segunda-feira, 28 de outubro de 2024

A PECAMINOSA ESCORREGADELA DE GUTERRES

É altamente duvidosa qualquer opinião, mesmo que fundada em algum tipo de conhecimento especializado, sobre a ida de António Guterres à Rússia (Kazan) por ocasião da cimeira dos BRICS que ali se realizou. Afirmarão alguns que o secretário-geral da ONU não pode ignorar um encontro em que se reúne uma parte muito significativa da população e da riqueza mundial, contraporão outros que a mesma personalidade não pode fazê-lo numa conjuntura como a atual em que o país anfitrião é acusado de violações reiteradas da lei internacional e alguns dos países presentes são seus aliados objetivos na aceitação sem repúdio das ditas violações. A diplomacia é complexa e todos reconheceremos óbvias razões de ser num e noutro lado das reações havidas, pelo que nada considero por ser inferido como indiscutível até esse ponto de aparente empate técnico no esgrimir de argumentos. O problema esteve na distração de Guterres em termos de pose perante Putin, algo em que um político experiente e com altas responsabilidades não pode ceder por um milésimo de segundo que seja – aquela fotografia, tradutora de um cumprimento reverencial e subserviente perante o ditador (tenha-o ou não sido e certamente que o não foi na cabeça de Guterres), é um comprovativo assassino da autoridade da primeira figura da ONU porque mais do que suscetível de um aproveitamento maldoso e desviante por parte de Putin e seus acólitos. E não importa, repito, se aquela imagem proveio só um pequeno gesto de inclinação ou se tratou de uma mera expressão de boa educação e formalidade social, se correspondeu ao tique de um português na sua sentida pequenez ou se mais não foi do que um hábito de postura adquirida após anos a saudar gente importante de toda a ordem, importa sim que não havia espaço para que Guterres, tendo optado por se deslocar a Kazan, não o tivesse feito sem preparar ao detalhe uma presença absolutamente institucional e impenetravelmente gelada perante o homem que melhor encarna o “eixo do mal” do nosso tempo – não o fez e ficou mal na fotografia que o marcará para a posteridade.

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