(O estudo da
desigualdade nunca foi tão central como hoje, sucedem-se novas investigações sobre
o problema, e uma das dimensões
mais relevantes é o estudo das razões pelas quais em democracia, com as armas
que ela possibilita, a desigualdade é desigualmente tolerada em diferentes
contextos político-sociais …)
O tema é objetivamente uma homenagem a um dos patronos deste blogue, Albert
O. Hirschman. O artigo HIRSCHMAN, Albert; ROTSCHILD, Michael. The changing tolerance for income inequality in the course of economic growth.
Quarterly Journal of Economics, V. 87, n. 4, p. 544-566, 1973 continua a
ser uma das referências incontornáveis na exploração do tema, apesar dos seus
44 anos de vida.
Hoje sabemos que a desigualdade na distribuição do rendimento tem uma dimensão
estrutural que, regra geral, se identifica com o modelo de crescimento e desenvolvimento
que define os rumos da sociedade em questão. A literatura das variedades do
capitalismo explora essas diferenças. Mas em democracia, com eleições livres e poder
de barganha social com sindicatos mais ou menos representativos e poderosos, podemo-nos
questionar por que razão aparentemente a desigualdade é mais ou menos tolerada nas
sociedades em questão. A não ser que essa tolerância possa ser considerada uma
variável endógena e assim ajudar a reproduzir as desigualdades.
Chris Dillow no Stumbling and Mumbling
(link) volta ao assunto trazendo para o debate nova investigação que abre novas luzes
sobre aquilo que poderíamos designar de procura ou falta dela da igualdade.
Várias pistas são abertas.
A primeira é interessante e prende-se com a valorização da cultura de mérito.
Onde este é pouco valorizado e o seu papel praticamente irrelevante, a
intensidade da procura por redistribuição e sua tradução em diferentes vias de
intervenção social e política é também reduzida. A valorização oposta traduzirá
uma menor tolerância pela desigualdade (ver link do artigo de Karl Ove Moene
aqui).
A segunda perspetiva não pode ser ignorada e tem que ver com ignorância e
desinformação. Pouca gente conhece, de facto, a real dimensão do gap enorme
existente hoje entre as remunerações dos CEO e proprietários do capital e as
remunerações médias do trabalho. Tudo isto apesar da cobertura mediática de
algumas dessas evidências.
A terceira que é para mim a mais sugestiva ataca a endogeneização da variável
tolerância da desigualdade de forma mais direta. O nível atual de desigualdade
condiciona a perceção da desigualdade (link). Ou seja, o aumento da desigualdade trará
consigo um mecanismo endógeno conducente à sua reprodução, tendendo a tolerância
da desigualdade aumentar. Resta saber as razões que explicam essa endogeneização.
Ou, como diria Perre Bourdieu, que mecanismos de inculcação são introduzidos que
explicam essa maior tolerância com o aumento dos níveis de desigualdade?
Fora do âmbito deste tipo de explicações, não podemos ignorar entretanto
uma outra variável: a progressiva tendência para que, nas principais economias
avançadas, ter um emprego já não seja um mecanismo de proteção contra a
pobreza, ou dito de outro modo a crescente relevância dos pobres com trabalho. Trata-se
de uma tendência que se tem disseminado de forma perigosa, hoje já não na economia
americana (como está abundantemente estudado, ver link aqui), mas
extensivamente a muitas outras economias entre as quais a portuguesa.
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