sábado, 1 de agosto de 2020

RAINHAS DE INGLATERRA



(Por razões compreensíveis, não vou revelar que tipo de conversas ou de assuntos suscitaram esta minha reflexão, mas a decisão de o tratar neste blogue é porque ele caracteriza bem uma grande parte das transições etárias em muitas das organizações deste país. A transição etária é uma questão séria e relevante, pois suscita questões de inclusão ou de exclusão e porque o modo como as diferentes organizações e instituições se adaptam à melhoria gradual das qualificações é um assunto chave dos nossos tempos, sobretudo em países como em Portugal que partem de um baixo nível médio de qualificações.

O declínio demográfico que assola a generalidade dos países europeus tem efeitos cuja transversalidade está longe de ser conhecida e principalmente focada como problema exigindo soluções mais integradas do que as que têm sido acionadas. E não conhecemos ainda que consequências as indeterminações e incertezas estruturais suscitadas pelo surto pandémico irão provocar no comportamento futuro da fertilidade, já que tragicamente os efeitos sobre a mortalidade esses são bem conhecidos.

Uma das consequências menos conhecidas dessa transversalidade diz respeito à transição organizacional que a substituição ou coexistência evolutiva de gerações mais novas e mais velhas representa e ao modo como as diferentes instituições e entidades (públicas e privadas) tratam essa questão do ponto de vista das soluções ensaiadas.

Na política, a terminologia usada é frequentemente a dos senadores, conhecemos bem algumas dessas manifestações e até no panorama do comentário político nas televisões nacionais elas são visíveis. Não é a transição observada nas organizações políticas que hoje me interessa analisar, mas antes a que se regista noutras organizações, empresas, entidades públicas de toda a natureza.

Nessas transições, uma das modalidades utilizadas é a emergência de situações que dão origem à criação de “Rainhas de Inglaterra”. A designação não é lá muito abonatória para a monarca britânica, sobretudo agora que, depois de visualizarmos cá em casa sofregamente as diferentes séries do THE CROWN (aguardo com expectativa a nova série), acabei por ficar com uma outra ideia sobre Isabel (bem sei que é ficção, mas …).

Em que consiste o modelo? Trata-se de lugares hierárquicos, uma espécie de “chairmen” ou “chairwomen” das organizações, que pressupostamente ocupam esses lugares para as defender com o seu prestígio e influência de outrora, sendo a componente mais executiva e de meter as mãos na massa atribuídas a gente mais nova, com outra energia e, regra geral, também com outras perspetivas do mundo e do modo como afirmar as organizações a que pertencem.

O modelo tem muitas variantes e, por exemplo, nas universidades americanas a figura dos Professores Eméritos é muito relevante, pois não interferindo no dia-a-dia organizativo e de decisão dessas organizações muitos continuam a desenvolver pensamento, investigação e publicação, contribuindo com o seu nome e pensamento para a excelência da Universidade a que pertencem. Esta modalidade é pouco apreciada em Portugal e em muitos casos a data da reforma é o primeiro dia de um bota-fora como se esta gente queimasse, por vezes com o pretexto legal, noutros casos com o da exiguidade das instalações.

Mas o modelo tem derivas e essas acontecem quando as personalidades entronizadas com o estatuto de “Rainha de Inglaterra” decidem enveredar por reinados mais interventivos, como se fosse possível de repente pôr de pés para o ar o estatuto da monarquia. Resultado, quando se inverte aquilo que tem muita força e deve assim continuar, temos complicação na organização e não raras vezes temos duas “organizações” a funcionar. Na política é muito conhecido o caso da Câmara Municipal de Elvas onde o então neófito Dr. Nuno Mocinha permitiu que o velho dinossauro do PS Rondão Almeida ficasse com um gabinete nas instalações físicas da Câmara Municipal. Pouco tempo depois, duas “Câmaras” funcionavam em paralelo já que o homem com mais placas no concelho se recusava a encarar que o seu período político acabara.

Imaginem as perturbações organizacionais decorrentes do facto das “Rainhas de Inglaterra” se recusarem a aceitar na prática o estatuto que tinham sugerido para acumular a sua própria transição para a vida inativa.

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