagem adaptativa aos tais eventos extremos correntes, abordagem incompatível obviamente com a fúria ideológica que a administração Trump e a falhada passagem de Elon Musk pela reorganização dos serviços públicos provocou. O que não significa de todo ignorar o papel da investigação científica e tecnológica na resposta mais estrutural das tecnologias verdes, como por exemplo a investigação na área das baterias para os veículos elétricos, na mitigação dos efeitos da introdução das renováveis, particularmente das eólicas, na rede de oferta ou no esclarecimento definitivo se a opção hidrogénio é para considerar ou afastar. O alerta de Alice C. Hill é preciso e está cheio de bom senso: “A luta para conter a devastação da mudança climática é na melhor das hipóteses preocupante, mas com progressos insuficientes na mitigação, mais aquecimento global estará garantido. Isso não nos deixa qualquer hipótese de escolha, a não ser a de seguir em frente na adaptação. Se os governos falharem na concretização dos investimentos necessários, a destruição provocada pela mudança climática continuará a ajoelhar as comunidades.”