Tal como o meu colega aqui do lado, sou fã das crónicas (e dos livros, já agora!) de António Guerreiro (AG), alguém que considero como um dos raros intelectuais que ainda sobram no espaço público nacional. Vem esta nota confessional a propósito do modo elegantemente demolidor como AG elabora na sub-rubrica “Livro de recitações” da sua última crónica acerca da tendência de Henrique Raposo (articulista do “Expresso”) para a bêtise. Citando um excerto particularmente disparatado deste (“O fascismo era assim relativista. E quem é que fez o favor de manter vivo este relativismo com pé e meio na epistemologia fascista? A esquerda pós-moderna que dominava (e ainda domina?) os departamentos de letras e ciências sociais. Os Foucault. Os Boaventura. Os Prado Coelho.”), AG comenta-o desta deliciosa forma: “Compungido e envergonhado, venho confessar uma das minhas debilidades: não perco um artigo de Henrique Raposo, não me limito a ler os que surgem por acaso nas minhas deambulações, procuro-os com impaciência porque me fornecem um suplemento de diversão, exercem sobre mim o fascínio de que é capaz a bêtise. Não ouso dizer esta palavra em português: na língua francesa, flaubertiana, tem outro alcance teórico e dissolve o aspeto ofensivo. A ideia de um Prado Coelho, ou de qualquer outro dos referidos, “com pé e meio na epistemologia fascista” (seja lá isso o que for) é de rir até às lágrimas. Desconfio que Henrique Raposo usa conscientemente a bêtise com cálculo de cronista cheio de esperteza. E estúpido é então o meu fascínio.” Melhor era impossível, até pelo recurso a uma pseudo-imputação de culpa própria – pura e simplesmente brilhante!
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