(Reflexões em
torno de um artigo de Nuno Garoupa no Diário de Notícias de hoje, com ligações a um pensador sobre o sentido
de Portugal, Miguel Real, que tenho em muito boa conta …)
Não sei se foi por efeito do Alfa Pendular renovado das 9.50 para Lisboa,
oxalá as novas remodelações de composições sejam aceleradas, mas a leitura do
artigo de Nuno Garoupa no Diário de Notícias de hoje foi estimulante e não
sujeito aos sobressaltos de instabilidade que aquela viagem nos proporciona.
O artigo de Garoupa é de facto interessante e talvez para isso contribua a
sua remissão para o pensamento de Miguel Real, que acompanho há já algum tempo,
pois parece-me o intelectual que está mais próximo de poder desenvolver o
pensamento de Eduardo Lourenço, gizado a partir de o Labirinto da Saudade -
Psicanálise Mítica do Destino Português, talvez a obra com mais referências
mentais nas reflexões deste vosso amigo. A ideia de Portugal Suspenso no Tempo
vertida por Real nos “Traços Fundamentais da Cultura Portuguesa”, obra
publicada em 2017, é sugestiva e deveria ser objeto de debate mais alargado à
esquerda e à direita.
Garoupa pega na deixa para consagrar o que seria o desvanecimento de um
ciclo de aproximação à modernidade europeia, observado desde 1976 (a
normalização constitucional após a revolução democrática) até 2011, ano de
consumação das expectativas goradas, depois de uma década de exaustão do modelo
de crescimento baseado no esgotamento da teta dos não transacionáveis. O
desvanecimento das expectativas de aproximação à modernidade europeia está por
explicar na multidimensionalidade das variáveis explicativas mais relevantes.
Sou dos que comunga a ideia de que se observou uma exaustão do modelo de
crescimento económico. Primeiro, forjada cavalgando a desqualificação da
mão-de-obra como fator de atração de investimento e de ocultação de debilidades
da capacidade empresarial. Depois, por via da exploração do binómio
infraestruturas-imobiliário com recurso parcial a entradas de mão-de-obra
estrangeira do leste europeu às origens africanas. Mas a questão pode ser mais
vasta e não estar totalmente explicada. O falhanço da aproximação à modernidade
europeia pode ter razões mais vastas do que o modelo económico, sobretudo
avaliado à luz dos constrangimentos de um Euro definido com uma paridade franco-alemã
demasiado exigente para a economia portuguesa. Ela pode basear-se na
incapacidade endógena de gerar instituições e comportamentos de modernidade na
sociedade portuguesa, capazes de tirar partido da aproximação à União Europeia
e suscetíveis de, em tempo oportuno, terem intuído e racionalizado que os rumos
do crescimento económico não seriam sustentáveis. Tudo se teria passado como se
a facilidade de acesso aos Fundos Estruturais (está por fazer a história do
tempo longo destas condições de acesso) tivesse prolongado para além do devido
os pesos mortos institucionais e de ausência de cultura de mérito, prolongando
artificialmente a sua vida e influência.
A ideia de Portugal suspenso de Miguel Real pressupõe um ciclo de três
décadas e meia de tentativa de aproximação à modernidade europeia. Mas essa
ideia pode ser discutida: não será que essa aproximação à modernidade europeia
constitua um ciclo mais longo e mais problemático do qual a exaustão deste
modelo de crescimento é tão só uma dimensão do processo de adaptação em curso?
A parte mais interessante e controversa do artigo de Garoupa não está na
sua invocação das teses de Miguel Real. Está antes na identificação do que
Garoupa pensa ser as saídas possíveis para a transição ou suspensão que o país
estará a viver. Não vou discutir a importância que Garoupa atribui à evolução
da variável “abstenção mais votos brancos” (acima de 50%), pois a sociologia
eleitoral não é matéria em que me sinta à vontade. O que é relevante discutir é
a sua interpretação de que a mudança no xadrez partidário não será feita
provavelmente a partir de uma orientação liberal, ou seja contrária à maioria
representada pelas três forças de esquerda que dominam hoje a Assembleia da
República. Garoupa invoca para isso o consenso existente segundo ele na
sociedade portuguesa acerca do que chama “o modelo de estado dirigista”, uma
espécie de reminiscência do pombalismo de outrora.
Já aqui me referi a esta matéria em posts anteriores. O falhanço da
pretensa solução liberal acionada à bruta pelo PAF /Troika foi a sua
incapacidade de compreender que a mudança social não é a substituição de uma mother board de um PC que se substitui
por outra e se deixa a velha ao lixo, para reciclar ou contaminar. A mudança
social tem de ser concretizada a partir do que existe, mesmo quando o que
existe reclamasse substituição profunda. Assim, continuo não totalmente convencido
de que não seja possível introduzir na cultura estatista existente elementos de
transformação de sentido liberal, sobretudo no âmbito de um liberalismo social.
Esse é o grande desafio do futuro da geringonça. Esse parece-me ser o grande
desígnio do PS em Portugal no contexto gerado pela nova maioria parlamentar.
Não é óbvio, nem fácil. Mas sinceramente não vejo outra força política para o
fazer, com todas as imperfeições que transporta consigo (veja-se a displicência
na preparação das autárquicas), e para conter a degenerescência de um sistema
político que não interrompa o crescimento da abstenção.
P.S. Tenho de ser cauteloso a elogiar a remodelação do Alfa. Enquanto
escrevia parte desta peça, a composição renovada avariou em Aveiro e teve uma
paragem não prevista de 15 minutos. Cala-te boca.
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