terça-feira, 1 de outubro de 2024

LINHAS VERMELHAS QUE PODEM MUDAR DE COR

 


(Tenho cada vez menos pachorra para mergulhar nas minudências e nas guerras do alecrim e da manjerona da pequena política nacional. Depois, não gosto que brinquem com o vermelho e são conhecidas as razões. Mas desta vez, tamanha tem sido a chinfrineira do jornalismo e comentariado, à qual o Presidente da República tem dado corda, sobre a questão do orçamento para 2025, que me vejo forçado a regressar ao assunto, com toda a dose de paciência que o assunto exige. Como dizia o Pacheco Pereira na última edição do Princípio da Incerteza, há muita gente na cena política portuguesa que ainda não compreendeu o significado de termos 50 deputados do Chega no Parlamento, sobretudo do ponto de vista do impacto que tem na formação de maiorias conducentes a uma governação relativamente estável. Não interessa agora saber se essa força de 50 deputados é real ou se é balão que pode esvaziar-se parcialmente num próximo ato eleitoral. Cá por mim, conhecendo o mimetismo que a política nacional tem relativamente a tendências no exterior e tendo em conta os avanços das extremas-direitas nos parlamentos de vários países não organizaria a minha estratégia política confiando que o balão do Chega pode esvaziar um pouco. Depois, é conhecida a posição de grande vulnerabilidade em que o PS de Pedro Nuno Santos e Alexandra Leitão (sim, este duo exige cada vez mais atenção) se encontra, especialmente porque as hipóteses de maioria de esquerda se esfumaram. Por tudo isto e neste contexto, vale a pena regressar a uma análise mais fina do posicionamento que o PS tem querido estabelecer a propósito da negociação para uma possível aprovação do Orçamento 2025. Posicionamento que se tem organizado em torno de duas linhas vermelhas de convicções e valores mais profundos que o partido considera inatacáveis, o seu desacordo com o IRS jovem e com a redução do IRC.)

Numa análise mais fina das referidas linhas vermelhas chego à conclusão que o PS de Pedro Nuno Santos teria interesse em matizar a sua posição relativamente pelo menos a uma dessas problemáticas. Explico-me.

Quanto ao IRS jovem, o PS está com carradas de razão. Já não discuto a possível inconstitucionalidade da medida. Fico-me pela rejeição quase generalizada da mesma, pois em meu entender querer marcar posição numa matéria crítica como a retenção dos jovens talentos no país, fio aliviador dos efeitos penosos do declínio demográfico, com uma injustiça das gigantes, equivale a um claríssimo esticar da corda. Podemos considerar esse esticar de corda como uma engenhosa manobra tática de Montenegro e do seu grupo mais próximo, mas nas condições de pequena maioria em que a AD está no poder impor essa medida na negociação com o PS significa uma atitude colaborativa que não é consistente e que pretende colocar o parceiro negocial numa posição de intransigência. Depois, a medida não tem conserto possível, pois não pode ser mitigada ou adaptada. É ou não é e o Governo teria de encontrar outra meida emblemática para ter uma palavra a dizer na fixação de talentos e reduzir a hemorragia em busca de condições e salários mais apetecíveis. Por isto entendo que se Montenegro quer forçar a barra em matéria de IRS jovem o PS deve resistir e sujeitar-se a uma quebra de negociações. Eleições como consequência? Sim, porque não assumir riscos em política é como se não a praticássemos.

Já o mesmo não pode ser dito a propósito da descida do IRC tal como o Governo a coloca. Não é novidade que a política económica do Governo, traduzida no Power Point de Pedro Reis, se resume a um alívio fiscal para as empresas. O PSD alinha nesta matéria com as agendas mais liberais da Europa que vêm no alívio fiscal das empresas uma fonte automática e milagrosa de conhecimento, quando não há evidência robusta que a suporte. A causalidade que pode estabelecer-se entre uma descida de IRC e a criação de mais investimento como fonte de crescimento económico está longe de ser automática. Depois, na grande maioria dos países que praticam essa agenda estão num patamar de qualidade de serviços públicos e de gestão pública que podem perfeitamente acomodar uma quebra de receita fiscal para beneficiar alguns. Excetuando os países bálticos, em que a descida de impostos tem de ser compreendida no quando de países que querem libertar-se da memória do estatismo soviético que os subjugou durante largo tempo e onde por isso impostos mais baixos significam fugir dessa memória tenebrosa, a ideia dos saldos fiscais para as empresas vem regra geral associada a condições de demonstração de recursos e de garantia de investimento.

É neste contexto que penso que, do ponto de vista negocial, IRS jovem e IRC deveriam ter por parte do PS uma estratégia negocial diferente. Firmeza à prova de bala no caso do primeiro e abertura a transformações da medida de descida do IRC, combatendo a ideia de fator automático (e milagroso) de crescimento económico. É verdade que o PS não controla neste momento a narrativa comunicacional instalada. Praticamente toda a gente fala de necessidade de entendimento de ambas as partes, embora poucos discutam a estranha inflexibilidade do Governo e de Montenegro. Mas em meu entender a posição do PS de associar inflexibilidade às duas medidas não beneficia a sua audição junto das narrativas comunicacionais. A questão parece clara: em matéria de IRS jovem só o Chega aceita a medida. Porque é que Montenegro não retira disso consequências?

 

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