(Como o sempre perspicaz Noah Smith o assinala, mesmo em tempo de crescimento anémico, o crescimento económico per capita tem evoluído melhor do que a sua tradução em emissões de gases com efeito de estufa)
(A
ligeireza com que o tema do crescimento económico entra no debate político
nacional relembra e está em linha com o clima de pobreza franciscana que se
observa na translação das ideias para a política. Por exemplo, o atual governo
da AD na transição do cenário eleitoral para a realidade fria da preparação do
Orçamento para 2025 e para um plano plurianual passou de retumbantes taxas de
crescimento económico para a economia portuguesa para taxas mais anémicas. E na
cabeça do ministro das Finanças, Professor no ISEG, logo com maiores
responsabilidades na matéria, tudo parece resumir-se ao passe de mágica da
baixa de impostos. O Ministro chegou mesmo a proclamar que “deixem-nos governar
com a nossa política fiscal que o crescimento económico florescerá”. Na
oposição não parece haver também solidez de ideias quanto a esta matéria,
embora se combata e têm toda a razão em fazê-lo a ideia da magia do choque
fiscal. Claro que sabemos que aquilo que a economia nos sabe dizer quanto ao
comportamento do crescimento económico não se prende necessariamente com as
taxas de crescimento em período curto, de um ano para o outro, ou em períodos
relativamente limitados de tempo. O que a economia nos transmite sobre esta
matéria tem que ver com os fatores de crescimento a longo prazo, uma ou duas
décadas, ou períodos ainda mais longos. Mas há uma verdade em economia que frequentemente esquecemos, é que
qualquer período económico por mais curto que seja está sempre inserido em
tendências de mais longo prazo. Por isso, discutir no debate político os
números de hoje ou de amanhã sem uma perspetiva dos fatores de longo prazo que
nesse momento estarão a ser determinantes equivale a colocar os políticos e os
seus assessores como baratas tontas, voláteis e imprevisível a construir nuvens
no ar, sem qualquer condição de objetividade para transmitir no seu discurso,
que se estima ser de esperança em matéria de futuro.)
Balizemos então este
debate demasiado ligeiro para meu gosto, com algumas notas baseadas na teoria e
na economia empírica do crescimento económico, procurando colocar alguma ordem
em todo este esgrimir de taxas, um esgrima esquisito pois ninguém toca nem é
tocado, como se a realidade do crescimento económico permitisse tudo e o seu
contrário para delícia da retórica política.
A primeira nota diz
respeito à necessidade de ponderar que uma coisa é o debate sobre os limites do
crescimento económico no mundo, melhor dizendo nos países mais avançados que
definem a fronteira tecnológica, organizativa e de qualificações desse
crescimento a nível mundial, outra bem diferente é a projeção desse
enquadramento de troca de ideias para a economia portuguesa.
No plano do crescimento
mundial, o debate está aceso, sobretudo porque como já repetidas vezes o
lembrei neste blogue, existe hoje uma desproporção entre as expectativas
alimentadas pelo progresso tecnológico, com as diferentes ondas de tecnologias
de informação e comunicação a estruturá-lo e os ritmos efetivos de crescimento
económico nessas economias mais avançadas, bem mais anémicos do que a
tecnologia faria esperar. Mesmo descontando em períodos mais longos a séria
influência da pandemia, o que os números sugerem é uma espécie de esgotamento
do “glamour” do progresso tecnológico, como se as grandes inovações
tecnológicas já tivessem sido introduzidas e disseminadas na economia e agora assistíssemos
a “remakes” dessas inovações ou simples variantes das mesmas, sem
idêntico poder de impulso do crescimento.
Um leitor menos atento
ficará surpreendido com esta desconformidade, sobretudo em tempos em que a
inteligência artificial (AI) é por muitos apresentada como a grande esperança
redentora do crescimento económico. Mas a tecnologia que anunciaria mais crescimento
do que o tem sido alcançado é muito mais do que a AI. É todo o catálogo de
tecnologias digitais e a própria robotização que fariam esperar por mais e daí
a perplexidade do leitor menos avisado.
Mas a economia é um
permanente confronto de interpretações e leituras, o que faz como sabemos os
cientistas físicos e matemáticos desdenhar desta estranha ciência onde os
paradigmas não se sucedem, antes conflituam em permanência. Nesta matéria do
crescimento existe hoje um debate aceso entre os tecno-otimistas, aqueles que sustentam
que a tecnologia e a imaterialização da economia irão ultrapassar todos os
constrangimentos possíveis ao crescimento, e os tecno-pessimistas que assumem
várias variantes. Entre estas a tese dos recursos finitos no planeta é bastante
popular, e daí sustentarem que o próprio crescimento acabará por ser também
finito, embora se trate de uma tese inconsistente face à já referida
imaterialização da economia. Outras teses, talvez mais consistentes, vão ao
âmago da tecnologia buscar as razões do pessimismo.
A vertente analítica
mais moderna e consistente do tecno-pessimismo pode ser encontrada em
economistas que situam no modo atual de produção das ideias com potencial valor
económico as razões para uma nova família de limites do crescimento. A consistência
do argumento é mais forte pois situa-se no âmbito da imaterialização da
economia. Seria na produção das ideias que deveremos encontrar as razões para
possíveis limites ao crescimento. Não vos vou maçar com essa argumentação, até
porque já a referi aqui em tempos neste blogue. O economista Charles I. Jones defendeu
a tese de que a produtividade como as ideias são produzidas está a reduzir-se
consideravelmente. Por outras palavras, o número de investigadores que é
preciso para produzir uma dada ideia científica e tecnológica é cada vez maior.
E se pensarmos que, em última instância, a intensidade de produção das ideias acaba
por depender da população e do seu crescimento (1% de investigadores numa
economia populosa como a China e 1% de investigadores numa economia de pequena
dimensão como Portugal não é efetivamente a mesma coisa) acabámos por concluir
algo de estranho e paradoxal. Ao fim de tantos anos, continuaríamos a dizer que
o crescimento económico depende da população, como se o conhecimento económico
não tivesse evoluído. Claro que neste debate a AI pode mudar os termos da
argumentação e mitigar a dependência da produção de ideias do número de
investigadores e, em última instância, da população.
Consideremos assim que o
debate vai no adro e que são de esperar desenvolvimentos permanentes do mesmo.
Quando projetamos este
debate na economia portuguesa não podemos correr o risco de pensar que o
crescimento económico português pode ser discutido apenas no quadro da já
referida imaterialização da economia. Obviamente, que a necessidade de Portugal
aumentar o peso e intensidade das despesas em investigação e desenvolvimento (I&D)
é crucial, sobretudo se acrescentarmos a necessidade dessa I&D ser realizada
em contextos com mais fácil translação para o tecido empresarial (existente ou
a criar), potenciando assim a sua mais rápida em inovação empresarial e em
investimento produtivo inovador. Mas não podemos ignorar que a economia
portuguesa continua a depender da difusão e absorção de tecnologia que outros produzem
na fronteira tecnológica mundial. Ora, nesse contexto, como nos ensinaram
brilhantemente Bradford DeLong e Lawrence Summers, o investimento em
equipamento é um fator decisivo e crucial de crescimento económico. Quando esse
investimento em equipamento desce a níveis preocupantes em termos de ritmo de
crescimento, como acontece em Portugal, o crescimento económico não poderá
deixar de ser anémico, apesar de toda a bravata discursiva dos políticos.
Por conversa que tive
esta semana, sei que o meu antigo colega de cadeira de Crescimento Económico e
de Economia da Inovação e Conhecimento na FEP, Professor Mário Rui Silva, iria
neste fim de tarde na FEP, no âmbito da apresentação do novo livro de exercícios
sobre crescimento coordenado pelo Professor Óscar Afonso, Diretor da FEP, reapresentar essas
ideias, com evidência sólida de que o investimento em equipamento em Portugal
desceu a níveis de crescimento preocupantes. Temos orgulho em termos sido
provavelmente os primeiros na academia portuguesa a apresentar e a trabalhar
esse artigo de Bradford DeLong e de Lawrence Summers.
É a contributos desta
natureza que chamo balizar o debate e retirar da discussão uma grande parte do
ruído que resulta apenas da ignorância e da baixa literacia económica da nossa
classe política. Se não sabem e se não têm tempo para ler, perguntem. Como
diria o outro, fazer más figuras … não havia necessidade.