O comportamento do indicador “comércio mundial/produto mundial” pode ser
considerado um verdadeiro indicador alerta da globalização económica. Quando
esse indicador começou a dar sinais de que dificilmente recuperaria para níveis
anteriores a 2008, percebeu-se que algo de substancial se passava, até porque a
chamada elasticidade do comércio mundial face ao produto global (pontos
percentuais de variação do comércio mundial relativamente à variação de um
ponto percentual no produto mundial) não tinha mostrado ao longo grande tendência
de evolução estrutural.
Dos fatores estruturais que são apontados pela generalidade dos autores que
têm-se debruçado sobre a questão o encurtamento das cadeias de valor globais é
talvez o mais inequívoco e consensual. Por palavras simples, estima-se que a
massa de produtos intermédios que circula pelo comércio mundial estará a
reduzir, daí o encolhimento das cadeias de valor globais, e provavelmente
porque na civilização digital estaremos a assistir a uma lenta transformação
das condições de produção de produtos intermédios por essa economia mundial
fora.
Muito recentemente, para além da dimensão das cadeias de valor globais, há
quem trabalhe no sentido de recolocar a procura global no centro da análise,
analisando o comportamento da importação face à evolução do produto global. A
abordagem não é nova. O que é novo é o conjunto de técnicas empíricas de análise
para aprofundar o conhecimento sobre esta matéria. Assim, tirando partido do
progressivo afinamento das chamadas tabelas input-output a nível mundial, o que
é um exercício de grande complexidade de registo e agregação, é possível a nível
da economia global analisar a componente importada das diferentes componentes da
despesa global (consumo, privado e público, investimento, exportações),
fazendo-o para um conjunto de 38 países que respondem por cerca de 80% do comércio
mundial.
Ora, o que francamente não constitui novidade para espantar economistas
avisados, conclui-se que é a variável investimento que apresenta o maior peso
de componentes importadas (como, por exemplo, os Portugueses o sabem desde há
longo tempo). Acontece que, ao contrário dos entusiastas em acabar tão depressa
quanto possível com os estímulos à economia se recusam perfidamente a admitir,
a variável investimento ainda não recuperou dos níveis que atingia antes da
crise de 2008. Assim, o peso do investimento no produto global até desceu nos últimos
anos, evidenciando os tais sinais de estagnação secular de que Lawrence Summers
tanto fala e com propriedade, diga-se. Quer isto dizer que a estagnação
estrutural do investimento a nível global tende a reduzir a componente de
importações também a nível global, fazendo com que estas cresçam a ritmos
inferiores aos observados no rendimento global.
Estamos assim perante uma explicação nada sofisticada da relutância do comércio
mundial reagir a taxas similares às do produto mundial. A sofisticação está no
afinamento dos números que permitiu tirar partido das virtualidades da análise
input-output e assim decompor as componentes da despesa mundial pelo seu conteúdo
em importações. Não é mais do que o regresso a uma velha tradição da economia
estrutural, beneficiando de aperfeiçoamentos técnicos de medida. E se não fosse
o comportamento das economias emergentes, com padrões de investimento mais
resilientes, teríamos uma situação bem pior.
Por isso, a negação de que a economia mundial ainda está sob a influência
de fatores de estagnação pode levar-nos a lugares e posições bem errados.
A procura interessa.
O artigo de Marc Auboin e Floriana Borino no VOX EU de 26 de junho de 2017
(do qual recupero os dois gráficos reproduzidos neste post) (link aqui) constitui uma boa
introdução ao tema (“The falling elasticity
fo global trade to economic activity: testing the demand channel, improving global
tarde forecasts”)
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