Dois dias de jejum de participação neste blogue,
essencialmente determinados por trabalho intenso no Algarve, numa maratona de
conversas e reuniões de trabalho com os 16 municípios algarvios, mergulhados
através da sua Associação de Municípios AMAL no processo de preparação do
próximo período de programação 2014-2020.
É sempre com grande expectativa que vivo estes
momentos de contacto mais empático e aprofundado com o poder local. A experiência
que tenho acumulado, um misto de deceções anunciadas e surpresas inesperadas,
assegura-me que a visão do País não é a mesma da que vai sendo feita sobretudo
através da comunicação social e de algumas picaretas falantes que ocupam o
espaço da informação. É sobretudo uma visão diferente, pois as manifestações da
crise revelam-se com mais clareza no plano local, aí se pressente o que está
para além dos números, por mais gravosos que estes se apresentem. Mas também no
plano local se perceciona melhor a resistência e a imaginação que as sociedades
locais e sobretudo os municípios vão construindo.
Bem sei que a visão macro do país enriquecida com
esta perspetiva do local não faz moda e que, lentamente, os que teimam como eu
em manter essa dualidade de perspetivas sobre a sociedade portuguesa e que
nunca demonizaram o poder local, vão sendo marginalizados e contando menos para
a orientação de rumo dos que nos vão governando. Mas quase nos 65 já não é
tempo de inflexões de grande vulto.
O Algarve é no momento atual uma região muito
interessante para aplicar esta perspetiva.
Uma primeira constatação para a qual é necessário
encontrar resposta é que não sendo o Algarve uma região da coesão, ou como hoje
o jargão comunitário designa de regiões menos desenvolvidas, uma grande parte
do seu território vive problemas muito similares aos do Norte, Centro, Alentejo
e Açores que mantiveram esse estatuto. O rendimento per capita ao nível da Região NUTS II e NUTS III (que no Algarve se
confundem pois o território é o mesmo) é de facto uma grandeza demasiado
agregada e média para traduzir a diferenciação territorial intra-Algarve.
Um segundo problema que me intriga fortemente é o
facto do reconhecimento de que estamos perante uma região com claríssimo perfil
turístico, crucial para a visibilidade turística internacional do país e não
dispor ainda hoje de uma instituição pública de saúde de excelência. Parece óbvio
que todas as plataformas de receção e giratórias dos fluxos turísticos com
relevo a nível nacional devem estar dotadas de uma instituição hospitalar
irrepreensível. O Porto/Norte e Lisboa dispõem dessas infraestruturas e não é
para mim compreensível que o Algarve dela não disponha. O hospital central de
Faro confronta-se com fortes limitações físicas e de determinadas
especialidades e o de Portimão está numa trajetória forçada de desqualificação
e de perda de valências. Não me parece difícil explicar do ponto de vista político
aos portugueses que o país necessita no Algarve de uma infraestrutura de
qualidade. Os sucessivos atrasos na concretização desta prioridade cheiram-me a
esturro, atendendo sobretudo a inúmeras instituições privadas que vão surgindo
aqui e ali mas que não se substituem à relevância de um hospital central.
Mas nesta missão tive também surpresas
inesperadas. Hoje, fico-me por uma que se articula bem com a questão da saúde
atrás comentada.
Vila Real de Santo António (VRST), a tal que tem
uma matriz de quadrícula urbana iluminista e dos tempos do Marquês que me
fascina, tem em curso uma aposta arrojada de forte concentração de recursos na área
desportiva, sendo já hoje um centro de referência para a Federação
Internacional de Atletismo, incluindo o universo dos paraolímpicos. VRST atrai
hoje nas estações não turísticas por excelência uma massa relevante de atletas
que buscam na amenidade algarvia as condições ótimas para a sua preparação,
frequentemente olímpica. Para além do atletismo, o Mundialito de futebol de miúdos
coloca no concelho cerca de 3.000 atletas e respetivas famílias. É sem surpresa
que VRST apresenta no Algarve a melhor taxa de ocupação hoteleira no período de
outubro a junho.
O projeto explora neste momento a colaboração com
a excelência cubana na área da reabilitação, acrescentando-lhe uma importante
dimensão de medicina desportiva e com algum rasgo empresarial é bem provável
que evolua para uma terceira dimensão, a do turismo de saúde.
A carga pesada de custos de exploração deste
complexo, em torno dos 2 milhões de euros, tem sido até agora assegurada apenas
pelo orçamento municipal, mas é coerente começar a pensar em formas de
contributo privado para o seu financiamento, designadamente sob a forma de uma
taxa hoteleira adicional, pois é sobre este setor que se manifestam em primeira
linha as externalidades positivas do projeto.
Eis um exemplo de como um município assume um
projeto que tem, não tenho qualquer dúvida, dimensão e projeção nacional. Uma
forma concreta de aproveitamento de uma amenidade respeitável. Almoçar no princípio
de dezembro numa esplanada, ainda com temperatura agradável, não é para
qualquer território.
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