O caso da Inapa tem merecido grande atenção dos jornais nacionais. Mas ele é só mais um dos muitíssimos que têm acontecido neste País ao longo de décadas no tocante a questões ligadas à intervenção do Estado na economia. Ou seja, um renovado exemplo de mau uso dos dinheiros públicos por via de incompetências e favorecimentos diversos (sempre voltado para as empresas com maior expressão ou capacidade de influência político-mediática), para dizer depressa e sem grandes preocupações de separar o mau do péssimo. A história em causa já vem de trás, dos tempos em que a empresa, privada e relativamente bem-sucedida na sua origem, acabou por ser alvo de vicissitudes várias que a levaram a ir parar ao perímetro da Parpública. Uma história que repete, nos seus contornos essenciais, o desastre da Efacec ou a quebra da Aerosoles, para apenas dar mais dois exemplos visíveis de decisões desproporcionadas e a destempo por parte dos poderes públicos (governamentais e institucionais) e para não falar do caso dos casos que tem sido a TAP. Sendo que a Inapa, aqui e agora, já não tinha por onde se lhe pegasse depois das tantas voltas que sofreu e, por isso, não é de todo (como alguns afirmaram) uma ilustração da rara coragem para dizer não elogiosamente atribuída aos atuais ministros da Economia e das Finanças. Adiante, pois.
(excerto de https://www.rjmatsoncartoons.com e José Manuel Puebla, http://www.abc.es)
Porque o meu ponto pretende ser outro, a saber, o de sustentar a ideia de que, contra o que afirma o mainstream económico liberal, existe um racional de legitimidade para a intervenção do Estado na economia que vai para além da mera ação corretiva do livre funcionamento da economia em situações classificadas de “falhas de mercado”. E, mais ainda, sustentar também a ideia de que essa intervenção integra o conjunto dos elementos constitutivos do bom funcionamento das economias modernas.
Como recentemente escreveu Ricardo Paes Mamede: “Haverá sempre uma minoria de fundamentalistas de mercado para defender que o papel do Estado é sair da frente e deixar os mercados funcionar – como se os ditos mercados não fossem um conjunto de agentes com poder assimétrico, que defendem os seus interesses, os quais podem estar mais ou menos alinhados com o bem-estar geral. Quem não pertence àquela seita não deve perder tempo a discutir se o Estado deve os não intervir – mais relevante é debater que objetivos devem ser prosseguidos e qual a melhor forma de o fazer.”
Aponto, nesta perspetiva, para um Estado ágil e não para um Estado mínimo. Mas sublinhando uma pré-condição sem a qual mais vale estar quieto (o que em Portugal, onde os agentes oscilam entre o “ódio” ao Estado e a subserviência de mão estendida em relação ao mesmo, é particularmente aplicável): a de que o Estado interventor, capaz de fazer “o que mais ninguém pode fazer”, só cumprirá a sua missão – que inclui as componentes clássicas mas cada vez mais também um foco na promoção da cooperação nas redes que correspondem à organização das atividades complexas que crescentemente devem caraterizar as economias desenvolvidas ou em processo de desenvolvimento – se for enxuto, eficiente e competente em todas as vertentes da sua ação, sendo para tal essencial reformá-lo e enfrentar sem quartel a progressiva erosão das competências dos agentes da administração pública. É disto que muitos autores diferenciados – e tantos são, com Mazzucato e Rodrik a serem os mais badalados! – falam quando se referem ao caráter decisivo de uma colaboração entre Estado e iniciativa privada (sociedade civil) para que sejam conduzidos a bom porto e em adequado clima de confiança social os desejáveis esforços desenvolvimentistas.
Até porque, no limite, não existiu nunca na História Económica um processo deste tipo, da Grã-Bretanha de tempos passados à liderança dos EUA desde o pós-guerra e às particularidades economicamente dirigistas da China de hoje ou da brutal reconfiguração da economia japonesa à espantosa afirmação industrial sul-coreana, sem que assim tenha sido. À atenção dos nossos liberais de pacotilha, sempre prontos a fazerem do Estado o mau de todas as fitas (que fácil é ter o grande culpado à mão de semear, sobretudo quando importa desviar as atenções das culpas próprias, e, às vezes também, que estranho é confrontarmo-nos com as duras imposições do mundo real!), e dos nossos responsáveis políticos e institucionais, sempre incapazes de perceberem a essência complexa do mundo que os rodeia e as condições e o enquadramento apropriado do seu tão assumido quanto inconsequente exercício do poder.
Sem comentários:
Enviar um comentário