(Os nossos media, jornais, canais de televisão e canais de edição eletrónica são incorrigíveis na falta de sentido e de senso quanto a prioridades noticiosas. Qualquer altercação mais brejeira e do tipo “feios, porcos e maus” merece honras de cobertura prioritária e problemas sérios que afetam a vida diária do país são remetidos para o mais completo esquecimento. Recuperando, por exemplo, ecos da Iniciativa CpC – Cidadãos pela Cibersegurança, sabe-se que um ataque de pirataria de software, Ransonware na perspetiva deste site, produziu falhas críticas em plataformas de autenticação e serviços essenciais do Estado, atingindo o core da AMA. Ou seja, a rede da Agência da Modernização Administrativa sofreu um ataque informático, tornando o acesso a diversas plataformas e serviços digitais, com impacto óbvio na atividade do setor público e privado. Por exemplo, uma função hoje tão vuilgarizada como a emissão eletrónica de faturação não é possível por estes dias ser realizada, como acontece com a situação mais próxima que conheço, a da Quaternaire Portugal em que não podemos emitir faturas a clientes que tal nos solicitaram. Do mesmo modo, todo o serviço de certificação de assinaturas digitais está bloqueado, o que por exemplo para a atividade fundamental de apresentação de propostas nas diferentes plataformas de contratação público é um sério constrangimento com sérias penalizações para as partes envolvidas. A recuperação do ataque já se desenvolve há vários dias e ainda hoje o assunto não está resolvido.)
Hesito sinceramente em achar qual é a situação mais grave, se o silêncio do Governo, se a não cobertura dos media quanto a este problema. Se o silêncio do Governo se insere numa estratégia já conhecida de ignorar o que lhe é incómodo, e todas as energias estarão certamente a ser aplicadas em procurar deslindar as desavenças com o inefável e não confiável Ventura (alguém ainda pensa o contrário), o alheamento dos media ou resulta de uma compra de silêncio interessada ou de um desajustamento profundo sobre o que devem ser as agendas mediáticas prioritárias. Dou o benefício da dúvida de que possa ser esta última justificação a imperar, mas muito sinceramente não me conforma nada mais do que se fosse em alternativa a primeira justificação a prevalecer.
O país sofre um ataque informático no coração da modernização administrativa, a AMA, e ninguém praticamente dá a devida importância ao caso. É de bradar aos céus. Os media estão de facto reféns do populismo mais primário e depois queixam-se, coitadinhos, que não são compreendidos. Que Calimeros tão estúpidos!
Há já alguns anos, uma personalidade universitária e da inovação em geral, a quem prestava imensa atenção, sobretudo antes do INESC se ter fraturado e o INESC TEC do Porto ter avançado com carta de alforria para a independência, o Professor José Tribolet do Instituto Superior Técnico e fundador do INESC original, clamava que os riscos de vulnerabilidade da cibersegurança nacional eram tremendos e que os menos avisados ficariam de cara à banda se tomassem conhecimento das fragilidades dos sistemas de segurança existentes. Entretanto, desde essa data em que Tribolet se pronunciava, a multiplicação de ataques informáticos intensificou-se a um nível elevado e imaginaria eu que tal agravamento de ameaças tivesse tudo consequências em investimentos de proteção e segurança. Não faço a mínima ideia se o ataque que sofreu a AMA era ou não evitável e se existiam ou não falhas de segurança.
Tudo isto perante o silêncio e o alheamento dos que deveriam aproveitar estas situações para fazer passar mensagens do investimento necessário na cibersegurança.
As agendas mediáticas não têm pés nem cabeça. São uma bosta de indigência.
Nota complementar:
Não tive ainda tempo de dedicar o tempo devido ao Nobel de Economia deste ano, atribuído a três economistas do tempo longo e que têm ousado responder à velha questão da economia, de saber porque é que as nações prosperam em termos diferenciados. É sempre agradável quando o Nobel reconhece as “nossas bibliografias” de estimação, mesmo que a última obra de dois dos premiados, Daron Acemoglu e Simon Johnson, Power and Progress – our thousand-year struggle over technologyh and prosperity suscite algumas reservas de rigor e evidência de fundamentação, como aliás Noah Smith o anotou com perspicácia. Mas não é esse o ponto para hoje, mas antes o de simplesmente me regozijar com a lucidez intermitente do júri do Nobel.
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