domingo, 27 de outubro de 2024

CONTROVÉRSIA NA EDUCAÇÃO

 


(Foi particularmente visível não direi o desacordo, mas seguramente a incomodidade do ministro Fernando Alexandre, que se tem saído relativamente bem do imbróglio que o seu ministério representa, com a bravata de Montenegro de retirar as tais amarras ideológicas que o primeiro-Ministro vê na disciplina de Cidadania. O Ministro terá pensado nestes termos – olha-me este a suscitar um problema que não está decididamente entre as prioridades do sistema educativo em transição em Portugal. De facto, num sistema em que é i) necessário consolidar os ganhos dos últimos anos em termos de redução do abandono e insucesso escolar; ii) consolidar a transição para um sistema em que os cursos científico-humanísticos no secundário sejam acompanhados por uma vigorosa e melhor oferta de ensino profissional; iii) resolver de forma sustentada o problema da falta de professores e recuperar o reconhecimento social para esta profissão, acenar com a bravata das amarras ideológicas da disciplina de Cidadania, quando o país necessita de incrementar a qualidade desta última, não é mais do que a afirmação da ideologia em grande escala para combater a tal ideologia de género que desagrada a muita gente. O Ministro lá despachou como pôde o problema e regressou o mais depressa possível aos problemas fundamentais. Obviamente que as múmias Melo e Núncio exultaram com a sua pequena vitória no universo da sua insignificância política, ganhando argumentos para afirmarem junto dos seus apaniguados que a sua presença no Governo sempre se justifica. O descuido de Montenegro esse sim já é mais inexplicável, a não ser que pense mesmo assim no âmago do seu pensamento. Mas como é costume nestas coisas em que a ideologia combate a ideologia a discussão profunda das coisas passa ao lado, salvo o pronunciamento de gente que pensa profundo e não se furta ao debate. É um produto desse pensamento não escondido na dimensão mais recôndita do pensamento politicamente correto que trago hoje ao blogue não propriamente para concordar ou discordar, mas apenas para mostrar que há gente que se recusa a passar ao lado da controvérsia, apenas pelo facto de ela poder incómoda.)

Não vou aqui repetir referências já feitas ao pensamento do jornalista e ensaísta António Guerreiro, um dos últimos moicanos do pensamento crítico. O artigo publicado sexta-feira passada na sua coluna habitual do Ípsilon tem essencialmente duas partes, a primeira sobre a hipocrisia da tal decisão de retirar as amarras ideológicas da disciplina de Cidadania e a segunda sobre pensamento educativo que deveria estar no centro do debate sobre a educação em Portugal. São palavras e argumentos fortes e nesse sentido a minha intenção é trazer para este blogue esse contributo apenas com o objetivo de mostrar que, concorde-se ou discorde-se do autor, ainda há gente nos jornais que pensa profundo e não se esquiva ao debate, por mais controverso que ele possa ser.

E nestas coisas o melhor é citar dois parágrafos até porque já muito pouca gente escreve nos jornais assim:

“(…) Como se dizia outrora, quando estas matérias eram discutidas com linguagem política e não com sentenças morais, a escola é um aparelho ideológico do Estado. E tem como missão fundamental tirar os filhos da tutela dos pais, impondo uma regra actualmente impronunciável e, por isso, cada vez menos respeitada: “Família não entra.”

Este é o ideal originário da escola, aquilo que está na base desta instituição. Se a família entra, a escola perde todo o seu potencial de criar cidadãos autónomos. Como sabemos, os pais já entraram demasiado na escola, já lhes foi concedido o direito de se sentirem legítimos habitantes dessa casa cujo ideal fundador, do qual já só se guarda uma longínqua memória, é pô-los à distância. A escola que não tem o poder de se contrapor ao edipiano teatro de sombras familiar, que não consegue fazer dos alunos filhos bastardos não é uma escola que cumpra a sua missão. À injunção familiar que diz “Defendamos os nossos filhos”, deve a escola responder “Defendamos os nossos alunos”. Dos pais, quando é preciso.”

Palavras duras e fortes. Mas pensamento claro e ideias muito bem definidas. É assim que constrói um debate, não com palavras mansas ou equívocas.

 

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