sexta-feira, 19 de julho de 2024

UM SISTEMA DE PLANEAMENTO EM PERMANENTE RESET

 


(Esta ideia ocorreu-me ontem quando participava num seminário promovido pela Universidade da Aveiro e pela Comunidade Intermunicipal da região de Aveiro, CIRA, focado no tema “Futuros da Educação: a UA e a Região de Aveiro”. Coube-me fazer uma intervenção sobre o planeamento e concertação das ofertas de dupla certificação, com primazia para os Cursos Profissionais, refletindo sobre uma grande diversidade de trabalhos que a Quaternaire Portugal tem desenvolvido sobre esta matéria em territórios NUTS III como o Alto Minho, o Cávado, o Tâmega e Sousa, Área Metropolitana do Porto, Terras de Trás-os-Montes, Região de Aveiro, Região de Coimbra, Alentejo Central e outras. Trata-se de uma reflexão que tenho vindo a afinar, já com uma primeira apresentação ao Conselho Estratégico para a Educação e Formação da Área Metropolitana do Porto e tem como pontos centrais duas ideias: a de que o velho sistema de educação português está em transição para um sistema de educação e formação com exigências particulares de governança e a de que o exemplo de territorialização de políticas públicas que a concertação ao nível das comunidades intermunicipais das ofertas profissionalizantes representa constitui um elemento a reter para a governança do novo sistema em formação.)

No desenvolvimento da minha intervenção tive a oportunidade de sublinhar que a territorialização em curso está longe de estar consolidada, dado o interesse diversificado de municípios e de Comunidades Intermunicipais (CIM) para com a questão do ensino profissional, consequentemente com estádios muito diferenciados de capacitação e de concertação da rede. Obviamente que além do interesse e capacitação de municípios e CIM, as próprias comunidades envolvidas, Escolas, Agrupamentos de Escolas, serviços públicos de emprego, empregadores e associações empresariais, associações de pais e outras entidades locais exercem uma influência determinante no processo de concertação. Os interesses divergentes entre quem oferece cursos de dupla certificação e quem procura as qualificações intermédios como meio de encontrar competências de que necessitam implicam estádios diferentes de concertação, na qual a estrutura e reflexão estratégica das CIM assume um papel muito relevante.

Precedido pela intervenção do próprio Secretário Técnico da CIRA, que também anotou a incongruência, tive oportunidade de sublinhar que a territorialização em curso nem sempre é olhada de modo coerente pela política pública. O melhor exemplo dessa inconsistência é fornecido pelo processo de apoio à instalação de Centros Tecnológicos Especializados nas Escolas, promovida pelo PRR num montante de investimento difícil de reunir de novo sem o apoio comunitário. O processo de apresentação de candidaturas e de atribuição de CTE às escolas foi realizado numa lógica de relação direta entre Ministério (o de João Costa) e as Escolas, mandando às urtigas todo o processo de concertação que as CIM estavam a promover em estreita colaboração com as entidades ministeriais. A importância dos CTE para a melhoria de qualidade dos Cursos Profissionais é decisiva e por isso interessaria que a racionalização da rede de oferta pudesse integrar esta nova infraestrutura. Vá la perceber-se as razões que levaram o Ministério anterior a prosseguir esta via e para mal da herança deixada pelo governo anterior a execução física do Programa é baixíssima, colocando em risco a própria concretização do apoio do PRR.

Utilizei este exemplo para mostrar que a territorialização em curso está longe de estar consolidada, mas o lamentável é quando a não consolidação é alimentada pela própria tutela. Talvez o argumento tenha sido a célebre “pressa” do PRR que tem sido bode expiatórios para alguns desmandos e exageros, mas a taxa de execução até agora alcançada mostra que esse não era o motivo central. Qual será, terá de perguntar-se ao ex-Ministro João Costa e a quem o ajudou a tomar essa decisão.

A senhora Vereadora da CM de Albergaria que moderava também a sessão veio na fase de discussão a terreiro sublinhar que o concelho tinha sido beneficiado com três CTE e que o interpretava como resposta ao trabalho desenvolvido pelo município junto de Escolas e empresas. No fundo, a intervenção visava afirmar que há vida para além da concertação intermunicipal (existe de facto e bem importante como aliás muitos Municípios continuam agilmente a exercer junto do Poder Central) e que a ação política dos Municípios não desaparece por causa da territorialização da política pública e da ação das CIM: Respondi amigavelmente que assim é e que a territorialização da política pública não se fez para apagar a ação dos Municípios, antes para racionalizar o processo e daí a concertação. OS CTE foram decididos à revelia da territorialização em curso introduzindo uma dissonância no percurso. Mas tive o cuidado de referir que isso não é um desastre de proporções irreversíveis. Trata-se apenas de um novo dado que a concertação da rede no âmbito da CIRA terá de ter em conta. Enquanto elaborava essa minha resposta, veio-me à cabeça que essa é uma dominante do nosso sistema de planeamento. Ele está em permanente “reset” de maneira a integrar novos dados, resultantes de decisões políticas assumidas à revelia dos processos em curso. Eis um novo exemplo. Os CTE estarão no terreno e estabelecem um novo condicionante que tem de ser racionalizado.

O sistema de planeamento em permanente “reset”.

Não pude deixar de refletir que se calhar é este “reset” permanente que me leva ainda depois de tantos anos a ir à luta com tanta motivação.

 

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