quinta-feira, 31 de outubro de 2024

TESTEMUNHO DOS PRÉMIOS NOBEL DE ECONOMIA

 


(Todos sabemos que para muito boa gente os Prémios Nobel de Economia não estão isentos de enviesamentos ditados pela conflitualidade entre os paradigmas de pensamento económico. Não é minha intenção retomar esse debate, até porque quando olhamos para trás, a lista de laureados inspira-nos todo o respeito e temos de nos curvar perante nomes tão insignes, alguns dos quais fizeram parte da nossa formação. Por hoje, limito-me a trazer para este blogue o testemunho de um conjunto desses premiados, tomando decisão clara e inequívoca de apoiar Kamala Harris nas terríveis eleições americanas que estão aí ao virar da esquina. O conjunto de signatários é muito variado e minimiza o efeito de enviesamento de que falei há pouco.

Nós, abaixo assinados, pensamos que Kamala Harris será uma guardiã muito melhor para a nossa economia do que Donald Trump e apoiamos a sua candidatura.

Os pormenores dos programas económicos dos candidatos não são ainda completamente conhecidos, mas a partir do que disseram, combinado com o que fizeram no passado, fornece-nos uma perspetiva clara das visões, políticas e práticas económicas alternativas.

Embora cada um de nós tenha diferentes perspetivas sobre os aspetos particulares de diversas políticas económicas, acreditamos que, globalmente, a agenda económica de Harris irá melhorar a saúde, investimento, sustentabilidade, resiliência, oportunidades de emprego e justiça e que será superior em grande medida à agenda contraprodutiva de Donald Trump.

As suas políticas, incluindo direitos aduaneiros elevados aplicados mesmo sobre mercadorias provenientes dos nossos amigos e aliados e cortes regressivos de impostos para as empresas e indivíduos, conduzirão a preços mais altos, défices maiores e a uma maior desigualdade. Entre os mais importantes determinantes do sucesso económico são o primado da lei e a certeza económica e política e Trump ameaça todos eles.

Pelo contrário, Harris tem insistido em políticas que fortalecerão a classe média, intensificarão a concorrência e promoverão o empreendedorismo. Assunto a assunto, a agenda económica de Harris fará muito mais do que a de Donald Trump para aumentar a força económica e o bem-estar da nossa nação.

Em termos simples, as políticas de Harris produzirão um desempenho económico mais forte, com crescimento económico que será mais robusto, mais sustentável e mais equitativo.”

Daron Acemoglu (2024), George A. Akerlof (2001), Abhijit Banerjee (2019), Sir Angus Deaton (2015), Peter A. Diamond (2010), Douglas Diamond (2022), Esther Duflo (2019), Robert F. Engle III (2003), Claudia Goldin (2023), Sir Oliver Hart (2016), Guido W. Imbens (2021), Simon Johnson (2024), Eric S. Maskin (2007), Daniel L. McFadden (2000), Robert C. Merton (1997), Roger B. Myerson (2007), William D. Nordhaus (2018), Edmund S. Phelps (2006), Paul M. Romer (2018), Alvin E. Roth (2012), Robert J. Shiller (2013), Joseph E. Stiglitz (2001), Richard H. Thaler (2017).

Eis um testemunho decente e sobretudo importante face ao que está em jogo.

Que os deuses nos ajudem.

 

quarta-feira, 30 de outubro de 2024

BABA E RANHO

(Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt

Rebentou uma bomba para os lados de Alvalade e Alcochete e o país mediático parou autenticamente para se concentrar no facto e suas minudências com todas as suas energias. Refiro-me à decisão do Manchester United de pagar a cláusula de rescisão de Ruben Amorim e convidar o treinador do Sporting para seu responsável técnico principal em substituição do holandês recém-despedido Erik ten Hag. Têm sido dias de furiosa agitação aqueles a que temos assistido, neles se incluindo momentos patéticos como os que acabei de observar num debate da SIC-N entre Dias Ferreira e Eduardo Barroso. Mas o pior de tudo acaba por decorrer, a meu ver, da reação dos responsáveis leoninos (Frederico Varandas à cabeça), mostrando uma incompreensão inaceitável em relação à naturalíssima opção de Amorim (uma reedição da “cadeira de sonho” de André Villas-Boas), abandonando-o às feras numa conferência de imprensa que ficará na história do mau gosto relacional face a um alto quadro e praticando um ato de má gestão ao protelar vingativamente a data de saída do dito em prejuízo de um virar de página imediato com que o clube e o sucessor de Amorim só teriam a ganhar.

terça-feira, 29 de outubro de 2024

REFLEXÕES SOBRE A INTEGRAÇÃO DE PORTUGAL

 


(O Professor Fernando Nunes da Silva do Instituto Superior Técnico, Amigo de longa data, teve a amabilidade de me convidar para realizar a intervenção inaugural (após a do Presidente do Congresso, o Dr. Emílio Rui Vilar), no âmbito do XVI Congresso Nacional da ADFERSIT - Associação Portuguesa para o Desenvolvimento dos Sistemas Integrados de Transportes, a realizar em Lisboa, no LNEC, nos dias 7 e 8 de novembro do presente ano. O Congresso é subordinado ao tema Integração Global de Portugal – que projetos estratégicos? O convite honra-me de sobremaneira, mas tenho também a noção do desafio que constitui falar da integração global de Portugal, não só pela complexidade do tema, em que são quase rotina as interrogações, as hesitações e inconstâncias, em suma com a dificuldade conhecida de fixar posições que sirvam de referencial de algum tempo de estratégia. Pensar o tema com alguma originalidade em matéria em que gente brilhante como o Dr. Félix Ribeiro tem trabalhado arduamente e avançado bastante, devorando pela leitura e análise praticamente todas as variáveis relevantes para uma cenarização das opções que se abrem a Portugal em matéria de integração, é tarefa exigente para quem poderia ser designado como um “economista de província, no sentido de quem pensa não a partir do núcleo pretensamente central da Capital, mas fora dele e lutando há muito tempo pelo direito a uma visão do país e do seu futuro a partir da diversidade territorial. Recordo-me que comecei a pensar nestas coisas da integração global de Portugal a partir de um texto que me foi solicitado no âmbito da preparação das Grandes Opções do Plano, tendo de procurar outros referentes de memória para o situar no tempo. O trabalho foi publicado sob a forma de artigo “Uma Visão Espacial das Estratégias e das Prioridades de Desenvolvimento Económico e Social para Portugal”, tendo aparecido na defunta revista Prospetiva e Planeamento, Revista do também hoje falecido Departamento de Prospetiva e Planeamento do Ministério do Planeamento, que também desapareceu para dar a vez às preocupações de governança dos Fundos Europeus, em novembro de 2001. Imagino, pois, que as Grandes Opções do Plano respeitariam a um ano anterior, talvez 2000, mas não me recordo e isso também não é importante para o caso.)

Recordo-me bem da natureza estranha que o artigo representou para muita gente, pois era praticamente a primeira vez que alguém pensava a internacionalização e integração na economia global do país a partir do potencial de internacionalização dos seus diferentes territórios. Aproveitei então o potencial de estar nessa altura numa fase intensa do meu trabalho de andarilho do planeamento estratégico, com um largo conhecimento do mapa territorial e dos recursos suscetíveis de valorização no espaço global para ousar formular uma estratégia de integração que procurasse valorizar a riqueza na diversidade (pequeno, mas diverso como insistia o saudoso historiador José Mattoso). Regresso, por vezes, a esse texto, creio que as consequências efetivas do mesmo foram inexpressivas, a não ser para balizar a evolução do meu pensamento sobre a matéria. Cerca de 23 anos depois e após algumas incursões esporádicas e guerrilheiras no tema em trabalhos diversos, sempre chamando a atenção para a relevância da geopolítica territorial nos trabalhos de planeamento estratégico territorial, regresso ao tema para dar alguma consistência a uma intervenção de responsabilidade, pois trata-se de um congresso de uma associação vocacionada para os sistemas integrados de transportes e onde se fala de projetos estratégicos a promover. Trata-se, pois de uma visão construída no exterior desse sistema integrado de transportes que, obviamente, deverá ser confrontada e obviamente enriquecida e/ou mesmo corrigida pelos especialistas do tema que farão ouvir a sua voz nas sessões que se seguem à inaugural nos dias 7 e 8 deste normalmente triste mês de novembro, no recato de uma Grande e prestigiada Casa como é o LNEC.

Quando comecei a pensar nestas questões e quando a elas regresso no tempo atual, dificilmente escapo a trabalhar com alguns pensamentos de gente que pensou o país noutros planos e com outras lentes bem mais potentes e abrangentes do que as minhas. Sim estou a pensar no também saudoso Eduardo Lourenço e no espírito irrequieto de Miguel Real, grandes pensadores sobre o ser Português nos tempos de uma globalização ainda não fraturada como se encontra no presente momento. Para mais, estou a preparar a minha intervenção num contexto de grande incerteza sobre os resultados das eleições americanas, arriscando-me a ter de mudar de roteiro sobre a meta, acaso os cenários mais negros para o mundo se confirmem.


Por hoje, na medida em que esta preparação vai ocupar-me nos próximos dias e por isso muito provavelmente regressarei ao tema no blogue, fico-me com uma longa citação de Eduardo Lourenço, retirada de Nós e a Europa ou as duas razões (sem esquecer o eterno Labirinto da Saudade):

O mistério da nossa identidade, da nossa permanência e continuidade ao longo dos séculos está precisamente relacionada com a nossa pequenez e com a vontade de separação da Ibéria que conferiu ao povo português um outro destino, um destino menos europeu do que aquele que a Espanha de Carlos V e Filipe II tiveram de compartilhar e de que foram peça mestra. (…) Portugal, o de ontem e ainda mais o de hoje, não teve nunca, nem tem, propriamente problemas de identidade. Se tem problemas dessa ordem, quer dizer, de interrogação ou dúvida, sobre o seu estatuto enquanto povo autónomo, inconfundível, serão antes problemas de superidentidade. Perdemos um império, é um facto, mas perdemo-lo menos na realidade do que que pode parecer, porque já antes o tínhamos sobretudo como imaginário. (…) Se estamos ameaçados de perder identidade no sentido de perder certos particularismos que são o folclore da identidade profunda, estamo-lo como está o universo inteiro e os povos ocidentais em especial, unificados aos poucos no seu imaginário, nas suas técnicas, na sua música, nos seus bons ou maus costumes”.

Imaginem, meus Caros, o salto que é preciso dar para passar da grandeza deste pensamento a uma lógica mais circunstancial da integração concreta, designadamente dos transportes e da conetividade em geral, quando por exemplo o grande tema de debate parece ser a dificuldade de estabilizar uma posição nacional sobre uma questão aparentemente tão comezinha, como a questão de saber se devemos optar pela bitola europeia ou pela bitola ibérica.

Como estes Portugueses são dificilmente governáveis!

Conferencista sofre …

 

ANORMALIDADES DA NORMALIDADE

 
(cartoon de André Carrilho, https://www.instagram.com/andre_carrilho/

“Distúrbios nos bairros da Grande Lisboa: que região é esta?”, perguntava há dias um dos nossos órgãos de comunicação social. A questão faz sentido, na medida em que tudo foi espoletado pela aparente ligeireza que se pretendeu associar à morte de Odair Moniz – um cidadão nascido em Cabo Verde e morador no Bairro do Zambujal (Amadora) –, após ter sido baleado por um agente da PSP no Bairro da Cova da Moura (também no concelho da Amadora) e pela impulsiva reação de revolta dos seus próximos de relação ou condição perante a impunidade que parecia tender a prevalecer.

 

Pois a dita região é exatamente aquela que surge bem identificada na capa do “Público” que acima se reproduz, uma região em que a desigualdade gritante se aprofunda por força de um afluxo constante de pessoas (nacionais e estrangeiras) em busca de melhores condições de vida e trabalho – isto no quadro de um país que evidencia as variações populacionais que abaixo se apresentam (para os anos já transcorridos deste século XXI) e que um recente editorial de Sónia Sapage descrevia liminarmente do seguinte modo: “Somos um país de dez milhões de pessoas que tem quase três milhões a viver às portas de Lisboa, um valor que aumentou ligeiramente entre os Censos de 2011 e os de 2021. Na Área Metropolitana do Porto estão mais 1,7 milhões. Feitas as contas, somos um pequeno país de 92 mil quilómetros quadrados em que praticamente metade da população vive em duas grandes regiões urbanas, ambas no litoral, com todos os problemas que daí advêm.“ Dito de outros modos, integralmente compatíveis entre si: trata-se de uma região que que o meu colega de blogue já aqui caraterizou em termos de níveis e custos concentracionários insuportáveis e ingeríveis; a mesma região que eu também já aqui caraterizei, com recurso à investigação de Andrés Rodríguez-Pose, como sendo aquela que em Portugal mais afundada se encontra em indicadores típicos da chamada “armadilha de desenvolvimento” (mapas mais abaixo).


(Elaboração própria a partir dos dados oficiais do INE)

 

(Elaboração própria a partir de dados recolhidos por Andrés Rodríguez-Pose)

 

Ora foi perante algumas resultantes trágicas destas realidades incontornáveis reveladas por toda uma região alargada que se estende em volta da nossa Capital, e que cada vez mais fazem de Lisboa uma “cidade perdida” (cito Miguel Sousa Tavares), que tantos por cá se pronunciaram e muitos se manifestaram por estes dias. De tudo quanto se disse, quero apenas salientar duas tomadas de posição: a da inutilidade política fundamental que voltou a mostrar ser timbre do nosso ministro da Defesa Nacional (“já chega”, disse ele, quando é de puro bom senso assumir que, se nada tiveres a acrescentar de válido, te limites ao silêncio!) e a das declarações matarruanas e instigadoras provenientes do provocador líder parlamentar do “Chega” – a balbúrdia que crescentemente reina no retângulo não vai ser enfrentada/ultrapassada enquanto os nossos responsáveis (políticos mas também sociais e institucionais) se mantiverem agarrados às simultâneas salvaguarda preferencial dos seus interesses próprios e salvação minimalista das suas culpas e más consciências através de apelos cínicos a uma normalidade que mais não se traduz que por mudanças estritas e marginais num status quo apodrecido e dificilmente regenerável.

segunda-feira, 28 de outubro de 2024

CRESCIMENTO ECONÓMICO – A EXIGÊNCIA DE BALIZAR O DEBATE

 

(Como o sempre perspicaz Noah Smith o assinala, mesmo em tempo de crescimento anémico, o crescimento económico per capita tem evoluído melhor do que a sua tradução em emissões de gases com efeito de estufa)

(A ligeireza com que o tema do crescimento económico entra no debate político nacional relembra e está em linha com o clima de pobreza franciscana que se observa na translação das ideias para a política. Por exemplo, o atual governo da AD na transição do cenário eleitoral para a realidade fria da preparação do Orçamento para 2025 e para um plano plurianual passou de retumbantes taxas de crescimento económico para a economia portuguesa para taxas mais anémicas. E na cabeça do ministro das Finanças, Professor no ISEG, logo com maiores responsabilidades na matéria, tudo parece resumir-se ao passe de mágica da baixa de impostos. O Ministro chegou mesmo a proclamar que “deixem-nos governar com a nossa política fiscal que o crescimento económico florescerá”. Na oposição não parece haver também solidez de ideias quanto a esta matéria, embora se combata e têm toda a razão em fazê-lo a ideia da magia do choque fiscal. Claro que sabemos que aquilo que a economia nos sabe dizer quanto ao comportamento do crescimento económico não se prende necessariamente com as taxas de crescimento em período curto, de um ano para o outro, ou em períodos relativamente limitados de tempo. O que a economia nos transmite sobre esta matéria tem que ver com os fatores de crescimento a longo prazo, uma ou duas décadas, ou períodos ainda mais longos. Mas há uma verdade em economia que frequentemente esquecemos, é que qualquer período económico por mais curto que seja está sempre inserido em tendências de mais longo prazo. Por isso, discutir no debate político os números de hoje ou de amanhã sem uma perspetiva dos fatores de longo prazo que nesse momento estarão a ser determinantes equivale a colocar os políticos e os seus assessores como baratas tontas, voláteis e imprevisível a construir nuvens no ar, sem qualquer condição de objetividade para transmitir no seu discurso, que se estima ser de esperança em matéria de futuro.)

Balizemos então este debate demasiado ligeiro para meu gosto, com algumas notas baseadas na teoria e na economia empírica do crescimento económico, procurando colocar alguma ordem em todo este esgrimir de taxas, um esgrima esquisito pois ninguém toca nem é tocado, como se a realidade do crescimento económico permitisse tudo e o seu contrário para delícia da retórica política.

A primeira nota diz respeito à necessidade de ponderar que uma coisa é o debate sobre os limites do crescimento económico no mundo, melhor dizendo nos países mais avançados que definem a fronteira tecnológica, organizativa e de qualificações desse crescimento a nível mundial, outra bem diferente é a projeção desse enquadramento de troca de ideias para a economia portuguesa.

No plano do crescimento mundial, o debate está aceso, sobretudo porque como já repetidas vezes o lembrei neste blogue, existe hoje uma desproporção entre as expectativas alimentadas pelo progresso tecnológico, com as diferentes ondas de tecnologias de informação e comunicação a estruturá-lo e os ritmos efetivos de crescimento económico nessas economias mais avançadas, bem mais anémicos do que a tecnologia faria esperar. Mesmo descontando em períodos mais longos a séria influência da pandemia, o que os números sugerem é uma espécie de esgotamento do “glamour” do progresso tecnológico, como se as grandes inovações tecnológicas já tivessem sido introduzidas e disseminadas na economia e agora assistíssemos a “remakes” dessas inovações ou simples variantes das mesmas, sem idêntico poder de impulso do crescimento.

Um leitor menos atento ficará surpreendido com esta desconformidade, sobretudo em tempos em que a inteligência artificial (AI) é por muitos apresentada como a grande esperança redentora do crescimento económico. Mas a tecnologia que anunciaria mais crescimento do que o tem sido alcançado é muito mais do que a AI. É todo o catálogo de tecnologias digitais e a própria robotização que fariam esperar por mais e daí a perplexidade do leitor menos avisado.

Mas a economia é um permanente confronto de interpretações e leituras, o que faz como sabemos os cientistas físicos e matemáticos desdenhar desta estranha ciência onde os paradigmas não se sucedem, antes conflituam em permanência. Nesta matéria do crescimento existe hoje um debate aceso entre os tecno-otimistas, aqueles que sustentam que a tecnologia e a imaterialização da economia irão ultrapassar todos os constrangimentos possíveis ao crescimento, e os tecno-pessimistas que assumem várias variantes. Entre estas a tese dos recursos finitos no planeta é bastante popular, e daí sustentarem que o próprio crescimento acabará por ser também finito, embora se trate de uma tese inconsistente face à já referida imaterialização da economia. Outras teses, talvez mais consistentes, vão ao âmago da tecnologia buscar as razões do pessimismo.

A vertente analítica mais moderna e consistente do tecno-pessimismo pode ser encontrada em economistas que situam no modo atual de produção das ideias com potencial valor económico as razões para uma nova família de limites do crescimento. A consistência do argumento é mais forte pois situa-se no âmbito da imaterialização da economia. Seria na produção das ideias que deveremos encontrar as razões para possíveis limites ao crescimento. Não vos vou maçar com essa argumentação, até porque já a referi aqui em tempos neste blogue. O economista Charles I. Jones defendeu a tese de que a produtividade como as ideias são produzidas está a reduzir-se consideravelmente. Por outras palavras, o número de investigadores que é preciso para produzir uma dada ideia científica e tecnológica é cada vez maior. E se pensarmos que, em última instância, a intensidade de produção das ideias acaba por depender da população e do seu crescimento (1% de investigadores numa economia populosa como a China e 1% de investigadores numa economia de pequena dimensão como Portugal não é efetivamente a mesma coisa) acabámos por concluir algo de estranho e paradoxal. Ao fim de tantos anos, continuaríamos a dizer que o crescimento económico depende da população, como se o conhecimento económico não tivesse evoluído. Claro que neste debate a AI pode mudar os termos da argumentação e mitigar a dependência da produção de ideias do número de investigadores e, em última instância, da população.

Consideremos assim que o debate vai no adro e que são de esperar desenvolvimentos permanentes do mesmo.

Quando projetamos este debate na economia portuguesa não podemos correr o risco de pensar que o crescimento económico português pode ser discutido apenas no quadro da já referida imaterialização da economia. Obviamente, que a necessidade de Portugal aumentar o peso e intensidade das despesas em investigação e desenvolvimento (I&D) é crucial, sobretudo se acrescentarmos a necessidade dessa I&D ser realizada em contextos com mais fácil translação para o tecido empresarial (existente ou a criar), potenciando assim a sua mais rápida em inovação empresarial e em investimento produtivo inovador. Mas não podemos ignorar que a economia portuguesa continua a depender da difusão e absorção de tecnologia que outros produzem na fronteira tecnológica mundial. Ora, nesse contexto, como nos ensinaram brilhantemente Bradford DeLong e Lawrence Summers, o investimento em equipamento é um fator decisivo e crucial de crescimento económico. Quando esse investimento em equipamento desce a níveis preocupantes em termos de ritmo de crescimento, como acontece em Portugal, o crescimento económico não poderá deixar de ser anémico, apesar de toda a bravata discursiva dos políticos.

Por conversa que tive esta semana, sei que o meu antigo colega de cadeira de Crescimento Económico e de Economia da Inovação e Conhecimento na FEP, Professor Mário Rui Silva, iria neste fim de tarde na FEP, no âmbito da apresentação do novo livro de exercícios sobre crescimento coordenado pelo Professor Óscar Afonso, Diretor da FEP, reapresentar essas ideias, com evidência sólida de que o investimento em equipamento em Portugal desceu a níveis de crescimento preocupantes. Temos orgulho em termos sido provavelmente os primeiros na academia portuguesa a apresentar e a trabalhar esse artigo de Bradford DeLong e de Lawrence Summers.

É a contributos desta natureza que chamo balizar o debate e retirar da discussão uma grande parte do ruído que resulta apenas da ignorância e da baixa literacia económica da nossa classe política. Se não sabem e se não têm tempo para ler, perguntem. Como diria o outro, fazer más figuras … não havia necessidade.