domingo, 25 de junho de 2017

A TOLERÂNCIA DA DESIGUALDADE




(O estudo da desigualdade nunca foi tão central como hoje, sucedem-se novas investigações sobre o problema, e uma das dimensões mais relevantes é o estudo das razões pelas quais em democracia, com as armas que ela possibilita, a desigualdade é desigualmente tolerada em diferentes contextos político-sociais …)

O tema é objetivamente uma homenagem a um dos patronos deste blogue, Albert O. Hirschman. O artigo HIRSCHMAN, Albert; ROTSCHILD, Michael. The changing tolerance for income inequality in the course of economic growth. Quarterly Journal of Economics, V. 87, n. 4, p. 544-566, 1973 continua a ser uma das referências incontornáveis na exploração do tema, apesar dos seus 44  anos de vida.

Hoje sabemos que a desigualdade na distribuição do rendimento tem uma dimensão estrutural que, regra geral, se identifica com o modelo de crescimento e desenvolvimento que define os rumos da sociedade em questão. A literatura das variedades do capitalismo explora essas diferenças. Mas em democracia, com eleições livres e poder de barganha social com sindicatos mais ou menos representativos e poderosos, podemo-nos questionar por que razão aparentemente a desigualdade é mais ou menos tolerada nas sociedades em questão. A não ser que essa tolerância possa ser considerada uma variável endógena e assim ajudar a reproduzir as desigualdades.

Chris Dillow no Stumbling and Mumbling (link) volta ao assunto trazendo para o debate nova investigação que abre novas luzes sobre aquilo que poderíamos designar de procura ou falta dela da igualdade.

Várias pistas são abertas.

A primeira é interessante e prende-se com a valorização da cultura de mérito. Onde este é pouco valorizado e o seu papel praticamente irrelevante, a intensidade da procura por redistribuição e sua tradução em diferentes vias de intervenção social e política é também reduzida. A valorização oposta traduzirá uma menor tolerância pela desigualdade (ver link do artigo de Karl Ove Moene aqui).

A segunda perspetiva não pode ser ignorada e tem que ver com ignorância e desinformação. Pouca gente conhece, de facto, a real dimensão do gap enorme existente hoje entre as remunerações dos CEO e proprietários do capital e as remunerações médias do trabalho. Tudo isto apesar da cobertura mediática de algumas dessas evidências.

A terceira que é para mim a mais sugestiva ataca a endogeneização da variável tolerância da desigualdade de forma mais direta. O nível atual de desigualdade condiciona a perceção da desigualdade (link). Ou seja, o aumento da desigualdade trará consigo um mecanismo endógeno conducente à sua reprodução, tendendo a tolerância da desigualdade aumentar. Resta saber as razões que explicam essa endogeneização. Ou, como diria Perre Bourdieu, que mecanismos de inculcação são introduzidos que explicam essa maior tolerância com o aumento dos níveis de desigualdade?

Fora do âmbito deste tipo de explicações, não podemos ignorar entretanto uma outra variável: a progressiva tendência para que, nas principais economias avançadas, ter um emprego já não seja um mecanismo de proteção contra a pobreza, ou dito de outro modo a crescente relevância dos pobres com trabalho. Trata-se de uma tendência que se tem disseminado de forma perigosa, hoje já não na economia americana (como está abundantemente estudado, ver link aqui), mas extensivamente a muitas outras economias entre as quais a portuguesa.

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