sábado, 7 de dezembro de 2013

PELOS ALGARVES



Dois dias de jejum de participação neste blogue, essencialmente determinados por trabalho intenso no Algarve, numa maratona de conversas e reuniões de trabalho com os 16 municípios algarvios, mergulhados através da sua Associação de Municípios AMAL no processo de preparação do próximo período de programação 2014-2020.
É sempre com grande expectativa que vivo estes momentos de contacto mais empático e aprofundado com o poder local. A experiência que tenho acumulado, um misto de deceções anunciadas e surpresas inesperadas, assegura-me que a visão do País não é a mesma da que vai sendo feita sobretudo através da comunicação social e de algumas picaretas falantes que ocupam o espaço da informação. É sobretudo uma visão diferente, pois as manifestações da crise revelam-se com mais clareza no plano local, aí se pressente o que está para além dos números, por mais gravosos que estes se apresentem. Mas também no plano local se perceciona melhor a resistência e a imaginação que as sociedades locais e sobretudo os municípios vão construindo.
Bem sei que a visão macro do país enriquecida com esta perspetiva do local não faz moda e que, lentamente, os que teimam como eu em manter essa dualidade de perspetivas sobre a sociedade portuguesa e que nunca demonizaram o poder local, vão sendo marginalizados e contando menos para a orientação de rumo dos que nos vão governando. Mas quase nos 65 já não é tempo de inflexões de grande vulto.
O Algarve é no momento atual uma região muito interessante para aplicar esta perspetiva.
Uma primeira constatação para a qual é necessário encontrar resposta é que não sendo o Algarve uma região da coesão, ou como hoje o jargão comunitário designa de regiões menos desenvolvidas, uma grande parte do seu território vive problemas muito similares aos do Norte, Centro, Alentejo e Açores que mantiveram esse estatuto. O rendimento per capita ao nível da Região NUTS II e NUTS III (que no Algarve se confundem pois o território é o mesmo) é de facto uma grandeza demasiado agregada e média para traduzir a diferenciação territorial intra-Algarve.
Um segundo problema que me intriga fortemente é o facto do reconhecimento de que estamos perante uma região com claríssimo perfil turístico, crucial para a visibilidade turística internacional do país e não dispor ainda hoje de uma instituição pública de saúde de excelência. Parece óbvio que todas as plataformas de receção e giratórias dos fluxos turísticos com relevo a nível nacional devem estar dotadas de uma instituição hospitalar irrepreensível. O Porto/Norte e Lisboa dispõem dessas infraestruturas e não é para mim compreensível que o Algarve dela não disponha. O hospital central de Faro confronta-se com fortes limitações físicas e de determinadas especialidades e o de Portimão está numa trajetória forçada de desqualificação e de perda de valências. Não me parece difícil explicar do ponto de vista político aos portugueses que o país necessita no Algarve de uma infraestrutura de qualidade. Os sucessivos atrasos na concretização desta prioridade cheiram-me a esturro, atendendo sobretudo a inúmeras instituições privadas que vão surgindo aqui e ali mas que não se substituem à relevância de um hospital central.
Mas nesta missão tive também surpresas inesperadas. Hoje, fico-me por uma que se articula bem com a questão da saúde atrás comentada.
Vila Real de Santo António (VRST), a tal que tem uma matriz de quadrícula urbana iluminista e dos tempos do Marquês que me fascina, tem em curso uma aposta arrojada de forte concentração de recursos na área desportiva, sendo já hoje um centro de referência para a Federação Internacional de Atletismo, incluindo o universo dos paraolímpicos. VRST atrai hoje nas estações não turísticas por excelência uma massa relevante de atletas que buscam na amenidade algarvia as condições ótimas para a sua preparação, frequentemente olímpica. Para além do atletismo, o Mundialito de futebol de miúdos coloca no concelho cerca de 3.000 atletas e respetivas famílias. É sem surpresa que VRST apresenta no Algarve a melhor taxa de ocupação hoteleira no período de outubro a junho.
O projeto explora neste momento a colaboração com a excelência cubana na área da reabilitação, acrescentando-lhe uma importante dimensão de medicina desportiva e com algum rasgo empresarial é bem provável que evolua para uma terceira dimensão, a do turismo de saúde.
A carga pesada de custos de exploração deste complexo, em torno dos 2 milhões de euros, tem sido até agora assegurada apenas pelo orçamento municipal, mas é coerente começar a pensar em formas de contributo privado para o seu financiamento, designadamente sob a forma de uma taxa hoteleira adicional, pois é sobre este setor que se manifestam em primeira linha as externalidades positivas do projeto.
Eis um exemplo de como um município assume um projeto que tem, não tenho qualquer dúvida, dimensão e projeção nacional. Uma forma concreta de aproveitamento de uma amenidade respeitável. Almoçar no princípio de dezembro numa esplanada, ainda com temperatura agradável, não é para qualquer território.

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