segunda-feira, 31 de agosto de 2020

É AVISADO AVISAR

 

(https://www.ft.com)

Este post pretende constituir-se num alerta feito de leituras informadas e credíveis e de experiência concreta e vivida, quer em geral e ao longo de anos quer em particular e no decurso do corrente período pandémico. Sendo que o problema em apreço se centra hoje na justeza e eficácia dos muitos milhões que os governos, de quaisquer credos e geografias, consagram a esquemas de retenção de postos de trabalho, a linhas de crédito barato para empresas em dificuldades e a resgates dirigidos a empresas de alguma dimensão sob ameaça de falência.

 

O “Financial Times” colocou recentemente em especial foco as moratórias de insolvência, no que inspirou Münchau a segui-lo de perto. Com efeito, este glosava há dias o tema referindo que o efeito da pandemia na solvência das empresas será provavelmente a principal questão económica dos próximos anos mais imediatos e deixando um ponto de interrogação sobre se tais moratórias se devem mesmo considerar como uma “boa ideia”. Porque a balança treme entre a preocupação de prevenir uma indesejável onda de insolvências (com impacto no emprego e no investimento e na produtividade, como também na situação do setor bancário) e o risco de que a mão protetora dos governos provoque o efeito perverso de manter empresas zombies ou living dead (i.e., incapazes de serem sustentáveis a longo prazo devido a não gerarem proveitos suscetíveis de cobrirem os seus serviços de dívida).

 

Voltando ao “Financial Times”, reproduzo acima a interessante evidência com que nos brindou de uma significativa redução ocorrida, durante a pandemia, nos pedidos de proteção contra falência na maioria dos países europeus, com exceção de Suécia, Finlândia e Holanda. Já quanto a Münchau , e no mesmo comprimento de onda, elejo a sua referência ao caso especial da Alemanha (eleições no próximo ano) e, sobretudo, o modo como tratou o caso paradigmático da Espanha, argumentando que uma moratória de insolvência incentiva as empresas em dificuldade a enredarem-se nas suas dificuldades (ao invés de enveredarem por esforços e processos “normais” de reestruturação) e que tal acaba por vir a tornar ainda mais gravosa uma derradeira e quase sempre inevitável insolvência; ou seja, o que se tende a afirmar é que, se uma empresa tem condições de viabilidade (o que significa que se salvará em linha com a recuperação económica), “ela tem um problema de liquidez e não de solvência” e, assim, o instrumento adequado deve ser “uma política governamental de garantias de crédito” – o que, por si só, também tem muito que se lhe diga.

 

Um debate económico-político permanente e interminável, este; atualmente integrando invulgares contornos de urgência e exceção, que aliás conduzem a minimizações ideológicas impensáveis e a experimentalismos nem sempre justificáveis. Mas trata-se, também, de um debate do qual estamos largamente arredados por força de um sistema judicial, regulamentar e organizacional que nos inibe de ver e agir claro e em tempo (o que não quer dizer à pressa); além do muito que está por refletir quanto às formas de aplicação e controlo das linhas de crédito que vamos implementando, já para não falar do papel anestesiante e desviante que resulta frequentemente desempenhado pelos fundos estruturais europeus.


(Uttam Ghosh, https://www.rediff.com)



domingo, 30 de agosto de 2020

A MAIOR TENTAÇÃO DE STEVE


 

No meio da muita perturbação que me vai envolvendo, apesar da intermediação das férias, passou-me uma obrigatória referência ao incidente protagonizado por Steve Bannon, o ideólogo de uma “revolução” que orquestrou em nome de grandes e maléficos princípios (após ter sido um inspirador de Trump e um assessor de estratégia ao seu lado) e anunciou com a arrogância que foi visível na entrevista que concedeu ao “Expresso” no início do ano (ver abaixo). Afinal, a coisa era bem mais comezinha e relevava largamente da fraqueza da carne perante o vil metal que lhe podia passar pela mão (ou para a mão) por via da campanha de crowdfunding de que se encarregou com vista ao financiamento do muro a erguer na fronteira com o México; está agora a braços com a justiça, tendo pago 5 milhões de caução para aguardar em liberdade a sequência do processo. Às vezes, a verdade acaba mesmo por vir de cima!


ECONOMIA PANDÉMICA

 

(Jornal Expresso, 23 de agosto de 2020)

(Tenho para mim que as consequências económicas e sociais da pandemia vão ser tão severas que se abrirá um novo caminho para a economia e para a política económica que poderemos designar de economia pandémica. Nunca a interdependência entre economia e saúde foi tão estudada e creio que bem para além das implicações já assumidas por muitos de nós segundo as quais as condições de saúde constituem um elemento crucial da economia que não se esgota no PIB).

 

Estamos, genericamente na economia mundial e também irreversivelmente em Portugal, a entrar numa segunda fase de geração de efeitos económicos gerados pela pandemia. Até aqui, os impactos no PIB são fundamentalmente determinados pelos efeitos do “lockdown” a que o confinamento obrigou, prolongados pelas desiguais condições de reabertura das economias, algumas das quais já em processo de regresso a formas mais ou menos assumidas de confinamento. Mesmo que tenha sido possível manter alguns tipos de atividade em funcionamento e a distribuição logística tenha experimentado um impulso de iniciativa e organização, os efeitos do fechamento teriam que se manifestar. Há dias, o Expresso publicou um gráfico em que nas vinte economias mais importantes como destino das exportações portuguesas era visível a contração da atividade, na escala dos dois dígitos. As economias não aderiram sincronicamente ao confinamento, mas a sincronia dos efeitos de retração económica é visível. Por isso, apesar da pandemia evoluir globalmente a taxas muito diferenciadas, temos uma crise sincrónica da economia mundial. Por outras palavras, não há nenhuma economia que possa assumir para já o papel de motor da recuperação mundial.


(Jornal Expresso)


Ora, em meu entender, estamos já numa segunda fase de efeitos de perda económica. As atividades contraíram-se total ou parcialmente, nos casos mais afortunados com políticas generosas de apoio a processos de lay-off e outras formas de apoio às empresas e aos trabalhadores, mas é tempo da incerteza dos horizontes futuros se projetar na reconfiguração de planos de investimento e de dimensões de pessoal ao serviço. Ou seja, à medida que a configuração mais provável do futuro vai sendo conhecida, as empresas ajustam-se temporalmente às novas condições de procura, e não apenas nos casos mais evidentes de empresas do setor de transporte aéreo ou de turismo. Os malefícios da concentração económica, lucros e rendimento são agora mais conhecidos. Os gigantes tecnológicos animam as bolsas numa situação típica de exuberância irracional, mas tal dinâmica não tem os efeitos propulsores do PIB que se desejariam. E o que parece hoje cada vez mais evidente é que não haverá recuperação económica global sem que o vírus seja debelado. Como intuí desde o início, equacionar combinações alternativas de abertura (fechamento) de atividade e de aumento (diminuição) da dinâmica de contágio é um exercício puramente académico. A dança sinistra do abre e fecha corredores aéreos para fluxos turísticos é um simples exemplo de algo mais largo. As reaberturas pontuais de atividade destinam-se apenas a manter um nível mínimo de atividade, não constituindo uma via de recuperação económica robusta e sustentada. Essa virá do debelar do vírus e mesmo assim teremos que entrar em linha de conta com os efeitos de histerésis provocados pela pandemia (atividade que fecha e que não voltará a abrir, trabalhadores que abandonam o mercado de trabalho e a que a ele não regressarão mais, com queda óbvia e inevitável do produto potencial das economias.

 

Os economistas Janet Yellen (ex-governadora do FED-USA) e Jared Bernstein assinam no New York Times de 27 de agosto um artigo corajoso (link aqui), denunciando a tragédia do impasse do senado americano para desbloquear um novo pacote de ajudas à economia e aos cidadãos mais atingidos pela pandemia enquanto que a fome evolui avassaladoramente na sociedade americana (cerca de 30 milhões de americanos declararam recentemente que em suas casas não existe alimentação suficiente, 12% dos americanos, subindo essa percentagem para 16% na população negra e latina). A combinação necessária de política monetária (ação do FED-USA) e da política fiscal (decisão do governo federal) está coxa pois o Senado está refém da polarização política que o estilo de governação de Trump e o apagamento cúmplice e oportunista do partido Republicano provocaram. A ação do FED foi pronta e decisiva mas não chega, faltando a dimensão da política fiscal. Algo que esteve também eminente pelas bandas da União Europeia mas que aparentemente está a caminho de não se confirmar.

 

Cá pelo burgo, com a economia mundial em recessão sincrónica, a procura externa não pode por si só assumir todo o papel motor da economia portuguesa, por mais importante e decisivo que seja o não baixar a guarda em favor dos transacionáveis. Por ironia do destino, a reconstituição da geringonça pelo menos para 2021 e 2022 tem nesta situação uma oportunidade única de prolongamento. Seria trágico e incompreensível que o taticismo político dos três intervenientes matasse essa possibilidade. E estou, para bom entendedor, a incluir nesse taticismo o ultimatum faz de conta com que António Costa pretendeu pressionar o PCP e o Bloco de Esquerda.

KEEP ME IN THIS HOUSE (II)


(Kevin Kallaugher, KAL, https://www.economist.com)

(Chris Riddell, http://www.guardian.co.uk) 

Este post complementa (ou repete, dependendo da perspetiva) o precedente, talvez podendo principalmente corresponder a uma espécie de sumário executivo do mesmo. Porque, de facto, a essência da Convenção Republicana foi o somatório das duas imagens que acima reproduzo com a devida vénia...

KEEP ME IN THIS HOUSE (I)

(Steve Bell, http://www.guardian.co.uk)


(Klaus Stuttman, http://www.tagesspiegel.de)

 

Aqui venho hoje evidenciar um fundamental pluralismo democrático, no caso aplicado às eleições presidenciais americanas de novembro que entraram nestas semanas na sua reta final com a nomeação dos candidatos pelas convenções dos respetivos partidos. Pois se já antes mostráramos algumas imagens da Convenção Democrata, ao que vou lendo cada vez mais considerada muito minimalista e pouco entusiástica, é agora a vez de reproduzir outras tantas da Convenção Republicana que ocupou praticamente toda a passada semana. Esteve lá tudo quanto podia estar, com a família do presidente em grande destaque e Trump a dominar amplamente a cena mediática de cada dia, sinalizando um Partido Republicano totalmente capturado pelo figurão e sem qualquer capacidade de iniciativa (mesmo que pontual e não necessariamente alternativa). O discurso de aceitação, setenta minutos praticamente só compostos por ataques, avisos e ameaças, fez-se de palavras-chave a pontuarem uma sua eventual derrota, tais como socialismo e left-wing, insegurança e crime ou anarquia e caos (na linha do que sugere o cartunista Stuttman: se o vírus não resistiu aos fogos na Califórnia, porque não incendiar o país todo?). Mas a estratégia central parece assentar numa secundarização da pandemia (com promessas de vacina a chegar antes do fim do ano) e numa aposta forte na economia e na retoma (crescimento e emprego) – ou, como bem explicou Louçã na “SIC Notícias”, numa diabolização da pobreza e da marginalidade (sobretudo negras ou hispânicas) por contraponto a uma aposta nos hiper-ricos e nos detentores de capacidade de investimento (vejam-se os comportamentos recentes e infundados dos índices bolsistas americanos, só entendíveis à custa do seu artificial inflacionamento por ação da política pública). E já só faltam dois meses para o voto, se o homem não arranjar forma de provocar um adiamento!


sábado, 29 de agosto de 2020

MESSI DEIXA A CATALUNHA

(Ricardo Martínez, http://www.elmundo.es)

 

Mais futebol! Desta vez é Messi, já que evitei pronunciar-me aqui sobre a insípida final da Champions em que o coletivo do Bayern se impôs às duas pouco brilhantes estrelas do PSG. Como se documenta ao longo deste post, primeiro foi a bomba (o capitão a abandonar o barco!), depois foi a tentativa de convencimento para que o dito voltasse atrás (com algumas manobras de diversão à mistura) e agora já parece ser uma gradual conformação ao inevitável e, talvez até, ao compreensível (a busca de novidade em fim de carreira após vinte anos no mesmo local, e com desafios diferentes por acréscimo). Como vai acabar? Muito provavelmente com a maior transferência de sempre para Inglaterra ou França, muito despeito à mistura, o rolar de algumas cabeças e um sempre aplicável the show must go on.




(José María Nieto, http://www.abc.es)


Entretanto, e por cá, destaque para a tristeza que nos invadiu pela não-vinda de Cavani para o Benfica e, mais a sério, para a lamentável descida às profundezas do histórico Vitória de Setúbal (sexto clube mais titulado do futebol nacional, também sexto com mais presenças na Campeonato Nacional da Primeira Liga, tendo sido uma vez vice-campeão nacional e ocupado mais três vezes no pódio, vencedor de várias Taças de Portugal em dez finais, titular de uma Taça da Liga e três vezes chegado aos Quartos da Taça UEFA, nos meus registos sem cábulas a equipa treinada por Pedroto e Fernando Vaz e onde pontificaram Jacinto João, irmãos José Maria e Conceição, Tomé, Duda, Jaime Graça, Guerreiro, Wagner, Carriço, Matine, Vítor Baptista, José Torres, Pedras, Carlos Manuel e Mourinho Félix, entre tantos outros). O resto são as contratações ou ameaças delas por parte dos pobres (cada vez mais à espera da liquidez que lhes possa advir dos ricos – o futebol está cada vez mais transformado numa realidade assustadoramente dominada pelo capital, pelas comissões, pelos expedientes contratuais e pela quase completa ausência de transparência!) e os anúncios a rodos e os correspondentes dez por cento de concretizações por parte do amedrontado Vieira e do seu regressado ídolo Jorge Jesus. E, se correr tudo bem, lá teremos o arranque da Liga no fim de semana de 19 e 20 de setembro, com o Braga no Dragão e o Benfica em Famalicão.

 

sexta-feira, 28 de agosto de 2020

ARTE URBANA

 


(Ainda é agosto mas cheira a setembro e o outono aproxima-se vertiginosamente. Há que gozar os últimos momentos de um mês revigorante de férias, apesar da nortada (que é nossa como reza a imaginativa apresentação da Tabacaria Gomes) que finalmente chegou com alguns dias de atraso face à tradição. Por iniciativa de Amigos e vizinhos de férias de há muitos anos, o fim de tarde de ontem deu direito a uma visita guiada à Bienal de Vila Nova de Cerveira com a simpatia do Diretor Artístico da Fundação da Bienal António Cabral Pinto a servir de cicerone.

 

Gostaria um dia de refletir sobre a história da Bienal de Cerveira, com quarenta anos de vida e pronta para as curvas. Talvez ninguém imaginasse que a Bienal se aguentaria, mas a verdade é que o apoio da Câmara Municipal de Vila Nova de Cerveira, o entusiasmo de alguns grandes (José Rodrigues, Jaime Isidoro, Henrique Silva, Jaime Azinheira só para citar os mais consagrados), a dinâmica de jovens artistas e colaboradores e os primeiros passos de internacionalização fortaleceram a iniciativa e penso que todos que rumamos no verão a norte sentiríamos a falta da iniciativa e do ritual de a visitar. A arte em férias funciona bem e já lá vai muito tempo, quando rumava a sul e aos Algarves, ainda mantenho na memória a atmosfera inigualável do Centro Cultural de S. Lourenço, hoje irremediavelmente sem retorno, apesar da minha gorada insistência no Plano Estratégico de Loulé para a iniciativa poder ressurgir a cargo da Câmara Municipal, num dos mais complexos centros urbanos do Algarve que é Almancil.

Edição a edição, a Bienal vai conseguindo um casamento inteligente entre a presença de consagrados (por convite ou pelo facto regulamentar de premiados poderem por inerência estar presentes) e a inovação criativa e muito diversificada em termos de novas técnicas utilizadas que os jovens artistas concorrentes vão proporcionando. Assim acontece na edição deste ano, com a presença de consagrados como Calapez, Acácio de Carvalho ou Laranjo (este com uma peça vertical de grande beleza que me atraiu irresistivelmente) e inovações criativas em técnicas como a colagem digital, a revolução do vídeo, as instalações de néon e outras que a minha relativamente pobre formação artística me impede de descrever com a pertinente acuidade.

Mas há sobretudo um aspeto que sempre me atrai na vitalidade da Bienal é o seu contributo para que Vila Nova de Cerveira se afirme decisivamente como vila das artes e trabalhe a arte urbana como talvez nenhuma cidade ou vila com dimensão similar o faça a norte. VNC é um aglomerado de urbanidade muito contida, com grande investimento de espaço público, sem deslizes urbanísticos comprometedores (o cervo lá no cimo parece supervisionar essa garantia), para a qual a arte urbana exerce um papel fundamental. A educação do olhar constitui uma obrigação da política de valorização do espaço público.

Este ano o foco de atração é proporcionado por uma peça de grande envergadura do escultor israelita (nascido no Iémen) Zadok Ben-David (Girl on Run with shadow), já responsável pelo cervo do centro da vila, provisoriamente instalada junto ao rio, mesmo na saída do recinto magnífico da Feira de Cerveira.

Nota final

Depois de adoçar o espírito e o olhar, a gastronomia impõe-se. Jantar ameno de amigos no topo do monte fronteiro a Cerveira, implantação do aldeamento da Quinta das Mineirinhas, no restaurante A Casa das Velhas. Reconheço que a paisagem também se paga e a localização do restaurante é irrepreensível. Mas em termos de qualidade-preço pareceu-me um restaurante demasiado exorbitante para o que pode apresentar. E arte do posicionamento é crucial na restauração.