(Era para mim
claro que os incêndios da passada semana haveriam de, após as tréguas do apaziguamento
de circunstância, abater-se sobre o governo, dar asas a uma oposição que não
está a salvo, mas subjacente
a todo esse risco está a enorme fragilidade do Estado que ninguém quer ver, porque
as escolhas públicas são pesadas…)
Era uma espécie de crónica anunciada. A violência e a trágica dimensão dos
acontecimentos de Pedrogão Grande, Castanheira de Pera, Figueiró dos Vinhos e
mais recentemente Góis teriam e projetar-se politicamente sobre a ação do
Governo como um todo e particularmente sobre a Ministra da Administração Interna.
O genuinamente comovido e desesperado desabafo do Secretário de Estado da
Administração Interna junto do Presidente da República sempre pronto para todos
os fogos constitui a manifestação mais simbólica do modo como a tragédia se abateu
sobre o Governo. Porque é um desabafo de primeira manifestação em cima do
eclodir dos acontecimentos, anunciando o pior. O semblante dos principais
rostos do Governo fala por si, a começar pelo do primeiro-Ministro António
Costa que, com a sua experiência e intuição política, compreendeu rapidamente a
dimensão do impacto político.
No meu post anterior sobre a tragédia, falei da fragilidade do território,
ou melhor de uma larga franja do território continental, aquele que está no
limbo entre ser pura usufruição dos que lá não vivem (e que terão de pagar para
a sua usufruição) e o continuar a ser espaço de vida para um conjunto de cidadãos
a quem a democracia e a Constituição dão o direito de lá poder viver e dispor
da proteção conveniente do Estado. É também uma fragilidade que ninguém quer ver,
valorizando por compensação fatores de embelezamento que tem sido possível ir disseminando
por todo esse território.
Hoje, gostaria de falar de outra fragilidade que penaliza e amplifica a
primeira, mas que se abate tragicamente sobre as condições de vida e de morte
das pessoas nos momentos mais trágicos. A fragilidade do Estado. Fragilidade
que tem vindo a ser acumulada ao longo de sucessivos governos, na medida em que
sem escolhas públicas adequadas e sem um pronunciamento político claro sobre o
modelo e a dimensão do Estado que o nosso modelo de desenvolvimento económico
pode pagar, vai de fragilidade em fragilidade, até a momentos como o que foi
vivido na semana anterior.
Uma fragilidade complexa. Ela tem uma dimensão infraestrutural clara. A renovação
de infraestruturas e de equipamentos, depois de duas décadas de utilização de
Fundos Estruturais para esse efeito, não tem sido programada, sobretudo do ponto
de vista do equilíbrio a manter obviamente com a modernização de infraestruturas
e equipamentos para resposta a novos problemas. O caso do SIRESP ilustra esta
dimensão. Os relatos diversificados sobre a matéria são suficientemente
expressivos e arrepiantes da fragilidade que transporta. Mas outras dimensões
de fragilidade existem desde a mera manutenção e conservação de estradas até à
proteção de outros riscos, naturais e tecnológicos.
Mas a fragilidade do Estado tem uma outra dimensão, a imaterial, que
decorre da sistemática descoordenação no interior da máquina do Estado, fruto
de um modelo de administração vertical, setorializado, que se reproduz a si próprio,
lidando mal com as especificidades do território, admitindo por exemplo que a
proteção e segurança da floresta se pode fazer do mesmo modo por todo o território,
ignorando a maior incidência da pequena propriedade em largas zonas do território
continental. Fragilidade que resulta do estado caótico da governação multinível,
que nunca encontrou uma resposta cabal à rejeição da regionalização. Que criou pelo
território continental diferentes formas de desconcentração de serviços, à la carte, e que nos momentos de maior
aperto orçamental rapidamente são desvitalizadas ou abandonadas à sua sorte. Fragilidade
que resulta da tonta e inconsciente perspetiva de que basta reforçar competências
municipais, como se a experiência da territorialização do desenvolvimento não
nos mostre que o nível intermédio é crucial, para assegurar um modelo de decisão
coerente com as particularidades do território.
Tudo isto sem a perceção clara de que há escolhas públicas a fazer,
sobretudo entre as opções de um estado diverso mas estruturalmente frágil e um
estado menos omnisciente mas mais robusto e garantindo melhores condições de
vida e de proteção aos cidadãos.
Os acontecimentos desta semana mostraram nesta matéria feridas gigantescas,
desde a fragilidade das infraestruturas até às incoerências dos processos de
coordenação e decisão, com a organização dos serviços de proteção civil no
centro da questão.
Não há crescimento, redução do desemprego e aliviamento da pressão
financeira internacional que permita ocultar esta fragilidade do Estado. Daí o
impacto político imprevisível de tudo isto. Anos duros de consolidação orçamental
cega agravaram o problema, mas ele é anterior ao ajustamento.
Sem comentários:
Enviar um comentário