Tenho de confessar que sou um tipo de rotinas. Quando
as aparências exigem que se corte a juba e se apare a barba (é preciso entrar
em 2014 com aparência de mais jovem, para contrariar o destino), o meu itinerário
urbano passa pelo Carmo e pela Praça Carlos Alberto. O competente Moreira
espera-me solícito na Invicta e é também uma oportunidade de reencontrar um
espaço da Cidade que me é extremamente caro por razões familiares (onde passei
tantas horas da minha adolescência), curiosamente não muito longe de Cedofeita
e da pastelaria creio que Suave qualquer coisa, referências do meu colega de
blogue.
O itinerário envolve livrarias, uma breve olhada
ao aspeto deprimente de algumas lojas, hoje fechadas e algumas vandalizadas, e
normalmente biscoitos em breve passagem pela padaria Ribeiro, fechando
normalmente com alguns minutos de tranquilidade, de leitura ou de simples
contemplação da fauna urbana, seja no Piolho de todas as recordações, seja no
Progresso, ícone desta zona da Cidade, hoje renovado e esperemos que
sustentadamente.
A manhã de 31 de dezembro tem pouca chama e com o
Piolho fechado, o itinerário bem matutino quedou-se pela Almedina e pelo
Progresso.
Alguns minutos para folhear o recém-adquirido
Adriano Moreira, “Memórias do Outono Ocidental, um século sem bússola” da própria
Almedina. Não propriamente uma entrada empolgante para 2014, mas a clarividência
serena de um Homem acima do tempo, que soube viver e gerir as suas contradições
de regime e de humanista e conserva uma lucidez que nos torna mais pequenos.
Da contracapa do livro, uma serena perspetiva do
nosso declínio ocidental:
“É justamente o
relevo crescente das inquietações de cada Estado europeu com os seus interesses
privativos, a crise de estrutura europeia e o aprofundamento da sua hesitação
entre a Integração na linha federalista e a União na linha da igualdade dos Estados,
que faz avultar o facto da solidariedade EUA e Europa não ser invocada,
visivelmente ela estar a enfraquecer, com os EUA a regressarem ao destino
manifesto do Pacífico e a considerar o Atlântico uma retaguarda por vezes incómoda.
O que ajuda a esquecer que é o Ocidente que está em decadência, que a violenta
crise europeia é parte de uma crise mundial sem precedente, e que os países
como Portugal veem crescer a situação de Estados exógenos, exíguos, atingidos
pela linha da pobreza que fez renascer o limes romano ao Norte do Mediterrâneo.
Pelo que não devem omitir ou esquecer o poder da voz contra a voz do poder que
emerge, acima daquela linha, ignorando que, sem União, de modelo final ainda não
definido, não é apenas a voz de cada Estado europeu, ou a voz da União
anarquizada, é a voz do Ocidente que será pelo menos fortemente debilitada no
globalismo ainda mal sabido da entrada neste século sem bússola”.
Feliz Ano para os visitantes deste blogue.