sexta-feira, 30 de junho de 2017

VICENZA E VENETO

(Chris Tosic, https://www.ft.com)

(Emilio Giannelli, http://www.corriere.it)

Foi notícia muito relevante da passada semana a ocorrência de uma quebra de dois bancos em Itália. Dois bancos pequenos sem dúvida, mas não tão pequenos assim afinal (o seu balanço conjunto ascendia a 63 mil milhões de euros e juntos tinham 2,4 milhões de clientes – para fins comparativos, recorde-se que o nosso velho BES possuía um balanço de 81 mil milhões de euros e 2,1 milhões de clientes). O ruído crítico em torno do assunto assumiu um especial alcance em Espanha, muito por via da ocorrência não muito longínqua de uma operação de resgate ao seu Banco Popular (195 mil milhões de euros em balanço e 4,1 milhões de clientes). Mas os comentários especializados têm também batido bastante na tecla da (des)necessidade da União Bancária, da incompletude desta, do contributo daquele acontecimento para algum refluxo das posições alemãs na matéria e das regras de intervenção e do papel real que vão sendo assumidos pelos mecanismos europeus de supervisão e resolução (Mecanismo Único de Resolução, designadamente).

Por estrita falta de tempo, não estou em condições de aqui ir por ora muito a fundo nos vários contornos da matéria. Limito-me por isso a citar um editorial recente do “El País” (“Tem a Itália bula bancária?”) que permite por si só sinalizar dimensões essenciais do problema, sendo de sugerir apenas que se dê o devido desconto a algum natural chauvinismo que por ele também perpassa. Aí fica o dito, portanto.

O resgate dos bancos italianos ‘Banca Popolare di Vicenza’ e ‘Veneto Banca’ causou uma surpreendente intranquilidade na Europa. Não é preciso ser-se especialista financeiro para ver que as condições com que ambos os bancos são resgatados – ‘Intesa Sanpaolo’ comprá-los-á por um euro, mas o resgate exigirá uma injeção inicial de dinheiro público de 5,2 mil milhões, podendo chegar até 17 mil milhões – são muito diferentes das aplicadas no caso do ‘Banco Popular’ espanhol, nas quais não interveio a injeção de dinheiro dos contribuintes e que foram recebidos publicamente como um modelo do que iriam ser os resgates do futuro.
Roma tem bula bancária? A Entidade Única de Resolução dá por bom o decreto italiano, apesar das promessas de que os novos mecanismos europeus de resolução de bancos impediriam que os contribuintes pagassem as crises bancárias.
A peça jurídica que permitiu distinguir o ‘Vicenza’ e o ‘Veneto’ do ‘Popular’ assenta na diferença entre o estado de resolução (como o ‘Popular’) e o de liquidação. No fundo, trata-se de uma subtileza jurídica para dar cobertura à arbitrariedade. A verdadeira diferença é que o ‘Popular’ é um banco solvente, atormentado por graves problemas de liquidez que nem a Europa nem a Espanha foram capazes de atalhar. O ‘Vicenza’ e o ‘Veneto’ são, pelo contrário, insolventes e não geram resultado de exploração suficiente para superar a sua crise. Aquela distinção implica que os governos podem explorar em torno da ideia de insolvência para agirem sem se aterem aos mecanismos europeus. Para Roma, a decisão é lógica: eles têm mais entidades à beira do colapso e querem atalhar a desconfiança; mas a universalidade dos mecanismo de resolução sai ferida.
Não podem coexistir dois modelos de resolução bancária na Europa, um estrito e sujeito à regra de que não haverá dinheiro público para resgates e outro discricionário e em que o Estado intervém sem restrições sob o pretexto de urgência e escudado na desculpa universal de que era “necessária e urgente a intervenção” (palavras do primeiro-ministro italiano Paolo Gentiloni). A distinção entre resolução e liquidação não pode estar acima do princípio de resgates sem dinheiro público. A salvação do ‘Vicenza’ e do ‘Veneto’ abre um precedente de confusão na Europa.

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