(Voz de Galicia)
(Já por repetidas vezes trouxe a este espaço de reflexão o pensamento de Fernando González Laxe, economista e Professor Catedrático galego, Universidade da Corunha, com o qual tive a honra de trabalhar em alguns estudos para a Associação Eixo Atlântico. Com uma intervenção política sempre marcante no universo do centro-esquerda e identificação com o PSOE, foi Presidente da Xunta de Galicia numa das raras passagens do PSOE galego pela Xunta. Mas o que me aproxima do seu pensamento, explorado em muitas charlas de mesa e tapas que o Eixo nos proporcionou, é sobretudo o seu pensamento de economista da escola estrutural, alguém que não perdeu referências em matéria de compreensão das transformações estruturais das economias e como ele sempre aplicou bem esse referencial ao estudo da economia galega e por extensão da economia da chamada, mais ambicionada do que real, economia da Eurorregião. Ultimamente, sem trabalho por essas bandas, são sobretudo as suas crónicas na VOZ DE GALICIA, onde continua a ser um cronista relativamente regular, que permitem manter o contacto e admiração por esse modo de pensar as economias. É este o caso da crónica hoje publicada, acompanhada de uma imagem sugestiva da realidade das eólicas, que apresenta o desafiante título de “Acaparamiento de tierras, mares y atmosferas”, que poderia traduzir algo livremente por “apropriação de terras, mares e atmosferas”.)
No desenvolvimento da crónica, Laxe fala de um processo de territorialização de ventos, água e sol, mudando radicalmente próprio conceito de território, o qual permaneceu durante longo tempo amarrado a processos extrativos a partir do solo. Não é que esta última dimensão tenha desaparecido. Sabemos, por exemplo, como em Portugal a localização de explorações de extração do lítio, visando alimentar o processo produtivo de novas baterias, tem ocupado mediaticamente a cena comunicacional, com inúmeras populações de Montalegre e da Serra de Arga em Caminha a vociferar contra essa localização (por falar em que ponto estarão os projetos mineiros que suscitaram esta reação das populações locais?). . O que Laxe nos diz é que o próprio conceito de território evoluiu para uma multidimensionalidade muito mais vasta, em que o capital procura assegurar o controlo não só do solo, mas também dos mares e da atmosfera para a diversificação de fontes de produção energética. E, não o ignoremos, talvez ainda não tenha começado a batalha da exploração dos oceanos profundos, tão promissora é a antecipação da riqueza mineral desse subsolo.
O que temos por certo é a diversificação das fontes extrativas do subsolo com a exploração mineral, de superfície com a produção agroflorestal, dos mares com a pesca, aquacultura e fontes de produção de energia das ondas e da própria atmosfera, com a energia solar e eólica.
A atividade predatória dos recursos vai certamente intensificar-se na medida em que os movimentos internacionais de capital e de investimento direto vão situar-se nesse campo mais lato das referências físicas do território. E o que é curioso é que a extração de recursos é encarada como indício de exploração acelerada dos recursos naturais sem preocupações de sustentabilidade e de respeito pela biodiversidade, apesar deste alargamento do conceito de território aparecer associado a energias renováveis que visam em princípio atender a essas preocupações. Escreve Laxe: “a territorialização dos ventos, do sol e dos mares, com os seus projetos de energia terrestre, marinha ou solar, não deixam de ser um novo controlo de novos territórios e mercados por parte das grandes corporações mundiais”.
Tem razão o economista galego quando chama a atenção de que os atentados investimentos em renováveis não podem deixar de estar sujeitos ao mesmo crivo de critérios de sustentabilidade e de preservação da biodiversidade. Obviamente que há interesses que têm de ser dirimidos e algumas das instalações chocam com atividades instaladas, sendo necessário apurar com critérios rigorosos e por vezes análises de custo-benefício transparentes que melhor decisão poderá ser tomada. González Laxe tem toda a razão para a necessidade de regulação clara destes processos, sob pena de à luz de aparentes princípios de defesa da sustentabilidade energética serem cometidos atentados graves a esses mesmos princípios.
Claro que só um economista com pensamento estrutural como Laxe pode refletir em torno de temas desta natureza.
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