(Tempo para uma fugaz passagem por Seixas, fugaz face ao tempo aprazível que apetece sempre prolongar, e em que um sol radiante teima em contrariar as mais sombrias previsões do IPMA. A feira de Cerveira estava mais magnífica e convivial do que o costume e eu não posso deixar de interrogar-me o que seria destas zonas transfronteiriças se os espanhóis se lembrassem de zarpar para outras paragens. Eles e elas têm efetivamente uma maneira peculiar de estar no espaço público e o encanto da feira não seria o mesmo se o tom dominante fosse o ar grave dos portugueses. Mas é preciso um tema para o post de hoje e esse vai ser o inferno que se vive no Médio Oriente, se optarmos pela perspetiva dos sofredores, não dos fazedores da guerra. Lenta, mas progressivamente, o tema do Médio Oriente vai-se impondo entre as preocupações do cidadão mediano, não porque se multipliquem nos espaços de comentário as reflexões dos estrategas militares e especialista da engenharia da guerra, mas porque se vai ganhando sensibilidade face a tantas atrocidades e hipocrisias políticas. A multiplicação dos comentários dos estrategas belicistas e militares causa-me perplexidade num país que se gaba do seu pacifismo, mas havia por aí um universo imenso de estrategas desempregados, aguardando o seu momento para se mostrar e mostrar o que valem. Daí a minha sensação, vertida para o título deste post, que o Médio oriente nunca esteve aí tão perto.)
À hora em que escrevo, várias iniciativas e manifestações, com o apoio designadamente da Amnistia Internacional, defendem na rua a causa palestina e, percebe-se, em tom nada amistoso para com as ofensivas de força de Israel por terras de Gaza, Cijordânia e sul do Líbano.
Creio que o ocidente, e não retiro Portugal dessa abrangência, não deu a devida importância aos ataques do Hamas de 7 de outubro de 2023, não apenas pela violência e nível de atrocidades que os acompanharam, mas também pelo significado determinante que revestiram como exemplo daqueles acontecimentos que só muito a longo prazo se consegue compreender toda a amplitude de consequências por eles geradas. É verdade que ainda não li nada de muito relevante para explicar a quebra de segurança por parte de Israel que permitiu que um número tão elevado de militantes mais ou menos suicidas do Hamas conseguissem infiltrar-se com tanta facilidade por diferentes lugares e cidades de Israel. A ideia dominante era a de que a fronteira sul de Israel era inexpugnável e que o Hamas não se atreveria a qualquer raid ou incursão, muito menos a um ataque com as proporções do que aconteceu em 7 de outubro. Mas, de qualquer modo e embora essa matéria seja crucial para compreender as condições em que o Hamas pôde movimentar-se, creio que os ataques do Hamas não foram condenados com a veemência que o seu nível de violência exigiria.
Dito isto, é óbvio que José Pacheco Pereira está cheio de razão quando denuncia na sua crónica de hoje no Público (link aqui) a degradação moral no país e na Europa quanto à impunidade com que nesta guerra Israel se movimenta, ultrapassando de largo o que usualmente se designa de retaliação face a uma agressão externa. A crueza das palavras de JPP deveria ser uma companhia permanente dos que se recusam a deixar cair o seu espírito crítico: “É uma guerra que aceita que, para matar um militante do Hamas ou do Hezbollah, se podem matar cem velhos, mulheres e crianças, com total indiferença, que considera normal destruir a precária infraestrutura de Gaza, casas, hospitais, escolas, tudo, sem a menor hesitação, que enuncia claros objetivos de alargamento territorial”. A posição europeia tem sido hipócrita, permissiva, cavando ainda mais o fosso de irrelevância em que a União se tem deixado cair, sendo para o futuro claro que a saída de Borrel da diplomacia externa europeia e a sua substituição por uma senhora estoniana cujo nome, peço desculpa, mas não consigo recordar representará a passagem definitiva para o politicamente correto que o velho mas estouvado Borrel se encarregava por vezes de contrariar.
Parece cada vez mais evidente que o Hamas ofereceu de bandeja aos falcões israelitas a grande oportunidade de retomar os sonhos de alargamento territorial, em que para isso seja necessário exterminar a população palestiniana. Por isso, a tese dos dois Estados é para o Israel dos falcões uma ficção reservada para os outros. Retomar essa ambição significa matar por longo tempo qualquer hipótese de paz na região, mesmo que para o gosto de Netanyahu o Irão continue a manter-se relativamente contido, não interessa agora saber se por convicção tática ou se por confirmação de dificuldades internas.
Apesar de tudo isto, Aluf Benn desenvolve na Foreign Affairs uma tese curiosa. As vitórias militares das forças israelitas são acompanhadas no plano interno por uma perceção de derrota política que se decompõe em várias manifestações possíveis: o problema não resolvido dos reféns, a não rendição do líder do Hamas Yahya Sinwar, o acentuar do isolamento político do país e o anacronismo face à história política de Israel de assegurar a permanência no poder de uma liderança como a do atual primeiro-ministro.
Entendo que para um qualquer especialista de ciência política esta coexistência de vitórias militares com uma situação política interna que não é de vitória seja aliciante como tema de análise. Mas o sofrimento humano e devastação de condições de vida humana que acompanham esse paradoxo recomendam uma perspetiva de análise menos fria do que a apreciada por um cientista político. E é nesse contexto que a denúncia de JPP deve ser apreciada como uma afirmação cívica ímpar e que tem de ser disseminada por mais gente na sociedade portuguesa, haja ou não manifestações.
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