(Muita gente usou a terminologia bélica para descrever a luta contra a pandemia. Não escondo que me desagrada essa opção, pois revela falta de respeito pelos que sofreram efetivamente as agruras de uma guerra. Gostaria de perguntar a quem gosta de utilizar essa terminologia se também admite a existência de “crimes de guerra” cometidos em confinamento e em desconfinamento para classificar algumas barbaridades cometidas relativamente a lares de idosos. E não estou a pensar necessariamente e apenas em Reguengos de Monsaraz).
Quando sinto que o João Miguel Tavares tem razão em algumas das suas atoardas fico petrificado com o que se passa cá pelo burgo, mal claro. Mas neste caso, embora o surto de Reguengos de Monsaraz tenha sido muito mal contado pelo politicamente influente Presidente da Câmara Municipal de Reguengos de Monsaraz e por inerência Presidente da Fundação a quem pertence o fatídico lar e pelas autoridades de saúde e de proteção civil, não é a desgraça de Reguengos a inspirar esta crónica.
O New York Times, edição em papel de ontem (link aqui), traz uma reportagem pungente sobre algumas atrocidades de desproteção cometidas na Bélgica, em alguns casos bem perto das instalações da Comissão Europeia, relativas a lares de idosos. Não só surge documentada a mais completa e incauta impreparação para com o surto pandémico, incluindo a escassez de meios de proteção de utentes e de funcionários, como se afirma com evidência demonstrada que os hospitais belgas, particularmente em Bruxelas, rejeitaram idosos infetados provenientes de lares muito antes da ocupação de UCI estar fora de controlo. O jornal refere mesmo situações de ocupação a 55% que deram origem a rejeições de receção de idosos infetados.
Não é por acaso que a Bélgica se encontra no topo da letalidade per capita e que existem evidência de que as várias autoridades sanitárias do país (isto de governação multinível em períodos de pandemia tem tudo para dar para o torto, como aliás se verificou) menosprezaram a importância do vírus na sua difusão inicial. Para além disso, a sua política de testes revelou-se execrável incapaz por exemplo de testar a grande quantidade de lares e outras residências assistidas. Tudo isto no centro da Europa, paredes meias com as autoridades comunitárias. Um desastre e uma vergonha, não se entendendo a manta de silêncio que se abateu sobre tal evidência. Como Brel seria impiedoso se ainda estivesse connosco.
Caros senhores, tão useiros na invocação do clima de guerra para descrever a situação, vejam lá se com os vossos critérios terminológicos em dia não será de pensar que estamos perante verdadeiros crimes contra a humanidade ou crimes de guerra, tanto se me dá.
A brutalidade dessas decisões registadas muito antes das escolhas se tornarem pungentes, como terá acontecido em Itália no apogeu do surto, equivale a uma desumanidade sem par. Não imagino quantos inquéritos vão ser necessários para se concluir e denunciar a pérfida rejeição atrás assinalada.
E nem o facto de muito dificilmente se poder chamar “Governo” à fórmula que governa presentemente a Bélgica (um conjunto de ministros, apenas) pode acomodar tamanha desumanidade.
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