Após um ciclo negocial de 12 anos iniciado em
Doha no Qatar, a Organização Mundial do Comércio liderada pelo brasileiro
Roberto Azevedo conseguiu finalmente um acordo entre os 159 países signatários
daquela organização. O último acordo (Uruguay Round) tinha sido assinado em
Marraquexe em Marrocos em 1994. O entusiasmo com que Roberto Azevedo festeja o
resultado, conforme imagem do Público de hoje, e se emociona na declaração
final, é fruto mais das prolongadas dificuldades com que a negociação se
defrontou, do que propriamente pela ambição dos resultados obtidos. Como é óbvio,
na situação em que a economia mundial se encontra qualquer rotura das negociações
precipitaria o round para as
calendas. Nesse contexto, quaisquer progressos, por mais ténues que se
apresentem, contribuirão para dinamizar o comércio internacional e por essa via
contribuírem para uma dinâmica de crescimento mundial de que os países em
situação de transição da sua afetação de recursos para os mercados externos carecem
avidamente.
Os resultados alcançados acontecem sobretudo no domínio do que se convencionou designar de protecionismo administrativo, ou
seja, toda a série de criatividades administrativas e alfandegárias de que
alguns países usam e abusam para desincentivar e dificultar importações de proveniência
seletiva. Paradoxalmente, embora se trate de avanços importantes, trata-se também
de matérias em que a concretização das decisões ontem assinadas em Bali será
mais difícil. Estamos perante domínios de grande obscuridade e passíveis de
ocultismo administrativo, além de que é matéria não grata para funcionários
alfandegários que perdem poder de alongamento da supervisão administrativa das
importações e podem, por isso, ver nas mesmas uma ameaça à imprescindibilidade
do seu emprego.
Segundo o que se vai conhecendo do acordo, a
harmonização de direitos alfandegários não chegou ao clímax da negociação, o
que mostra bem a delicadeza do processo negocial e a impossibilidade de avançar
na frente mais decisiva do desarmamento aduaneiro.
Com uma pontaria de timing excecional, o VOX Eu publicou há dias um pequeno paper de
Georgios Georgiades e Johannes Gräb, “Growth, real Exchange rates and trade protectionism since the financial crisis” que vem dar algum eco aos resultados obtidos
em Bali.
O artigo mostra que na sequência dos
acontecimentos que determinaram a crise financeira, os países do G20 (em termos
mais intensivos do que as economias emergentes) se dedicaram a diferentes
formas do que tecnicamente em linguagem anglo-saxónica se designa de “murky
protectionism” (protecionismo obscuro), tais como por exemplo
regulamentações sanitárias e de segurança ou outras formas administrativas de
desincentivo de importações. Perdas de competitividade nas economias G20 foram
assim seguidas de imaginação criativa no controlo de importações, penalizando a
extensão e dinâmica do comércio mundial.
Se a investigação de Georgiades e Gräb não
suscitar contraditório, os resultados do acordo da OMC assumem, apesar do seu
caráter recuado, uma importância a ter em conta para a dinamização futura do
comércio mundial.
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