sexta-feira, 11 de outubro de 2024

A VIRAGEM MAGA DE SILICON VALLEY

(cartoons de Kenneth Andersson, https://www.ft.com e James Ferguson, https://www.ft.com) 

Um dos fenómenos mais estranhos – ou talvez não... – das presidenciais americanas decorre do crescente alinhamento de uma boa parte dos bilionários da Costa Oeste com Donald Trump (an influential segment of Silicon Valley’s wealth and power is now lining up behind Trump). O “Financial Times” e colunistas como Richard Waters ou Edward Luce têm abordado a questão sob vários ângulos, em busca de algumas explicações para a deriva direitista que se observa num ex-bastião Democrata (the tech world’s pro-Trump faction seems bigger and is certainly louder in this election cycle than in 2020 or 2016).

 

Claro que há considerações relevantes a ter em conta no plano das idiossincrasias pessoais – área em que se distingue a “loucura” de Elon Musk, feita de um narcisismo absurdo e de uma visão mista de medievalismo e ficção científica do mundo (vejam-se as suas declarações relativas às incursões a que aspira fora do planeta ou o modo irracional com que aplicou uma percentagem significativa da sua fortuna numa compra do “Twitter” de que nunca obterá o devido retorno) – mas há-as sobretudo em sede de interesses mais estritamente relacionados com o desenvolvimento específico dos respetivos negócios (incluindo ligações pessoais passadas, como a de JD Vance a Peter Thiel, fundador da Pay Pal e financiador importante do seu arranque político em Ohio), de diagnósticos quanto à atual evolução da sociedade americana e a posicionamentos ideológicos a valorizar com maior ênfase nas presentes circunstâncias (falando de três casos, um daqueles cronistas referia ilustrativamente que all three hate Washington, detest the ‘deep state’, resent America’s cognitive elites, and think the US is being crushed by authoritarian liberalism) e de avaliações muito críticas sobre à gestão de Biden e Obama em múltiplos planos que limitam o florescimento das indústrias tecnológicas do país (many of them are desperate to avoid Biden’s plan to tax unrealised capital gains at 25 per cent for individuals whose wealth is over $100mn, years of paralysis on mergers and acquisitions, and starving venture-backed start-up companies of lucrative exit deals) e a liderança desta no mundo global cujos desafios estão diante de nós (we are on the edge of an AI surge that will make the dotcom boom look like spring break). Embora não deixe de ser indiscutível que o shift encontre largamente os seus mais profundos fundamentos em matérias do foro regulatório e fiscal e de um privilegiado acesso ao poder central, os quais nos obrigariam a um questionamento sério dos seus drivers no tocante à viabilidade de compatibilizar a sua lógica de criação de riqueza com mínimos de equilíbrio e justiça social.

 

Porque o mundo que esta gente patrocina, sem prejuízo de todo o talento empresarial e tecnológico que ostenta, já nada tem a ver com aquele em que cresci ou com aquele a que fui sendo capaz de me adaptar – estamos perante toda uma outra realidade cujos pressupostos individualistas e apolíticos impõem grelhas de leitura que cada vez menos sou capaz de aceitar e incorporar. Será isto o protótipo de um admirável mundo novo?

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