segunda-feira, 28 de outubro de 2024

CRESCIMENTO ECONÓMICO – A EXIGÊNCIA DE BALIZAR O DEBATE

 

(Como o sempre perspicaz Noah Smith o assinala, mesmo em tempo de crescimento anémico, o crescimento económico per capita tem evoluído melhor do que a sua tradução em emissões de gases com efeito de estufa)

(A ligeireza com que o tema do crescimento económico entra no debate político nacional relembra e está em linha com o clima de pobreza franciscana que se observa na translação das ideias para a política. Por exemplo, o atual governo da AD na transição do cenário eleitoral para a realidade fria da preparação do Orçamento para 2025 e para um plano plurianual passou de retumbantes taxas de crescimento económico para a economia portuguesa para taxas mais anémicas. E na cabeça do ministro das Finanças, Professor no ISEG, logo com maiores responsabilidades na matéria, tudo parece resumir-se ao passe de mágica da baixa de impostos. O Ministro chegou mesmo a proclamar que “deixem-nos governar com a nossa política fiscal que o crescimento económico florescerá”. Na oposição não parece haver também solidez de ideias quanto a esta matéria, embora se combata e têm toda a razão em fazê-lo a ideia da magia do choque fiscal. Claro que sabemos que aquilo que a economia nos sabe dizer quanto ao comportamento do crescimento económico não se prende necessariamente com as taxas de crescimento em período curto, de um ano para o outro, ou em períodos relativamente limitados de tempo. O que a economia nos transmite sobre esta matéria tem que ver com os fatores de crescimento a longo prazo, uma ou duas décadas, ou períodos ainda mais longos. Mas há uma verdade em economia que frequentemente esquecemos, é que qualquer período económico por mais curto que seja está sempre inserido em tendências de mais longo prazo. Por isso, discutir no debate político os números de hoje ou de amanhã sem uma perspetiva dos fatores de longo prazo que nesse momento estarão a ser determinantes equivale a colocar os políticos e os seus assessores como baratas tontas, voláteis e imprevisível a construir nuvens no ar, sem qualquer condição de objetividade para transmitir no seu discurso, que se estima ser de esperança em matéria de futuro.)

Balizemos então este debate demasiado ligeiro para meu gosto, com algumas notas baseadas na teoria e na economia empírica do crescimento económico, procurando colocar alguma ordem em todo este esgrimir de taxas, um esgrima esquisito pois ninguém toca nem é tocado, como se a realidade do crescimento económico permitisse tudo e o seu contrário para delícia da retórica política.

A primeira nota diz respeito à necessidade de ponderar que uma coisa é o debate sobre os limites do crescimento económico no mundo, melhor dizendo nos países mais avançados que definem a fronteira tecnológica, organizativa e de qualificações desse crescimento a nível mundial, outra bem diferente é a projeção desse enquadramento de troca de ideias para a economia portuguesa.

No plano do crescimento mundial, o debate está aceso, sobretudo porque como já repetidas vezes o lembrei neste blogue, existe hoje uma desproporção entre as expectativas alimentadas pelo progresso tecnológico, com as diferentes ondas de tecnologias de informação e comunicação a estruturá-lo e os ritmos efetivos de crescimento económico nessas economias mais avançadas, bem mais anémicos do que a tecnologia faria esperar. Mesmo descontando em períodos mais longos a séria influência da pandemia, o que os números sugerem é uma espécie de esgotamento do “glamour” do progresso tecnológico, como se as grandes inovações tecnológicas já tivessem sido introduzidas e disseminadas na economia e agora assistíssemos a “remakes” dessas inovações ou simples variantes das mesmas, sem idêntico poder de impulso do crescimento.

Um leitor menos atento ficará surpreendido com esta desconformidade, sobretudo em tempos em que a inteligência artificial (AI) é por muitos apresentada como a grande esperança redentora do crescimento económico. Mas a tecnologia que anunciaria mais crescimento do que o tem sido alcançado é muito mais do que a AI. É todo o catálogo de tecnologias digitais e a própria robotização que fariam esperar por mais e daí a perplexidade do leitor menos avisado.

Mas a economia é um permanente confronto de interpretações e leituras, o que faz como sabemos os cientistas físicos e matemáticos desdenhar desta estranha ciência onde os paradigmas não se sucedem, antes conflituam em permanência. Nesta matéria do crescimento existe hoje um debate aceso entre os tecno-otimistas, aqueles que sustentam que a tecnologia e a imaterialização da economia irão ultrapassar todos os constrangimentos possíveis ao crescimento, e os tecno-pessimistas que assumem várias variantes. Entre estas a tese dos recursos finitos no planeta é bastante popular, e daí sustentarem que o próprio crescimento acabará por ser também finito, embora se trate de uma tese inconsistente face à já referida imaterialização da economia. Outras teses, talvez mais consistentes, vão ao âmago da tecnologia buscar as razões do pessimismo.

A vertente analítica mais moderna e consistente do tecno-pessimismo pode ser encontrada em economistas que situam no modo atual de produção das ideias com potencial valor económico as razões para uma nova família de limites do crescimento. A consistência do argumento é mais forte pois situa-se no âmbito da imaterialização da economia. Seria na produção das ideias que deveremos encontrar as razões para possíveis limites ao crescimento. Não vos vou maçar com essa argumentação, até porque já a referi aqui em tempos neste blogue. O economista Charles I. Jones defendeu a tese de que a produtividade como as ideias são produzidas está a reduzir-se consideravelmente. Por outras palavras, o número de investigadores que é preciso para produzir uma dada ideia científica e tecnológica é cada vez maior. E se pensarmos que, em última instância, a intensidade de produção das ideias acaba por depender da população e do seu crescimento (1% de investigadores numa economia populosa como a China e 1% de investigadores numa economia de pequena dimensão como Portugal não é efetivamente a mesma coisa) acabámos por concluir algo de estranho e paradoxal. Ao fim de tantos anos, continuaríamos a dizer que o crescimento económico depende da população, como se o conhecimento económico não tivesse evoluído. Claro que neste debate a AI pode mudar os termos da argumentação e mitigar a dependência da produção de ideias do número de investigadores e, em última instância, da população.

Consideremos assim que o debate vai no adro e que são de esperar desenvolvimentos permanentes do mesmo.

Quando projetamos este debate na economia portuguesa não podemos correr o risco de pensar que o crescimento económico português pode ser discutido apenas no quadro da já referida imaterialização da economia. Obviamente, que a necessidade de Portugal aumentar o peso e intensidade das despesas em investigação e desenvolvimento (I&D) é crucial, sobretudo se acrescentarmos a necessidade dessa I&D ser realizada em contextos com mais fácil translação para o tecido empresarial (existente ou a criar), potenciando assim a sua mais rápida em inovação empresarial e em investimento produtivo inovador. Mas não podemos ignorar que a economia portuguesa continua a depender da difusão e absorção de tecnologia que outros produzem na fronteira tecnológica mundial. Ora, nesse contexto, como nos ensinaram brilhantemente Bradford DeLong e Lawrence Summers, o investimento em equipamento é um fator decisivo e crucial de crescimento económico. Quando esse investimento em equipamento desce a níveis preocupantes em termos de ritmo de crescimento, como acontece em Portugal, o crescimento económico não poderá deixar de ser anémico, apesar de toda a bravata discursiva dos políticos.

Por conversa que tive esta semana, sei que o meu antigo colega de cadeira de Crescimento Económico e de Economia da Inovação e Conhecimento na FEP, Professor Mário Rui Silva, iria neste fim de tarde na FEP, no âmbito da apresentação do novo livro de exercícios sobre crescimento coordenado pelo Professor Óscar Afonso, Diretor da FEP, reapresentar essas ideias, com evidência sólida de que o investimento em equipamento em Portugal desceu a níveis de crescimento preocupantes. Temos orgulho em termos sido provavelmente os primeiros na academia portuguesa a apresentar e a trabalhar esse artigo de Bradford DeLong e de Lawrence Summers.

É a contributos desta natureza que chamo balizar o debate e retirar da discussão uma grande parte do ruído que resulta apenas da ignorância e da baixa literacia económica da nossa classe política. Se não sabem e se não têm tempo para ler, perguntem. Como diria o outro, fazer más figuras … não havia necessidade.

 

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