terça-feira, 13 de junho de 2017

OS 2% EM QUESTÃO




(É tempo de poucas certezas em matéria de política macroeconómica e de estabilização em particular; por isso sucedem-se as propostas de rompimento com a tradição que já não é o que era, é o caso das propostas de revisão em alta da meta de 2% para a inflação que um conjunto de economistas americanos lançou à consideração do FED USA …)

Suportado por um artigo de Josh Bivens publicado no Economic Policy Institute, “Is 2 percent too low? Rethinking the Fed’s arbitrary inflation target to avoid another Great Recession(link), um grupo de economistas americanos de ascendência keynesiana, com Bradford DeLong e Joseph Stiglitz incluídos, lançou a passada semana a debate, centrada no FED, para aumentar a taxa de referência da política monetária (link). Como é sabido, a meta de 2% para a inflação anual organiza há já algum tempo a política monetária dos bancos centrais. No FED USA, o seu mandato estabilizador não está limitado à meta de inflação, incluindo também a taxa de desemprego, o que garante um escopo de intervenção algo mais vasto. Noutros bancos centrais, como o BCE, mais dominados pela ortodoxia monetária, a meta de inflação é o único referencial estabilizador.

Como é também conhecido, no pós 2007-2008, para perplexidade dos mais ortodoxos, os tempos trouxeram um ambiente de taxas de juro nominais nulas (o já conhecido ZERO LOWER BOUND), com taxas reais negativas associadas. Trouxeram também um contexto de taxas de inflação sistematicamente inferiores à meta estabilizadora. Na União Europeia e na zona Euro, a situação ameaçou mesmo deflação. À medida que a economia americana consolidou a recuperação e o clima estrutural de ZERO LOWER BOUND não se alterou significativamente, o grupo de economistas que assinou o documento dirigido ao FED, largamente fundamentado pelo artigo de BIVENS, começou a apreender que um próximo surto recessivo da economia americana, qualquer que seja a sua origem, criará novos problemas à política monetária. Com taxas de juro nominais nulas, a capacidade de resposta do FED está obviamente limitada, pois não poderá objetivamente reduzir a taxa de juro de referência. E as medidas pouco ortodoxas de obrigar os cidadãos a pagar pelo depósito de moeda nos bancos não se afiguram fáceis de operacionalizar.

Entretanto, três outros novos elementos não podem ser ignorados.

Primeiro, há hoje investigação muito credível que mostra que a descida da taxa de juro real de equilíbrio (taxa neutral ou R* como outros economistas lhe chamam) está para durar e que corresponderá a uma tendência longa. Em coerência com essa evidência, a inflação de longo prazo que os detentores de títulos indexados a longo prazo têm vindo a antecipar confirmam expectativas de taxas de inflação inferiores à meta.

Segundo, depois de alguma hesitação e controvérsia entre os membros do FOMC que suporta as decisões do FED, este último anunciou subidas graduais da taxa de juro de referência, que além de questionadas pelos economistas que pensam que a recuperação não está consolidada, não têm seguido o padrão de escalonamento inicialmente apresentado por Janet Yellen e seus pares.

Terceiro, um aspeto que o artigo de BIVENS destaca claramente, a economia americana vive hoje uma perigosa coexistência de taxas de juro nominais nulas e de elevado nível da dívida das famílias.


Com base neste contexto, o já mencionado grupo de economistas entende que a única forma da política monetária recuperar margem de manobra para uma futura recessão seria aumentar a taxa de inflação de referência para níveis superiores a 2%. Aliás, as evidências recentes mostram que a capacidade das descidas de taxas de juro de referência evitar descidas pronunciadas do output gap na economia americana tem vindo a descer, sendo clara na abordagem à crise de 2007-2008 (ver gráfico acima). O Banco Central do Canadá, por exemplo, segue uma orientação de revisão de 5 em 5 anos da sua taxa de inflação de referência, o que parece dar alguma margem de consistência aos peticionários.

Trata-se de um debate central. Claro que os nossos amigos alemães ficarão com pele de galinha se o FED decidir aumentar a meta para a taxa de inflação. E não sabemos o que é vai ser a atuação do FED em ambiente de Trump a dar cabo da paciência do banco central americano. Não é propriamente tempo de histórias de Pedro e o Lobo. Mas que desta vez o pós crise é diferente nem o mais empedernido ortodoxo o pode negar. Por isso, não acredito que a política monetária possa ser a mesma. Até porque os fatores estruturais que comandam a descida da taxa de juro real de equilíbrio (a taxa de curto prazo compatível com o pleno emprego e estabilidade dos preços) permanecem ativos e sem alteração previsível.

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