Junho de 2017 foi o mês em que aquele que é talvez o mais mítico dos álbuns dos “Beatles” fez 50 anos de existência. Cinquenta, pasme-se! Sendo também de salientar que no seio dos sobreviventes da época ainda se contam alguns insistentes e teimosos fãs dos “Rolling Stones”...
sexta-feira, 30 de junho de 2017
VICENZA E VENETO
Foi notícia muito relevante da passada semana a ocorrência de uma quebra de dois bancos em Itália. Dois bancos pequenos sem dúvida, mas não tão pequenos assim afinal (o seu balanço conjunto ascendia a 63 mil milhões de euros e juntos tinham 2,4 milhões de clientes – para fins comparativos, recorde-se que o nosso velho BES possuía um balanço de 81 mil milhões de euros e 2,1 milhões de clientes). O ruído crítico em torno do assunto assumiu um especial alcance em Espanha, muito por via da ocorrência não muito longínqua de uma operação de resgate ao seu Banco Popular (195 mil milhões de euros em balanço e 4,1 milhões de clientes). Mas os comentários especializados têm também batido bastante na tecla da (des)necessidade da União Bancária, da incompletude desta, do contributo daquele acontecimento para algum refluxo das posições alemãs na matéria e das regras de intervenção e do papel real que vão sendo assumidos pelos mecanismos europeus de supervisão e resolução (Mecanismo Único de Resolução, designadamente).
Por estrita falta de tempo, não estou em condições de aqui ir por ora muito a fundo nos vários contornos da matéria. Limito-me por isso a citar um editorial recente do “El País” (“Tem a Itália bula bancária?”) que permite por si só sinalizar dimensões essenciais do problema, sendo de sugerir apenas que se dê o devido desconto a algum natural chauvinismo que por ele também perpassa. Aí fica o dito, portanto.
“O resgate dos bancos italianos ‘Banca Popolare di Vicenza’ e ‘Veneto Banca’ causou uma surpreendente intranquilidade na Europa. Não é preciso ser-se especialista financeiro para ver que as condições com que ambos os bancos são resgatados – ‘Intesa Sanpaolo’ comprá-los-á por um euro, mas o resgate exigirá uma injeção inicial de dinheiro público de 5,2 mil milhões, podendo chegar até 17 mil milhões – são muito diferentes das aplicadas no caso do ‘Banco Popular’ espanhol, nas quais não interveio a injeção de dinheiro dos contribuintes e que foram recebidos publicamente como um modelo do que iriam ser os resgates do futuro.
Roma tem bula bancária? A Entidade Única de Resolução dá por bom o decreto italiano, apesar das promessas de que os novos mecanismos europeus de resolução de bancos impediriam que os contribuintes pagassem as crises bancárias.
A peça jurídica que permitiu distinguir o ‘Vicenza’ e o ‘Veneto’ do ‘Popular’ assenta na diferença entre o estado de resolução (como o ‘Popular’) e o de liquidação. No fundo, trata-se de uma subtileza jurídica para dar cobertura à arbitrariedade. A verdadeira diferença é que o ‘Popular’ é um banco solvente, atormentado por graves problemas de liquidez que nem a Europa nem a Espanha foram capazes de atalhar. O ‘Vicenza’ e o ‘Veneto’ são, pelo contrário, insolventes e não geram resultado de exploração suficiente para superar a sua crise. Aquela distinção implica que os governos podem explorar em torno da ideia de insolvência para agirem sem se aterem aos mecanismos europeus. Para Roma, a decisão é lógica: eles têm mais entidades à beira do colapso e querem atalhar a desconfiança; mas a universalidade dos mecanismo de resolução sai ferida.
Não podem coexistir dois modelos de resolução bancária na Europa, um estrito e sujeito à regra de que não haverá dinheiro público para resgates e outro discricionário e em que o Estado intervém sem restrições sob o pretexto de urgência e escudado na desculpa universal de que era “necessária e urgente a intervenção” (palavras do primeiro-ministro italiano Paolo Gentiloni). A distinção entre resolução e liquidação não pode estar acima do princípio de resgates sem dinheiro público. A salvação do ‘Vicenza’ e do ‘Veneto’ abre um precedente de confusão na Europa.”
quinta-feira, 29 de junho de 2017
AINDA O RECUO DA GLOBALIZAÇÃO ECONÓMICA
O comportamento do indicador “comércio mundial/produto mundial” pode ser
considerado um verdadeiro indicador alerta da globalização económica. Quando
esse indicador começou a dar sinais de que dificilmente recuperaria para níveis
anteriores a 2008, percebeu-se que algo de substancial se passava, até porque a
chamada elasticidade do comércio mundial face ao produto global (pontos
percentuais de variação do comércio mundial relativamente à variação de um
ponto percentual no produto mundial) não tinha mostrado ao longo grande tendência
de evolução estrutural.
Dos fatores estruturais que são apontados pela generalidade dos autores que
têm-se debruçado sobre a questão o encurtamento das cadeias de valor globais é
talvez o mais inequívoco e consensual. Por palavras simples, estima-se que a
massa de produtos intermédios que circula pelo comércio mundial estará a
reduzir, daí o encolhimento das cadeias de valor globais, e provavelmente
porque na civilização digital estaremos a assistir a uma lenta transformação
das condições de produção de produtos intermédios por essa economia mundial
fora.
Muito recentemente, para além da dimensão das cadeias de valor globais, há
quem trabalhe no sentido de recolocar a procura global no centro da análise,
analisando o comportamento da importação face à evolução do produto global. A
abordagem não é nova. O que é novo é o conjunto de técnicas empíricas de análise
para aprofundar o conhecimento sobre esta matéria. Assim, tirando partido do
progressivo afinamento das chamadas tabelas input-output a nível mundial, o que
é um exercício de grande complexidade de registo e agregação, é possível a nível
da economia global analisar a componente importada das diferentes componentes da
despesa global (consumo, privado e público, investimento, exportações),
fazendo-o para um conjunto de 38 países que respondem por cerca de 80% do comércio
mundial.
Ora, o que francamente não constitui novidade para espantar economistas
avisados, conclui-se que é a variável investimento que apresenta o maior peso
de componentes importadas (como, por exemplo, os Portugueses o sabem desde há
longo tempo). Acontece que, ao contrário dos entusiastas em acabar tão depressa
quanto possível com os estímulos à economia se recusam perfidamente a admitir,
a variável investimento ainda não recuperou dos níveis que atingia antes da
crise de 2008. Assim, o peso do investimento no produto global até desceu nos últimos
anos, evidenciando os tais sinais de estagnação secular de que Lawrence Summers
tanto fala e com propriedade, diga-se. Quer isto dizer que a estagnação
estrutural do investimento a nível global tende a reduzir a componente de
importações também a nível global, fazendo com que estas cresçam a ritmos
inferiores aos observados no rendimento global.
Estamos assim perante uma explicação nada sofisticada da relutância do comércio
mundial reagir a taxas similares às do produto mundial. A sofisticação está no
afinamento dos números que permitiu tirar partido das virtualidades da análise
input-output e assim decompor as componentes da despesa mundial pelo seu conteúdo
em importações. Não é mais do que o regresso a uma velha tradição da economia
estrutural, beneficiando de aperfeiçoamentos técnicos de medida. E se não fosse
o comportamento das economias emergentes, com padrões de investimento mais
resilientes, teríamos uma situação bem pior.
Por isso, a negação de que a economia mundial ainda está sob a influência
de fatores de estagnação pode levar-nos a lugares e posições bem errados.
A procura interessa.
O artigo de Marc Auboin e Floriana Borino no VOX EU de 26 de junho de 2017
(do qual recupero os dois gráficos reproduzidos neste post) (link aqui) constitui uma boa
introdução ao tema (“The falling elasticity
fo global trade to economic activity: testing the demand channel, improving global
tarde forecasts”)
MAIS TERTÚLIA
(Idígoras y Pachi, http://www.elmundo.es)
Já não sei bem quantas excelentes doses de “Tertúlia” me foram proporcionadas pela iniciativa do Centro Regional do Porto da Universidade Católica e do Alberto Castro, em especial. Ontem ao final da tarde estive em mais uma na já tradicional e sempre estimulante companhia do José Manuel Félix Ribeiro e do José Fernando Pinto dos Santos, desta vez num modelo novo que também nos trouxe uma partilha de experiências com dois jovens engenheiros (Amadeu Mendes da Kyaia e – pasme-se! – o João, ali o João Castro da Sumol Compal). Falou-se, sobretudo, de tecnologia e de inovações, de mudanças de sistemas técnicos e de novos paradigmas técnico-económicos (a não confundir com revolução industrial), de casos empresariais reveladores, de futuro. E também das respetivas implicações no plano da gestão (novos modelos de negócio, novas propostas de valor e novos negócios), especialmente no da configuração e estruturação das organizações. De passagem, e na linha de que é possível observar o futuro desde que se olhe para os sítios certos, distinguiu-se o que promissoramente vem dos Estados Unidos do pouco ou desviante que se passa na Alemanha e na Europa e diferenciou-se uma Índia portadora de caminhos de uma China “cancerosa”. Explicou-se porque é que as energias renováveis são largamente incompatíveis com o ciberespaço e as respetivas consequências tendencialmente desformatadoras. E disse-se, alto e bom som, que a globalização como processo já acabou (o mundo está globalizado, o que está bem visível nos incontroláveis fluxos de dados e ideias que atualmente o caraterizam) e que o essencial da revolução digital está feito nos dois sítios fundamentais de uma sociedade (as finanças e a guerra). Guerra que andou no ar em muitos momentos (da Internet que dela nasce às novas formas de ameaça global que evoluem da destruição maciça para a “paralisação total”). Em suma: para mim, caro Miguel Cadilhe, aquelas duas horas não foram desestabilizadoras mas de puro food for thought e desafio – talvez porque, afinal, tudo esteja no adequado “modo de usar” destes encontros...
quarta-feira, 28 de junho de 2017
FOI BONITO, PÁ
(Os Portugueses
pelam-se incorrigivelmente por estas manifestações de solidariedade, o espetáculo
de ontem no Meo Arena teve momentos genuinamente sinceros, a música foi melhor
companheira do que as palavras, e nestas coisas no melhor pano cai a nódoa porque alguém quis ser
vedetinha…)
O sempre esforçado Manuel Lemos, que dirige com afinco a União de Misericórdias
a nível nacional, bem frisou que poderia garantir pela sua honra que cada cêntimo
do milhão e centena de milhar de euros arrecadado iria ser gasto com rigor, ele
bem conhece o setor das Misericórdias e sabe que nem sempre isso acontece, dada
a perigosa intromissão das questões partidárias na vida das Misericórdias.
O espetáculo do Meo Arena teve momentos de grande genuinidade, mostrando que
as letras de certas canções adquiriram naquele contexto de tragédia nacional um
outro significado, por vezes arrepiante. A música foi sempre mais generosa do que
as palavras. Tivemos que levar, à escolha, com a verborreia do Goucha, da
Cristina Ferreira, da Fátima Lopes e de outras que tais, embora José Alberto
Carvalho se tivesse destacado na sobriedade do seu discurso trabalhando
sobretudo a contextualização das letras.
Ninguém ficou indiferente à revisita de (Jorge Palma e Sérgio Godinho):
E entretanto o tempo fez cinza da brasa
E outra maré cheia virá da maré vaza
Nasce um novo dia e no braço outra asa
Brinda-se aos amores com o vinho da casa
E vem-nos à memória uma frase batida
Hoje é o primeiro dia do resto da tua vida.
Mas também da sonoridade de Ana Moura, Carminho, Gisela João, Pedro Abrunhosa.
Claro que no melhor pano há sempre uma nódoa para estragar o ambiente. Salvador
Sobral resolveu fazer de vedetinha, com uma diatribe que valeria um bom par de
estalos.
Só com música e palavras inseridas nessa mesma música o momento de generosidade
teria sido grandioso. Os Portugueses mostram de quando em vez que são um
capital prodigioso.
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