(Já não é de agora que o desempenho europeu em matéria de inovação, mais propriamente de I&D e Inovação, a que alguns chamam ID+I, é zurzido por análises mais ou menos impiedosas. É claro que, em alguns casos, oculta nessa análise está a acusação de que a União Europeia regula demais e investe de menos, que frequentemente obedece a preocupações não quanto ao estado da inovação, mas antes a de quem gostaria de ver os mercados da tecnologia menos regulados. E não é por acaso que deparamos frequentemente com coincidências do tipo: regista-se a inexistência na Europa de grandes grupos e conglomerados campeões da inovação, os conhecidos do costume, e ao mesmo tempo se noticiam resultados de processos judiciais regulatórios contra esses mesmos grupos, com a mediatização de multas gigantescas. Mas por vezes há vozes mais grossas e melhor intencionadas a clamar sobre essa insuficiência de desempenho. É esse o caso de Philippe Aghion e Jean Tirole, das vozes mais autorizadas sobre a matéria, que publicam, com Mathias Dewatripon, cujo nome desconhecia em absoluto, no Social Europe uma espécie de sequela lógica do Relatório Draghi sobre a competitividade europeia, já aqui comentado em post anterior. O prestígio académico e a vastíssima audiência que os nomes de Aghion e Tirole suscitam no universo da economia da inovação tornam obrigatória a referência à sua reflexão, cuja relevância para a discussão do futuro europeu transcende em muito a publicação e notoriedade de um relatório como aquele com que Draghi e a sua equipa pretenderam alertar as hostes europeias.)
A comparação com a dinâmica de ID+I nos EUA é confrangedora para a Europa, com o agravo de sabermos que, nestas coisas da inovação, a dinâmica de rendimentos crescentes e do desenvolvimento desigual que lhe anda associado faz temer o pior em termos de evolução natural das coisas. De facto, sabemos que o potencial de investigação americano não é apenas medido pelos indicadores habituais de input (recursos humanos alocados a atividades de I&D) e de output (produção científica de ranking elevado e registo de patentes), onde a superioridade face à Europa é evidente. A superioridade também se mede pelo modelo de organização e institucional que enquadra a inovação, com as universidades de topo mais claramente interligadas com o tecido empresarial, não ignorando o fabuloso potencial de I&D “in house” que os principais conglomerados empresariais apresentam. A lógica dos rendimentos crescentes que enquadra as atividades de inovação faz com que os gaps anteriormente referidos se repercutam continuamente em desempenhos diferenciados, a não ser que haja um esforço enorme para reduzir esses gaps e devolver à inovação europeia.
Apoiando-se no exemplo bem-sucedido das vacinas anti-COVID em que duas das empresas envolvidas eram pequenas organizações (Moderna, americana e BIONTech, europeia e uma só já líder na investigação de vacinas antes da pandemia, consórcio SONAFI/GSK), Aghion, Dewatripont e Tirole escrevem: “Este exemplo fornece um modelo para uma política industrial europeia bem-sucedida. O modelo americano delega o processo de tomada de decisão científica nos cientistas de topo, não finge saber que tecnologias irão funcionar e não garante nenhuma vantagem aos incumbentes. Estes elementos constituem uma solução promissora para algumas das mais graves deficiências do ecossistema de inovação europeu que o antigo presidente do Banco central Europeu sublinhou no seu mais recente relatório sobre a competitividade da UE”.
Tenho dúvidas de que todos estejamos efetivamente conscientes da enorme revolução que esta proposta de mudanças significa, seja em termos de organização da ciência e tecnologia na Europa, seja em termos de alteração da política científica, seja ainda do ponto de vista do abrir dos cordões à bolsa do investimento financiador (Estado e capital de risco). Como é óbvio, os três economistas não deixam de clamar também sobre a transformação dos mecanismos de regulação, acenando com a sua agilização. Mas o esforço de habilidade e de criatividade que será necessário para agilizar esses processos e manter os grandes conglomerados da inovação americana em sentido, não permitindo que a sua influência acabe por se abater sobre o potencial científico europeu, serão obviamente recursos muito escassos na inteligência política europeia e nesta nova Comissão de Von der Leyen por maioria de razão. Grandes conglomerados europeus não se constroem facilmente de raiz, pelo que o exemplo das vacinas COVID deverá continuar a inspirar a abordagem. O problema crítico parece estar na capacidade de identificar os small tech de grande potencial e financiar com cautela o seu desenvolvimento para não serem adquiridos por um tubarão qualquer na primeira esquina. O equilíbrio entre dar aos emergentes boas condições de crescimento e não permitir que a vantagens dos incumbentes se transforme em poder de mercado e de inércia não é fácil para qualquer política industrial, muito menos as que estão rotinadas numa lógica de continuidade e com pouca propensão para se articular com o mercado.
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