quarta-feira, 26 de agosto de 2020

AEROSSÓIS

 


(As férias vão caminhando para o seu fim, começando a emergir no meu pensamento a ideia de que poderia perfeitamente viver todo o ano neste recanto apelativo de Seixas, fronteiro ao Coura e ao Minho de que umas almas bondosas quiseram facilitar-me a vista, deitando abaixo algumas infestantes. Refeições prazenteiras, de quando em vez com amigos próximos, com o Coura e o Minho como horizonte visual, são um privilégio e com elas identifico essencialmente as férias, com a musa Martha Argerich a tocar na sala, a completar o ambiente. Nos últimos tempos, porém, mais atento aos aerossóis, por razões bem compreensíveis.

 

Se há evidência marcante que a investigação científica tem conseguido extrair do que vai sendo possível reunir sobre as incidências da pandemia é a que respeita à probabilidade mais elevada da disseminação do vírus por via dos aerossóis podem aguentar-se no ar mais tempo do que o anunciado.

A minha fonte de inspiração provém de um artigo publicado na Time Magazine de autoria do Professor José-Luís Jimenez, professor de química associado ao Cooperative Institute for Research in Environmental Sciences da Universidade de Colorado-Boulder (link aqui).

As autoridades sanitárias elaboraram os seus planos de ataque e mitigação dos efeitos de contágio do COVID-19 com base essencialmente em duas orientações que correspondiam a evidências científicas: primeiro, a defesa contra o contacto com superfícies onde o vírus poderia estar depositado durante algumas horas (lavagem de mãos, limpeza de superfícies e disciplina para não tocar a nossa própria pele) e, depois, a defesa contra a propagação pelas chamadas gotículas com uma trajetória rapidamente descendente (balística) para o chão (que está na origem da distância física recomendada e que foi abundante e generalizadamente confundida com a ideia errada de distância social). No primeiro caso, o artigo de Jimenez cita um estudo de impacto de um programa de lavagem de mãos no Reino Unido que terá conseguido apenas uma redução de 16% na incidência da transmissão do vírus. No segundo caso, tem dado origem à recomendação para evitar ambientes fechados de grande proximidade, tais como bares ou reuniões familiares de grandes proporções. Mas a verdade é que a transmissão por gotículas exige atividade de tosse ou de espirro, que pode não acontecer e mesmo assim a proximidade poder determinar o contágio.

O movimento representado por Jimenez chama a atenção para a nova evidência de que os aerossóis, bem mais finos de que um cabelo humano (menos de 50 mícrons para o valor médio de 80 neste último), poderem aguentar-se no ar e disseminar-se por essa via durante bem mais tempo do que as gotículas. A explicação é intuitiva e convida obviamente a medidas para lá da lavagem de mãos e da distância física de 1-2 metros. A utilização de máscara em espaço aberto passa a assumir uma grande relevância e a atenção às condições de proximidade respiratória mesmo sem tosse ou espirro transformam-se em medidas prioritárias.

Citando o próprio Jimenez:

Proponho o seguinte: evitar ajuntamentos, espaços fechados, baixa ventilação, forte proximidade, posições sem máscara, conversar/cantar/ gritar (um dever cívico). Estes são os fatores importantes nos modelos matemáticos da transmissão de aerossóis e podem ser simplesmente entendidos como fatores que impactam a quantidade de “fumo” que tenderemos a inalar”.

As consequências para o relacionamento social poderão ser devastadoras se este dever cívico for amplamente assumido. Reconheço-o embora não seja propriamente um comunicador nato ao nível de relações pessoais. Mas o seguro morreu de velho e nestes dias nas esplanadas que tanto gosto já usei máscara, apenas a largando para o café ou para o “caminhense”.

Tempos duros, apesar das refeições com o belo horizonte do Coura e do Minho.

 

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