domingo, 9 de agosto de 2020

NEVOEIROS



(É tradição, apesar das alterações climáticas. Agosto significa para as praias do Norte neblinas matinais, mais ou menos prolongadas, e nortadas, fortes e incómodas. Para já é com os nevoeiros com que temos de nos amanhar, o que já não é mau. Mas há aqui alguma coisa de metafórico nas neblinas deste ano, pois o nevoeiro é muito sobre algumas das grandes questões com a que a República tem de se preocupar).

Dizia o meu saudoso Amigo Professor Arquiteto Duarte Castel-Branco, que nos deixou em 2015, fervoroso frequentador estival da praia de São Martinho do Porto, que não conhecia sítio tão bom para exercitar a imaginação em férias. A praga dos nevoeiros matinais fazia com que, segundo o humor característico do Duarte, todas as manhãs se colocasse a mesma questão, “o que vamos fazer hoje até que a praia se torne apelativa”?

Moledo é mais ou menos assim quando o nevoeiro nos toca e o que é curioso é que a dois ou três quilómetros a vila não afina regra geral pelo mesmo diapasão. Claro que os veraneantes com os ossos ainda em bom estado, o que não é o caso, gostam de sentir aquela humidade no dorso, aguardando que o sol comece a penetrar a espessura das nuvens e as toalhas deixam de preencher a sua função para se transformarem em reforço de agasalho.

Mas nunca como este ano me parece que as neblinas matinais são metafóricas. Anda, de facto, por aí muito nevoeiro na coisa pública, seja por via da indeterminação e incerteza estrutural que nos apoquenta, seja pela reduzida transparência com que alguns dossiers passam pela opinião pública.

A própria evolução da pandemia é ela própria um nevoeiro espesso, sobretudo pelos termos incertos do seu prolongamento no tempo, com algumas temas-chave, como por exemplo a reabertura das escolas no novo ano letivo ou a real dimensão da quebra de atividade económica com que podemos contar, a marcar essa incerteza.

Como hoje o bem assinala António Barreto na sua crónica semanal no Público, a implementação da nova legislação sobre as CCDR e o modo de eleição das suas Presidências é tipicamente uma situação de faz de conta à qual PS, PSD e o Presidente da República prestam um mau serviço. Imaginar que a eleição de um Presidente através de um colégio eleitoral autárquico prestará um bom serviço às falhas de planeamento e coordenação que as políticas públicas apresentam em Portugal é um atentado à inteligência dos portugueses, sobretudo aqueles mais identificados com a questão territorial. Que Marcelo fique na história como o dinamitador das promessas vãs constitucionais da regionalização (e só não foi a legislação sobre o aborto porque lhe saiu na rifa um Ricardo Araújo Pereira ferozmente acutilante (bons tempos!) posso compreender embora não o aceite. Mas que se mascare essa deferência com uma legislação que mata precocemente a regionalização não tem perdão. Até porque o PS que mantinha o fogo aceso na ideia das eleições das Áreas Metropolitanas meteu a violinha no saco quando Marcelo avisou que a medida era inconstitucional e que tudo faria para a inviabilizar.

É claro que dir-me-ão alguns que a mitigação dos efeitos negativos dependerá de quem for escolhido. Sim, em parte, e estou convicto que o meu colega de blogue o seria capaz de fazer acaso fosse eleito. Mas a questão não é essa. A questão é introduzir artificialmente um novo espaço de concertação intermunicipal quando ele já existe ao nível das Comunidades Intermunicipais, quando o problema central são as falhas de coordenação de um Estado demasiado vertical e segmentado.

Noutro plano, a preparação do novo período de programação continua envolto no mistério do trabalho de retaguarda, não se percebendo como programação de FEEI e plano de regeneração económica irão ser articulados. Nevoeiro, demasiado nevoeiro, para inopinadamente à mínima aberta se lançar um processo com a pressa habitual, normalmente padronizado para todas as regiões como se elas comungam dos mesmos problemas e lá vamos nós para uma nova invenção a partir do zero. Estou farto de nevoeiro.

E, finalmente, para não vos maçar muito, pois o fim de tarde está soalheiro (a pedir um copo do dito), há uma nova grande questão que tem tudo para dar confusão, a solução energética do hidrogénio. Peço-vos desculpa mas o tempo ainda não deu para me inteirar decentemente do assunto. Mas nestas questões sou um intuitivo incorrigível. E quando temos Galamba e Mira Amaral nos lados opostos da questão cheira-me imediatamente a esturro, com as gotículas do último (vulgo perdigotos) a adensar ainda mais o nevoeiro. Tive essa intuição com as renováveis quando não vi uma maneira decente de apresentar a ideia ao país e viu-se o que deu. Estou com a mesma intuição em relação ao hidrogénio.

Deixa-me gozar o fim de tarde pois amanhã há mais nevoeiro.

Sem comentários:

Enviar um comentário