domingo, 7 de julho de 2024

LAVADOS OS CESTOS DO EURO 2024

 


(Esperando que a Espanha ganhe o Euro 2024, pois é sem dúvida a melhor equipa, fiel a um estilo de jogo que serve exemplarmente a qualidade superior dos seus intérpretes, é altura de fechar esta secção com algumas reflexões sobre o abandono relativamente honroso com que um poste da baliza de Maignan nos afastou da tentativa de chegar a Berlim. A França não é de, facto, melhor equipa do que nós, já o foi mas não o é presentemente e, como é óbvio, seria manifestamente impossível que o Diogo nos salvasse de novo. Entretanto, não posso deixar de me recordar que a seleção não marca um golo em jogo jogado há bastantes horas e mesmo sem querer dar contributo para essa controvérsia, tudo acaba por entroncar na discussão do papel de Cristiano na seleção. O país está claramente dividido entre desculpar a ineficácia de Ronaldo pensando no que ele já fez no passado, incluindo o passado recente, e associar à sua presença uma influência inibidora sobre a renovação do poder atacante da seleção, veja-se o reduzido número de minutos concedidos a Diogo Jota e os zero minutos com que Gonçalo Ramos veio da Alemanha. Cá por mim a única interpretação que me sensibilizou foi a do painel de comentadores de ontem da RTP 3, do qual destacarei duas notas que me pareceram muito clarividentes – a de que Ronaldo já não funciona como ponta de lança isolado sem um apoio e de que para compreender o número excessivo de minutos que Ronaldo jogou não tem uma interpretação futebolística, mas antes comercial e económica. Quem fala assim percebe da poda!)

A generalidade dos comentadores concordou com o facto de ser uma temeridade demasiado arriscada conceder a Ronaldo um lugar de ponta de lança isolado em luta contra defesas coriáceas como a da França e da Eslovénia. O nosso ídolo já não tem a potência de deslocamento e versátil e de luta permanente contra tais defesas e, por isso, se não dispuser de um suporte na sua área de ação dificilmente cria espaços para poder atirar com êxito. Compreendo que João Félix já viveu melhores dias e que não tem um comportamento consistente que permita assumir esse risco, mas Diogo Jota, embora ele próprio confessasse que não tinha ainda condições para 90 minutos de jogo, podia perfeitamente pelo menos em 45 ou 60 minutos assumir esse papel e não entendo como tal possibilidade não foi ensaiada.

A segunda interpretação foi apresentada por José Nunes, um dos comentadores desportivos mais sensatos das nossas televisões, que pôs desassombradamente o dedo na ferida. Ronaldo já é neste momento e embora perto do seu ocaso físico um fenómeno que está para além do futebol. Com os seus seiscentos milhões e pico de seguidores nas redes sociais, Ronaldo é um fenómeno comercial de grande envergadura e é nesse plano que o número excessivo de minutos concedido ao capitão da seleção deve ser compreendido. A relação entre a Federação Portuguesa de Futebol e Ronaldo releva hoje desse plano e muito provavelmente a escolha de Roberto Martinez foi concretizada no pressuposto do selecionador trabalhar com base nessas condições, ou seja, manter o negócio em lume forte e capitalizando depois tudo o que pode ser dito de positivo quanto à presença de Ronaldo – motivação de equipa, disciplina, trabalho. Interrogava-se José Nunes quanto tempo mais vai esta dimensão extra-futebol comandar a presença de Ronaldo na seleção. Tudo indica que irá até ao próximo Mundial, sem que sejam criadas condições para que uma sucessão tranquila possa acontecer. O que pensarão Diogo Jota e Gonçalo Ramos desta não criação de condições para a tal sucessão tranquila em que os dois poderão ter uma palavra a dizer? É óbvio que os trabalhos do Liverpool e do Paris Saint Germain são demasiado omnipresentes e exigentes para os desmotivar, mas não deve ser nada agradável os atletas concluírem que são fatores extra-futebol a comandar os acontecimentos.

 

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