quarta-feira, 14 de junho de 2017

O DECLÍNIO IRREVERSÍVEL DE UM POLÍTICO

 (Abaporu, pintura de Tarsila do Amaral, que se transformou num dos símbolos do modernismo no Brasil)



(Não esperaria encontrar num artigo de Miguel Sousa Tavares na Bola um epitáfio tão arrasador de um político para quem já trabalhei já há alguns anos, mas o que é curioso é ser também um epitáfio não menos arrasador de uma organização competente que já o foi e que já claramente não o é …)

Apesar de SLB convicto de há muitos anos, sobretudo a partir da data em que me vi com o meu Pai no centro do velho e extinto Estádio da Luz, não sou leitor assíduo da Bíblia da Bola e por isso não acompanho com regularidade as crónicas de Miguel Sousa Tavares naquele jornal.

Em curto período de férias e preocupado pela mais que provável necessidade de recomposição de toda uma defesa (onde toda a estabilidade de uma equipa começa), por cedência de um amigo vi-me a folhear as peripécias relatadas pela Bola de ontem em matéria de contratações, cedências e outras negociatas que longe de me acalmarem ainda mais me preocuparam. Mas onde me detive com mais atenção foi na crónica de Miguel Sousa Tavares nas últimas páginas do jornal, onde constatei um duplo epitáfio arrasador, sobre uma organização que já foi competente e sobre um político que encontrou nessa organização um abrigo oportuno.

Tenho seguido com atenção, algum gozo e por mais estranho que pareça alguma mágoa, o declínio organizacional do FCP como organização. Estou à vontade e sem conflito de interesses para o dizer, pois fui dos que não tive qualquer problema em considerar que o FCP já foi dos projetos mais consistentes que a região Norte em tempos apresentou em termos organizacionais. Numa época em que a Norte predominavam os calimeros, o FCP de Pinto da Costa, sobretudo depois de limpar algumas heranças decorrentes de más companhias, emergiu como uma organização competente, bem apetrechada e sobretudo muito profissional. Alguns colegas meus admitiram que o FCP poderia ser o Barça do Norte, alicerçado numa perspetiva de combate regional contra a sobranceria da capital e forjado por uma identidade nortenha. Nunca comunguei dessa ilusão e o tempo veio a dar-me razão, até porque a Norte outros projetos (Braga e Guimarães) vieram mostrar que o estatuto de Barça era areia de mais para aquele projeto.

Ao mesmo tempo que o FCP emergia como organização competente e internacionalmente respeitada, e com resultados evidentes, diga-se, o meu SLB agonizava, primeiro com o bebido Vilarinho e depois com a vigarice de João Vale e Azevedo (e sua estrutura, incluindo a Teresa Coelho, candidata à CM de Lisboa) à solta.

A evolução comparada das duas organizações é curiosa e tem muito para oferecer em termos de postura organizacional. Ambas acolhem em seu redor símbolos de modernidade, misturadas com dimensões arcaicas e da mais suspeitosa origem e contiguidade. As próprias personalidades centrais, Pinto da Costa e Luís Filipe Vieira, navegam em domínios de alguma contiguidade, mesmo que os passivos bancários possam ser diferenciados, penalizando o segundo. Em meu entender, os sinais de modernidade nunca se substituíram definitivamente aos elementos arcaicos e de duvidosa convivência. Aliás, tenho para mim, que os momentos de baixa de cada organização coincidem com o levantar cabelo dos elementos arcaicos e os momentos em alta com o domínios dos sinais de modernidade, mas a tensão existe sempre, ditada pela propensão do mundo do futebol acolher o arcaísmo e o duvidoso. O momento atual das duas organizações reflete a minha tese. E aqui é que a minha tese se cruza com o artigo de Miguel Sousa Tavares. Protagonistas principais como Pinto da Costa e Luís Filipe Vieira não mudam estruturalmente da noite para o dia. Podem variar de humor, mas os seus traços de comportamento não mudarão facilmente. Portanto, as diferenças virão de elementos da estrutura, designadamente das SAD respetivas. Ora uma boa comparação do que poderemos designar por fatores de modernidade é o confronto entre Fernando Gomes administrador responsável pela direção financeira da SAD FCP e Domingos Soares de Oliveira e Nuno Gaioso Ribeiro na SAD do Benfica. O artigo de MST é arrasador para Fernando Gomes e choca-me bastante ver um político que foi promissor e competente estar agora ao serviço da cobertura do arcaísmo, contribuindo para que esse arcaísmo vença a modernidade numa organização que já foi competente. MST não o refere mas Soares de Oliveira e Nuno Gaioso Ribeiro são seguramente responsáveis pelo facto de Luís Filipe Vieira parecer ter virado um gestor de exceção. Em contrapartida, Fernando Gomes está na linha do prolongamento do arcaísmo. A crónica de MST é bem mais arrasadora do que esta minha interpretação.

Todo o futebol português é uma tensão permanente entre estas duas forças. No estado atual, predominarão mais Fernandos Gomes do que Oliveiras e Gaiosos e enquanto essa tensão não se resolver a favor da modernidade todos os resultados serão efémeros.

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