(É tradição, apesar das alterações climáticas. Agosto
significa para as praias do Norte neblinas matinais, mais ou menos prolongadas,
e nortadas, fortes e incómodas. Para já é com os
nevoeiros com que temos de nos amanhar, o que já não é mau. Mas há aqui alguma
coisa de metafórico nas neblinas deste ano, pois o nevoeiro é muito sobre
algumas das grandes questões com a que a República tem de se preocupar).
Dizia o meu saudoso Amigo Professor Arquiteto Duarte Castel-Branco, que nos
deixou em 2015, fervoroso frequentador estival da praia de São Martinho do
Porto, que não conhecia sítio tão bom para exercitar a imaginação em férias. A
praga dos nevoeiros matinais fazia com que, segundo o humor característico do
Duarte, todas as manhãs se colocasse a mesma questão, “o que vamos fazer hoje
até que a praia se torne apelativa”?
Moledo é mais ou menos assim quando o nevoeiro nos toca e o que é curioso é
que a dois ou três quilómetros a vila não afina regra geral pelo mesmo diapasão.
Claro que os veraneantes com os ossos ainda em bom estado, o que não é o caso,
gostam de sentir aquela humidade no dorso, aguardando que o sol comece a
penetrar a espessura das nuvens e as toalhas deixam de preencher a sua função
para se transformarem em reforço de agasalho.
Mas nunca como este ano me parece que as neblinas matinais são metafóricas.
Anda, de facto, por aí muito nevoeiro na coisa pública, seja por via da
indeterminação e incerteza estrutural que nos apoquenta, seja pela reduzida
transparência com que alguns dossiers passam pela opinião pública.
A própria evolução da pandemia é ela própria um nevoeiro espesso, sobretudo
pelos termos incertos do seu prolongamento no tempo, com algumas temas-chave, como
por exemplo a reabertura das escolas no novo ano letivo ou a real dimensão da
quebra de atividade económica com que podemos contar, a marcar essa incerteza.
Como hoje o bem assinala António Barreto na sua crónica semanal no Público,
a implementação da nova legislação sobre as CCDR e o modo de eleição das suas
Presidências é tipicamente uma situação de faz de conta à qual PS, PSD e o
Presidente da República prestam um mau serviço. Imaginar que a eleição de um
Presidente através de um colégio eleitoral autárquico prestará um bom serviço
às falhas de planeamento e coordenação que as políticas públicas apresentam em
Portugal é um atentado à inteligência dos portugueses, sobretudo aqueles mais
identificados com a questão territorial. Que Marcelo fique na história como o
dinamitador das promessas vãs constitucionais da regionalização (e só não foi a
legislação sobre o aborto porque lhe saiu na rifa um Ricardo Araújo Pereira
ferozmente acutilante (bons tempos!) posso compreender embora não o aceite. Mas
que se mascare essa deferência com uma legislação que mata precocemente a
regionalização não tem perdão. Até porque o PS que mantinha o fogo aceso na
ideia das eleições das Áreas Metropolitanas meteu a violinha no saco quando
Marcelo avisou que a medida era inconstitucional e que tudo faria para a
inviabilizar.
É claro que dir-me-ão alguns que a mitigação dos efeitos negativos
dependerá de quem for escolhido. Sim, em parte, e estou convicto que o meu
colega de blogue o seria capaz de fazer acaso fosse eleito. Mas a questão não é
essa. A questão é introduzir artificialmente um novo espaço de concertação
intermunicipal quando ele já existe ao nível das Comunidades Intermunicipais,
quando o problema central são as falhas de coordenação de um Estado demasiado
vertical e segmentado.
Noutro plano, a preparação do novo período de programação continua envolto
no mistério do trabalho de retaguarda, não se percebendo como programação de
FEEI e plano de regeneração económica irão ser articulados. Nevoeiro, demasiado
nevoeiro, para inopinadamente à mínima aberta se lançar um processo com a
pressa habitual, normalmente padronizado para todas as regiões como se elas
comungam dos mesmos problemas e lá vamos nós para uma nova invenção a partir do
zero. Estou farto de nevoeiro.
E, finalmente, para não vos maçar muito, pois o fim de tarde está soalheiro
(a pedir um copo do dito), há uma nova grande questão que tem tudo para dar
confusão, a solução energética do hidrogénio. Peço-vos desculpa mas o tempo
ainda não deu para me inteirar decentemente do assunto. Mas nestas questões sou
um intuitivo incorrigível. E quando temos Galamba e Mira Amaral nos lados
opostos da questão cheira-me imediatamente a esturro, com as gotículas do
último (vulgo perdigotos) a adensar ainda mais o nevoeiro. Tive essa intuição
com as renováveis quando não vi uma maneira decente de apresentar a ideia ao
país e viu-se o que deu. Estou com a mesma intuição em relação ao hidrogénio.
Deixa-me gozar o fim de tarde pois amanhã há mais nevoeiro.
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